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Paulo José Pereira de Resende

Superintendente de Fomento e Novos Negócios da FINEP - Financeiadora de Estudos e Projetos

Op-AA-38

Tecnologia e inovação

A cana-de-açúcar tem extraordinária relevância para a economia brasileira, tanto historicamente quanto em participação na matriz econômica. Do ponto de vista histórico, os primeiros registros da sua introdução em nosso país datam do século XVI. Para entendermos o significado do início do ciclo econômico da cana em nosso país e sua importância para todo o continente americano, devemos ter como referência a citação de Celso Furtado, na obra Formação Econômica do Brasil: “De simples empresa espoliativa e extrativa, a América passa a constituir parte integrante da economia reprodutiva europeia, cuja técnica e capitais nela se aplicam para criar de forma permanente um fluxo de bens destinados ao mercado europeu”. Essa afirmativa memorável sintetiza os impactos da cana já naquela época: absorção de tecnologias, atração de investimentos e inserção no mercado internacional com uma economia baseada em produção.

Na matriz econômica, os seus derivados principais dispensam comentários extensos. Mais da metade do açúcar produzido no mundo é brasileiro, e o etanol brasileiro é impulsionado pela expansão da frota de veículos flex e pela sua baixa emissão de poluentes para a atmosfera, quando comparado aos combustíveis fósseis.

Dados disponibilizados pela Unica mostram que a produção de etanol dobrou no período 1990-2008, e projeções do Ministério da Agricultura estimam que a produção dobrará novamente até 2019, alcançando a impressionante marca de 58,8 bilhões de litros. Ao mesmo tempo em que temos uma sólida certeza da importância do setor sucroalcooleiro para o passado e o presente do País, precisamos estimular a discussão sobre o futuro do setor. O Brasil não pode ser um observador passivo, esperando por preços melhores para os derivados de cana. É providencial refletirmos sobre as possibilidades futuras e, para isso, devemos considerar algumas questões que podem trazer profundos impactos para a dinâmica do setor.

A riqueza da cana: A cana-de-açúcar é a origem de diversos produtos, em vários campos de aplicação. Assim como há cem anos, tínhamos o açúcar como seu derivado mais importante e, hoje, temos o etanol no centro das atenções, há diversos segmentos que podem ganhar força no futuro. O bagaço da cana tem grande potencial de produção de bioeletricidade no País, de forma limpa e eficiente, com o emprego de tecnologias capazes de produzir a energia elétrica necessária para o crescimento econômico sustentado.

A cana tem aplicações em outras áreas, como na saúde – em agentes cicatrizantes e alimentos funcionais, na própria agricultura –, o vinhoto e as cinzas, na produção de plásticos e em outros usos ainda pouco explorados. Quanto mais se estuda a cana, mais se descobre o seu potencial de gerar riqueza. Esse conhecimento crescente é alimentado pelos avanços científicos obtidos pelos grandes institutos de pesquisa dedicados ao tema.

Produtividade como elemento central da discussão: A economia brasileira tem uma necessidade urgente de elevar a sua produtividade. Se compararmos o nosso desempenho com o dos países asiáticos, por exemplo, nossa economia apresentava a mesma produtividade em 1980. Hoje, no entanto, nossa produtividade é três vezes menor do que aquela registrada pelos mesmos países asiáticos (dados do BID). A agricultura é uma exceção no quadro, com produtividade crescente num ritmo firme, mas a economia nacional precisa ser diversificada e produtiva em todos os setores, especialmente naqueles onde há maior agregação de valor, de forma compatível com a grandeza de nosso país no cenário global.

Desafios exigem inovações: A inovação tecnológica tem um papel fundamental na superação dos desafios atuais. Na indústria da cana, há diversas oportunidades de se obter maior produtividade com investimentos no melhoramento genético, no desenvolvimento de melhores
técnicas de cultivo, na automação das lavouras, no aumento da eficiência da tecnologia 1G e na consolidação da tecnologia 2G em nosso país. O setor empresarial e a comunidade acadêmica podem e devem pensar de forma estratégica sobre isso, formulando planos de investimento contínuo na pesquisa por mais oportunidades de crescer de forma sustentada e de posicionar nossa indústria junto àquelas dos países capazes de gerar mais riqueza a partir da cana.

O papel do financiamento público para a inovação: O comprometimento do financiamento público com o setor sucroalcooleiro é de longa data. Nos últimos 40 anos, um marco significativo foi a publicação do Programa Nacional do Álcool – Proálcool, lançado em novembro de 1975. Da mesma forma que o financiamento público teve papel importante no passado do setor, a mesma diretriz deve orientar a participação presente e futura.

Os investimentos em inovação têm como principal apoiador no setor público a Financiadora de Estudos e Projetos – Finep, que oferece diversos produtos financeiros para o desenvolvimento tecnológico e a inovação:
a) crédito subsidiado de longo prazo, com taxas entre 2,5% e 6,5% ao ano e prazos de pagamento que podem chegar a 144 meses;
b) subvenção econômica à inovação, que consiste na concessão de recursos a fundo perdido para o desenvolvimento de inovações de alto risco tecnológico;
c) participação acionária em empresas; e,
d) financiamento não reembolsável para as universidades e institutos de pesquisa.

A Finep tem participação relevante no apoio a investimentos em tecnologia e inovação para o escalonamento de novas tecnologias em unidades industriais, no aprimoramento de processos, e financia pesquisas e investimentos empresariais relacionados a novos usos do etanol e do bioquerosene, assim como no fortalecimento de diversos laboratórios de análises e certificação.

O fomento público à tecnologia & inovação deve ir muito além do apoio financeiro. A Finep está dedicada a fortalecer a discussão das estratégias de inovação e, para isso, tem investido pesadamente na qualificação dos especialistas setoriais e na abertura de novos canais de diálogo, como a Área de Fomento e Novos Negócios, que tem por missão auxiliar na identificação das oportunidades de apoio aos investimentos em tecnologia e inovação. Além disso, merece destaque a menção ao processo de reinvenção das formas de financiamento da Finep, especialmente o "Finep 30 Dias", modelo de análise que responde às demandas por crédito para inovação em 30 dias corridos. O compromisso público é o apoio financeiro na velocidade do setor empresarial.

Recentemente, Finep e Bndes implementaram o Plano Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico – Paiss. As duas instituições públicas estão apoiando, de forma integrada, os investimentos em diversos temas considerados relevantes para a inovação e o desenvolvimento produtivo, inclusive o etanol 2G.

O financiamento público tem um papel fundamental na atenuação do custo financeiro e do risco associado aos investimentos do setor, especialmente quando há o investimento em novas tecnologias. A oferta de financiamento com condições atrativas é um estímulo a mais para aqueles que já identificaram alternativas de investimento para o fortalecimento das suas atividades e do setor como um todo.

A ampla disponibilidade de fontes de financiamento, ao mesmo tempo que assegura oportunidades de capitalização, requer dos empresários e pesquisadores do setor a escolha dos investimentos que devem ser apresentados a cada um dos agentes. É necessário ter um conhecimento sobre as linhas de financiamento disponíveis e identificar a competência específica de cada instituição. Um maior conhecimento das alternativas de financiamento permite um planejamento melhor, e, com isso, aumentam as chances de sucesso na obtenção de recursos.

Impactos nos outros setores econômicos: A indústria da cana vai muito além do setor sucroalcooleiro. Os investimentos no setor estimulam o crescimento da indústria metalmecânica, demandam novos defensivos químicos, estimulam avanços na biotecnologia, nos modais logísticos e produzem impactos diretos sobre o complexo automobilístico, sem contar a relação direta do uso do etanol com as políticas de redução de emissão de poluentes. Essa grandiosidade reforça a necessidade da formulação de planos estratégicos capazes de mobilizar diferentes setores da economia. O governo, por sua vez, precisa ser cada vez mais eficiente na identificação das oportunidades da sua atuação, para alavancar o desenvolvimento dessa indústria.

Uma Agenda de Desenvolvimento para o setor: Os principais atores da indústria da cana já se conscientizaram da necessidade de promoverem uma intervenção positiva na construção do futuro. Não podemos ser simplórios, esperando que as condições da economia global em torno da cana permaneçam estáveis ou favoráveis de forma indefinida. Esse é o momento de agir de forma determinada, tomando decisões que vão moldar o desempenho futuro do setor. O setor precisa evitar “zonas de conforto” e ousar mais, garantindo a sustentação da nossa liderança global. Empresas, institutos de pesquisa e governo devem somar forças em torno de uma agenda de desenvolvimento para esse setor, que há cinco séculos participa de forma relevante em nossa economia.

Hora de planejar – e colocar em prática: Não há qualquer dúvida sobre a relevância do setor. Os agentes públicos de financiamento (Finep, bancos de desenvolvimento e outras instituições financeiras) atuam de forma decidida no apoio a investimentos na produção da cana e de seus derivados. É hora de planejar os próximos investimentos que vão garantir o aumento da geração de riqueza e a superação dos níveis atuais de produtividade do País. O passo seguinte é promover a articulação com fornecedores, parceiros e institutos de pesquisa em torno dos investimentos prioritários e trazer os agentes de financiamento público e privado para a operação. E colocar em prática.

O investimento em inovação deve ter destaque nos investimentos futuros, assegurando o aumento da produtividade e da competitividade do setor. Esses investimentos podem viabilizar o desenvolvimento de mais e melhores derivados da cana. Certamente, ainda há muita riqueza a ser descoberta.