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Roberto Giacomini Chapola

Pesquisador da Ridesa-UFSCar

Op-AA-56

Podridão abacaxi
Nas duas últimas décadas, temos observado o avanço da mecanização do plantio e da colheita na cultura da cana-de-açúcar no Brasil e, com isso, o estabelecimento de um novo cenário no que se refere à ocorrência e ao manejo de determinadas doenças, em particular àquelas cuja disseminação ou infecção ocorrem pelo solo.
 
A evolução do plantio mecanizado em escala comercial é justificada pela redução da mão de obra disponível, pelo aumento das áreas de plantio e pela redução dos custos operacionais. Apesar dessas vantagens, a mecanização do plantio tem sido responsável pelo aumento dos danos mecânicos nos rebolos (pedaços de colmos com três a quatro gemas), que podem ocorrer tanto na colheita mecanizada das mudas como na descarga dos rebolos na caçamba das plantadoras mecânicas. Com isso, aumentam-se as portas de entradas para alguns fungos de solo, que podem causar podridões nos rebolos e afetar o processo de brotação da cana.
 
Na região Centro-Sul do Brasil, que é responsável por mais de 90% da produção nacional de cana-de-açúcar, grande parte dos canaviais é plantado entre os meses de setembro e março, quando as condições de altas temperaturas e de maiores volumes de chuvas favorecem a brotação. Porém vem crescendo o número de produtores que fazem o chamado “plantio de inverno”, que é realizado entre abril e agosto.
 
Dentre os pontos positivos do plantio de inverno, podemos citar a possibilidade de se diluir o plantio ao longo do ano; dessa forma, os produtores utilizariam seus maquinários de maneira mais racional. Plantando-se o ano inteiro, ganha-se em eficiência e diminui-se o número de equipamentos necessários para fazer todo o plantio, o que representa um melhor aproveitamento da capacidade operacional dos equipamentos.

Outras vantagens atribuídas ao plantio de inverno são os bons níveis de produtividade alcançados e o retorno mais rápido do investimento. Entretanto, durante o período correspondente ao plantio de inverno, predominam condições de temperatura e de disponibilidade hídrica que desfavorecem a brotação; por isso os rebolos ficam mais expostos ao ataque de fungos presentes no solo, dentre os quais podemos destacar a espécie Ceratocystis paradoxa, que causa a doença conhecida como podridão abacaxi.

O fungo C. paradoxa ocorre em praticamente todas as regiões de cultivo de cana-de-açúcar e pode causar doenças em outras culturas, como a bananeira, a palmeira, o coqueiro e o abacaxizeiro. No Brasil, é encontrado em áreas de cana-de-açúcar, na maioria das vezes, na sua forma assexuada, Thielaviopsis paradoxa, que produz dois tipos de esporos: microconídios e macroconídios. Com o apodrecimento dos rebolos atacados, esses esporos são liberados no solo, servindo como fonte de inóculo para os próximos plantios. 
 
Os microconídios germinam rapidamente e são responsáveis pela disseminação da doença, enquanto os macroconídios são importantes para a sobrevivência do fungo, pois podem permanecer viáveis no solo por períodos superiores a 15 meses. Em geral, considera-se que um período de quinze dias com condições favoráveis de temperatura e de umidade no solo seja suficiente para a brotação inicial da cana. 
 
Porém, quando há um atraso nesse processo, os esporos do patógeno presentes no solo, estimulados por exsudatos da planta, germinam e penetram pelas extremidades ou por qualquer ferimento existente nos rebolos. Por outro lado, o fungo não causa danos quando as condições são favoráveis à brotação, pois as plantas conseguem escapar da doença assim que emergem do solo e iniciam os processos fotossintéticos. Portanto se trata de uma corrida contra o tempo entre a gema em crescimento e o fungo causador da podridão abacaxi.
 
Áreas que sofrem com o ataque da doença apresentam falhas de brotação, o que dá ao canavial um aspecto irregular. Em talhões muito afetados, haverá prejuízos em todos os cortes, caso não se faça o replantio nos pontos falhados; entretanto essa é uma prática bastante onerosa.

O sintoma típico da doença é a fermentação dos rebolos atacados, que passam a exalar um odor característico de abacaxi. Como os ferimentos existentes nos rebolos são portas de entrada para o fungo, a mecanização do plantio aumenta os riscos de prejuízos associados à podridão abacaxi.
 
Medidas que estimulem a brotação da cana-de-açúcar reduzem os danos causados pela doença. A forma mais simples e eficaz de controle é concentrar o plantio nos períodos mais quentes e chuvosos. Canaviais plantados entre janeiro e março têm um melhor aproveitamento das condições climáticas para o crescimento, o desenvolvimento e a maturação das plantas e, por isso, apresentam maiores produtividades. No entanto, quando se tem grandes extensões de área para plantar, a distribuição do plantio ao longo do ano facilita o gerenciamento e otimiza a utilização de máquinas e de mão de obra.
 
Outras medidas que auxiliam no manejo da podridão abacaxi são: uso de variedades com rápida brotação; plantio de gemas mais novas, que tendem a brotar mais rapidamente; maior cuidado no manuseio dos rebolos; plantios em densidades maiores, compensando possíveis falhas; preparo adequado do solo, para reduzir sua compactação e eliminar os torrões; e plantio em profundidades adequadas.
 
Caso se faça a opção pelo plantio de inverno, duas medidas são fundamentais: a primeira delas é a aplicação de fungicidas registrados para o controle da podridão abacaxi, visando proteger as extremidades e os ferimentos existentes nos rebolos; e a segunda é o uso de irrigação, com o objetivo de diminuir os efeitos negativos da baixa disponibilidade hídrica no solo durante o processo de brotação.
 
Portanto, diante da nova realidade que se mostra com a adoção do plantio mecanizado, aliada ao avanço dos plantios nas épocas menos favoráveis à brotação da cana, espera-se um aumento das áreas afetadas pela podridão abacaxi. Porém se ressalta que os prejuízos poderão ser diminuídos significativamente, dependendo do nível de adoção das recomendações aqui apresentadas. Para que o manejo da doença se faça de maneira sustentável, destacamos que o ideal não é se apoiar em apenas uma dessas medidas, mas sim associar diferentes métodos de controle.