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Suani Teixeira Coelho e Javier Farago Escobar

Coordenadora e Pesquisador do GBIO – Grupo de Pesquisa em Bioenergia do IEE da USP, respectivamente

Op-AA-54

Um programa exequível e promissor
O Brasil é o segundo produtor de etanol no mundo com 27,3 bilhões de litros em 2016. Esse montante representou 37% da produção mundial, sendo o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, com 652 milhões de toneladas em 2016/17. Das 437 usinas brasileiras, 67% são destilarias de etanol ligadas a uma planta açucareira. 
 
O Programa Nacional do Álcool (Proálcool) começou em 1975, produzindo etanol a partir da cana-de-açúcar, sendo o programa mais antigo quando comparado aos Estados Unidos, que iniciaram um programa similar usando milho no início dos anos 1980. Hoje há cerca de 30 milhões de automóveis, dos quais 26 milhões são carros flex fuel. O enorme sucesso desses veículos flex fuel é devido à liberdade de escolha para os consumidores, dependendo do preço de cada combustível no posto de gasolina. 
 
Uma vez que o transporte é quase totalmente dependente de produtos petrolíferos, os biocombustíveis líquidos representam uma opção para enfrentar esse desafio no setor de transporte, no qual não há outras energias renováveis comercialmente disponíveis. Essa conquista é resultado de mais de 30 anos de experiência com ganhos tecnológicos, economias de escala, esforço de decisões políticas e de outras partes interessadas. É importante enfatizar que desde 2003 o etanol sem subsídios, tornou-se totalmente competitivo com a gasolina, considerando que 14% das emissões mundiais de gases de efeito estufa (GEE) provêm do setor de transporte.
 
Enquanto a indústria de etanol cresceu em escala, tanto em termos absolutos como relativos, a base em que a indústria desenvolveu até agora ainda é frágil. Essa fragilidade é revelada pela grande variedade observada na parcela de etanol no consumo total de combustível do ciclo Otto durante o período de 2004 a 2015, que corresponde nesse ano a 42,0% do consumo total de combustíveis no Brasil.
 
Desde 2016, a indústria do etanol deixou de investir na ampliação da capacidade. A gestão dos preços da gasolina por razões políticas causou um grande prejuízo aos produtores de etanol, o que levou a um aumento dos níveis de dívida e à perda de muitas empresas. Desde 1990, os subsídios ao etanol foram removidos pelo governo e não há controle de preços. 
 
Atualmente, os únicos incentivos em vigor são os de redução do IPI e do ICMS na aquisição de veículos novos. Os veículos de combustível flexível têm IPI inferior do que os de gasolina. Na verdade, uma maior taxa de IPI em veículos alimentados a combustíveis com maiores emissões de poluentes é uma forma de internalizar os custos das externalidades causadas por eles. Esses subsídios correspondem a uma taxa sobre o carbono de U$80/tonCO2.
 
Outra opção potencial para o setor é a sua digestão anaeróbia para a produção de biogás com vinhaça. Essa abordagem tecnológica é uma solução sustentável. As estimativas indicam que 1 m3 de vinhaça pode produzir 7 a 15 Nm3 de biogás. Esse volume de biogás corresponde a 37 a 78 kWh de energia térmica, a 17 a 37 kWh de eletricidade, como biometano injetado na rede de gás ou para a substituição de óleo diesel em máquinas e caminhões agrícolas, podendo reduzir ainda mais o cálculo do carbono emitido, beneficiando a produção do etanol. 
 
A trajetória histórica e as dificuldades atuais do etanol brasileiro demandam um programa que realmente incentive a expansão do setor de forma a cumprir com o atual compromisso do acordo de Paris por parte do Brasil, assumindo como compromisso oficial metas de redução em relação a 2005, de 37% de suas emissões de GEE até 2025 e 43% até 2030.
 
O RenovaBio apresenta-se como uma opção para atingir esses objetivos, dos quais se assemelha aos princípios do Cap and Trade do Governo da Califórnia-EUA, no qual o emissor passa a contar com créditos proporcionais que podem ser comercializados em Mercados de Carbono, que funcionam como uma Bolsa de Valores específica para essa finalidade.

No caso do RenovaBio, o instrumento se dará com a criação do CBio (Crédito de descarbonização por biocombustíveis). Será um ativo financeiro, negociado em bolsa, emitido pelo produtor de biocombustível, a partir da comercialização. Os créditos são no fundo uma medida do quão renovável é o etanol, isso é, do quanto o etanol reduz nas emissões.
 
Apesar da importância de um programa como o RenovaBio, algumas críticas ocorrem, como exemplo:

• A inclusão do LUC e iLUC na análise de emissões sobre o uso do solo não está sendo calculada, mas está sendo rigorosamente observada através do cumprimento das legislações ambientais relativas. O RenovaBio prevê a inclusão objetiva das emissões de LUC e iLUC nas suas próximas versões. Na atualidade, as discussões mostram que ainda não há segurança nos dados e modelos que calculam esses parâmetros no Brasil, bem como em termos mundiais.

• O valor da tonelada de CO2 e as metas determinadas pelo governo e mercado. Como exemplo, se o governo fixar cota de 40 Mm3 (milhões de m3) para 2020 e o mercado só fornecer 30 Mm3, as distribuidoras terão que comprar CBios do produtor de etanol, se cada litro de etanol recebe 1 CBio, podemos então estimar o seu valor financeiro. 
 
No exemplo, há um déficit de 10 Mm3. Então o produtor pode vender seus CBios por um valor igual a ¼ do preço do litro de etanol. Ou seja, para etanol a R$ 1,60, o CBio tem o valor máximo de R$ 0,40. Isso corresponderia a R$ 130/tCO2.
 
Portanto, a quota definida pelo governo é um item importante. Sobre as metas, haverá uma metodologia para definição da mesma, não será apenas uma imposição do poder executivo. Todos os setores envolvidos e interessados serão levados em conta. 
 
A bioeletricidade também é um fator importante e deverá ser considerado, apesar de a eletricidade não receber CBios diretamente. Indiretamente ela beneficia o etanol, sendo que o cálculo do carbono emitido é feito a partir da alocação energética entre todos os produtos da biorrefinaria.
 
De forma geral, o sistema funciona com a premissa de que o etanol não carregue o preço da CBio. Quem carregaria o preço do CBio seria a gasolina. Mas esse prejuízo será legítimo, através da redução da demanda do País por esses produtos, que serão substituídos pelos seus correspondentes renováveis. 
 
Isso fará com que o distribuidor compre mais etanol, porque o preço relativo é menor. Ao produzir mais etanol, se produz mais CBio, que se torna mais barato. Esse sistema, cuja dinâmica vai tender ao equilíbrio, chegará assim a um preço ótimo. Com isso, o CBio se torna um produto financeiro independente e que poderá ser comercializado na Bolsa de Valores. Com a implementação da COP21, certamente diversos mercados terão interesse nesse ativo financeiro.
 
Conclusões:
É importante mencionar que o RenovaBio terá um tempo de implementação, durante o qual diversos desses desenvolvimentos, que estão ocorrendo de forma extremamente intensa, serão incorporados nas ferramentas. Não há dúvida de que ainda há muito a se debater, seja pelo aspecto prático, econômico ou ideológico. 
 
Somente o tempo poderá ajudar na busca de um sistema mais adequado no futuro, porém, de fato, não há como deixar de reconhecer que o programa RenovaBio se trata de um mecanismo exequível e promissor, que irá contribuir para incentivar de forma sustentável os biocombustíveis, o que, dentro da conjuntura atual, é indispensável.