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Silvana Creste Dias de Souza

Pesquisadora Científica do Centro de Cana - IAC

Op-AA-56

MUda é investimento e não desembolso
A ocorrência de doenças sempre teve grande impacto na cultura da cana-de-açúcar e foi responsável por nortear os programas de melhoramento genético desde o início da descoberta das hibridizações controladas em 1889.  Atualmente, são elas ainda os principais determinantes para a substituição de uma variedade de cana.
 
A literatura cita a ocorrência de cerca de 200 doenças na cultura da cana-de-açúcar, causando prejuízos que variam desde a redução da produtividade até o comprometimento da qualidade da matéria-prima para a indústria. No entanto três doenças apresentam importância relevante na canavicultura nacional: a escaldadura-das-folhas, causada pela bactéria Xanthomonas albilineans; o raquitismo-da-soqueira, causado pela bactéria Leifsonia xyli subsp. Xyli;, e o mosaico da cana, causado pelo vírus do mosaico.

Essas doenças são sistêmicas, ou seja, afetam a planta toda e resultam em grandes prejuízos à lavoura de cana. X. albilineans e L. xyli subsp. xyli infectam principalmente vasos que conduzem seiva bruta, dificultando a absorção de água e nutrientes pela planta, e, consequentemente, comprometem a produtividade. 
 
Os danos na produtividade dependem da variedade, da concentração do patógeno na  planta, da agressividade do isolado, da disponibilidade hídrica, da idade e do ciclo da cultura. Ambas as doenças são transmitidas mecanicamente, por meio de instrumentos de corte, quando as lâminas das colheitadeiras, dos equipamentos de cultivo ou dos facões cortam uma planta ou suas raizes doentes e, posteriormente, uma planta sadia.

Para L. xyli subsp. Xyli, não há sintomas externos característicos. Xanthomonas albilineans, atualmente, é a doença mais problemática, pois, apesar de apresentar uma fase crônica e aguda, em que os sintomas são visíveis, há uma fase latente, em que a bactéria está presente, mas sem sintomas visíveis. 
 
Essa fase é a mais frequente nos canaviais de todo o Brasil e tem sido detectada a partir de análises diagnósticas da qualidade de mudas para plantio, no laboratório do Centro de Cana, IAC. O vírus do mosaico da cana é um potyvirus, transmitido por afídeos (Rhopalosiphum maidis e Schizaphis graminum). Tanto os afídeos como o vírus são também capazes de infectar plantas de milho e sorgo.  
 
O uso de mudas infectadas e o estabelecimento de viveiros de cana próximos a plantações de milho e sorgo são os principais determinantes na disseminação da doença. Os danos na cultura da cana dependem do genótipo e da estirpe do vírus, podendo acarretar redução na produtividade e no rendimento de açúcar na indústria. 
 
É fato que as tecnologias pré-brotadas ganharam popularidade no plantio dos canaviais e têm sido adotadas por usinas, produtores e cooperativas de todo o Brasil. No entanto é necessária uma reavaliação quanto à qualidade da matéria-prima que tem sido usada e/ou comercializada para plantio.

Nesse sentido, gostaria de chamar a atenção para dois conceitos básicos, que precisam ser incorporados ao setor de produção de mudas de cana. O primeiro refere-se à produção de mudas sadias, e o segundo, à multiplicação ou à propagação de mudas sadias. 
 
A produção de mudas sadias tem valor e potencial de produção de semente, sim: muda-semente de cana, e deve ser a base para fornecimento de material propagativo para os viveiros de muda, garantindo os requisitos fundamentais quanto à pureza genética e à qualidade fitossanitária para as doenças descritas.

No laboratório do Centro de Cana, é frequente o recebimento de materiais de 4º a 6º corte, para análise quanto à sanidade para raquitismo e escaldadura, com intenção de uso como mudas. Ou ainda, materiais multiplicados em viveiros e/ou laboratórios, apresentando elevada infecção por mosaico. 
 
A cana-de-açúcar é uma cultura de hábito semiperene, o que significa que, uma vez plantada, uma mesma cultivar será colhida por ciclos sucessivos, até ser substituída por outra cultivar. Durante os ciclos de colheita, há acúmulo de doenças sistêmicas, que podem resultar na degenerescência da variedade, fazendo com que os níveis de produtividade caiam a patamares insustentáveis em termos de rentabilidade e de longevidade do canavial. Além disso, por ser uma cultura de propagação vegetativa, faz com que a disseminação de doenças seja direta, ou seja, se a planta-mãe é doente, todas as plantas-filhas também serão. 
 
Alguns métodos estão descritos na literatura para eliminação de doenças sistêmicas (também conhecida como limpeza clonal) em cana, como a termoterapia e a limpeza clonal por cultura de tecidos. Em cana-de-açúcar, a termoterapia a 52 ºC por 30 minutos é amplamente difundida e utilizada como rotina para estabelecimento de viveiros e é capaz de controlar o raquitismo-da-soqueira e também infecções de fungos, como o carvão (Sporisorium scitamineum), ou ainda reduzir a concentração de vírus.  
 
No entanto a X. albilineans é termorresistente, e o tratamento térmico não é eficiente para controlar a escaldadura-das-folhas, sendo, por isso, altamente disseminada nos viveiros de cana, o que nos permite denominar essa doença como “doença silenciosa”. O método mais eficiente para limpeza clonal de cana tem sido a cultura de micromeristemas em laboratórios de cultura de tecidos, acompanhados por procedimentos de indexação, baseados em biologia molecular, como PCR (do inglês Polymerase Chain Reaction), RT-PCR (para os vírus do mosaico e do amarelinho), além dos métodos de PCR quantitativos, como TaqmanTM qPCR ou SYBR qPCR. 
 
A variação entre os procedimentos de indexação está na sensibilidade e na reprodutibilidade, sendo que o TaqmanTM qPCR mostra-se 10.000 vezes mais sensível do que o PCR na detecção das bactérias alvo. Apesar de muito difundido, o método imunológico Dot blot apresenta baixa sensibilidade para detecção dos patógenos. 

Por isso não deve ser utilizado na indexação de mudas usadas na produção de plantas sadias oriundas de limpeza clonal, contudo é altamente recomendado para checagem da qualidade de mudas em viveiros de multiplicação. Por meio da cultura de micromeristema, nossa experiência mostra que é possível alcançar êxito na limpeza clonal de todos os genótipos de cana, revelado pelos ensaios de indexação. 
 
Uma vez produzidas plantas sadias (cana-semente), elas deverão alimentar ciclos de multiplicação varietal em viveiros de mudas, utilizando-se as tecnologias atualmente disponíveis, como Mudas pré-brotadas (MPB) e suas variações; meiosi ou até mesmo a multiplicação em laboratórios de culturas de tecidos (biofábricas), neste último, cuidando-se para não multiplicar novamente um material que já tenha sido propagado in vitro, com o intuito de evitar problemas de aparecimento de mudas fora de padrão. 
 
Os resultados oriundos da multiplicação de mudas a partir de mudas-sementes evidenciam que é possível elevar a produtividade e a longevidade da cana-de-açúcar a patamares ainda não alcançados: viveiros de multiplicação oriundos de muda-semente atingem produtividades de 100 a 120 t/ha aos 7-8 meses e longevidade do canavial projetada para até 12 anos, desde que sejam executados os controles fitossanitários adequados. 
 
Acreditamos que é possível alcançar os três dígitos em produtividade na cana; no entanto será necessária uma mudança de postura em relação à muda, o principal insumo tecnológico do agronegócio cana. A exemplo das commodities soja, milho, algodão, muda de cana necessita ser tratada como prioridade e responsabilidade, e sua aquisição não pode ser ditada pelo menor preço, ou ser atribuída a uma decisão do setor de suprimentos.