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Gonçalo Amarante Guimarães Pereira

Diretor geral do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol – CTBE/CNPEM

Op-AA-52

A energia da cana
A criação de laboratórios nacionais tem sido uma estratégia de sucesso em vários países visando criar estruturas de pesquisa de grande vulto, a serem compartilhadas pelos demais laboratórios do País e para desenvolver soluções para problemas nacionais. O Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol – CTBE, foi criado em 2010, com a missão de endereçar problemas de maior complexidade, apoiando a iniciativa privada e órgãos de pesquisa na solução desses problemas. 

Na área agrícola, o enfoque está na otimização da produção, armazenamento e utilização da biomassa, com ênfase em mecanização, agricultura de precisão – com uso de drones e de equipamentos de última geração –, manejo de palha, e, mais recentemente, no desenvolvimento da cana de alta fibra, denominada cana energia.   
 
O modelo de produção de biomassa no Brasil tem passado por constantes transformações, principalmente após a comercialização dos veículos flex e pela eliminação da queima dos canaviais antes da colheita, que deu início à mecanização intensiva das lavouras de cana-de-açúcar no Centro-Sul do País. Se, por um lado, o aumento da demanda por etanol de cana-de-açúcar fez com que houvesse um salto expressivo na área plantada com a cultura, por outro, a falta de experiência do setor com a colheita mecanizada resultou na elevação dos custos de produção agrícola, assim como na queda da produtividade dos canaviais, que passaram de uma produtividade média de 85 toneladas por hectare (TCH) para 70 TCH. 
 
Decorridos 10 anos, aproximadamente, do fim da expansão dos canaviais do Brasil, derivada de uma política de controle do preço da gasolina, que tirou a competitividade do etanol, as lições apreendidas dessa década de incertezas convergem para a adoção de um modelo de produção de biomassa otimizado e de baixo custo, levando à adoção intensiva de tecnologias que auxiliem o produtor para a assertiva tomada de decisão.
 
Por exemplo, um dos grandes gargalos é o plantio mecanizado da cana. Apesar da evolução na automação das máquinas de plantio, o gasto de mudas é muito alto, elevando consideravelmente o custo de implantação e levando à perda de volume considerável de matéria-prima, que, assim, deixa de ser usada na indústria. Para ilustrar esse caso e tomando como base a região Centro-Sul do Brasil, que deve plantar da ordem de 1,5 milhão de ha/ano de cana-de-açúcar – dos quais cerca de 85%, de forma mecanizada –, e utilizando a dose média de 16 toneladas de colmo/ha, consumirá cerca de 20.000.000 de toneladas de mudas, quase a metade da produção total da região Nordeste (50.000.000 t/ha). 
 
Entretanto, do ponto de vista biológico, metade desse volume deveria ser suficiente para o número de mudas almejado. Portanto o desenvolvimento de plantadoras mais eficientes, que consigam diminuir em 50% o gasto com mudas, levará a sobra para a moagem de 10.000.000 de toneladas, representando uma economia de R$ 800.000.000,00 para os produtores. 
 
Levantamento realizado pelo IAC/Cana-de-açúcar aponta que a baixa eficiência da mecanização levou a um aumento do plantio semimecanizado, que passou de 15% das áreas de plantio do Centro-Sul para 30% na safra 2016/2017. Os dados nos permitem perceber que houve uma diminuição do plantio mecanizado, que agora responde por 70%.
 
Desse modo, não há dúvidas de que o desenvolvimento de uma plantadora que consuma menos mudas para plantar um ha, e que garanta a formação de um canavial sem falhas na brotação, impactará fortemente as operações agrícolas do setor, tendo em vista que menos máquinas, homens/hora e área serão destinados para a execução do plantio e para a produção de mudas.  
 
Outras tecnologias em rápida expansão envolvem o uso de drones para o monitoramento das lavouras. Essa tecnologia se torna mais popular a cada dia, fator que contribui para que se tornem mais acessíveis economicamente. Há muitas possibilidades para seu uso, que apenas se inicia. Hoje, é empregado para a identificação de falhas no estande de plantas e para a estimativa da produção de biomassa, o que exige o uso de sensores de refletância e softwares especializados, os quais estão cada dia mais amigáveis aos usuários e prestadores de serviço. 
 
Mas seu uso deverá permitir a avaliação de pragas e de doenças, assim como o estado nutricional das plantas. Com essas informações, os empreendimentos terão uma capacidade muito maior de planejamento das operações agrícolas e de reagir a eventos que normalmente levam à queda da produção. 
 
Com relação à cana-de-açúcar, observa-se uma dificuldade muito grande para o lançamento de novas variedades. O melhoramento genético fez um trabalho extraordinário ao longo do último século, mas o setor tem que pensar em novos produtos, como variedades transgênicas, além da própria cana energia.
 
No que se refere à cana energia, seu potencial é fantástico. Ela é resultado do cruzamento de variedades comerciais de cana-de-açúcar com uma espécie que tem baixa quantidade de açúcar solúvel no caldo, muita fibra e bastante rusticidade: a Saccharum spontaneum. Como consequência do cruzamento, aparecem plantas com produtividades superiores a 200 t/ha, que podem ser multiplicadas por mais de 12 ciclos, sem perder produtividade, e com capacidade de vegetar em solos inferiores e com menos água. 
 
A pesquisa em torno dessas novas variedades se desenvolve em várias frentes: na mecanização, com equipamentos que são híbridos de forrageiras e colheitadeiras de cana; na cristalização do açúcar, uma vez que a pureza é inferior à da cana-de-açúcar; e na queima direta, que levaria a cana energia do campo direto para a caldeira, eliminado diversas etapas para a produção do bagaço ou colheita/separação da palha. 
 
Estamos vivendo um momento desafiador, mas de grandes oportunidades. Com maiores produtividades de biomassa e tecnologias, como as de etanol de segunda geração, o País tem condições efetivas de tornar toda a sua matriz energética renovável. Definitivamente, o Brasil não pode se acomodar como uma economia de segunda linha, que vai de reboque das políticas mundiais.

É preciso coragem e determinação para assumir a liderança nesse novo mundo, em que a Bioeconomia ditará os rumos do futuro. O potencial dessa categoria de planta do gênero Saccharum para a produção de biomassa é gigantesco em relação à cana-de-açúcar tradicional, alcançando números de produtividade de biomassa por hectare da ordem de 200 toneladas/ha, sem muita tecnologia empregada. Imaginemos quando o sistema de produção dessa planta estiver plenamente ajustado. Poderemos, de fato, competir com o petróleo utilizando uma planta como matéria-prima para a Bioeconomia, e não apenas para etanol e eletricidade. 
 
Pelo potencial produtivo da cana energia, haverá uma série de desafios operacionais durante todas as etapas de cultivo, sendo potencialmente o mais arriscado a colheita. Para cana-de-açúcar, a colheita mecanizada é problemática quando a cultura apresenta produtividades maiores que 150 TCH. E, para a cana energia, como as colhedoras atuais se comportarão? Haveremos de passar por uma modernização das máquinas de colheita, para que essas sejam capazes de colher canaviais com elevada produtividade, com eficiência e com número de perdas e impurezas aceitáveis.