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Eduardo Pereira de Carvalho

Economista

Op-AA-50

Agricultura: uma visão de longo prazo
Até há pouquíssimas gerações, a luta pelo comer foi o principal foco da atividade humana.  A procura por segurança alimentar presidiu inconteste a história do Homo sapiens. Muitos de nós não nos damos conta da proximidade – catastrófica para a nossa espécie – em que esse combate esteve por se perder, e desgraçada e efetivamente perdido foi para muitos povos e culturas. Hoje, a abundância relativa faz com que a hipótese de que todos terão algo para comer esteja conscientemente incorporada ao ritmo de nossas vidas. Claro que isso é uma simplificação da realidade: problemas vergonhosos continuam a existir. A subnutrição, prima pobre da fome, atinge, pelo menos, 2 bilhões dos mais de 7,3 bilhões de habitantes da Terra hoje. Mas não por falta de produção e, sim, por entraves em sua distribuição.
 
De qualquer forma, um olhar para o futuro não tão distante – 2050, horizonte razoável para qualquer visão estratégica – mostra-nos com pouco menos de 10 bilhões de pessoas, com crescimento concentrado na África e no sudeste asiático. Relevante é saber que se estima um acréscimo de demanda por comida, fibras naturais e bioenergia de 70%, em pouco mais de uma geração. Seremos capazes de produzir tanto?
 
O economista inglês Thomas Malthus (1766-1834) dizia que não. É dele a proposição de que o crescimento populacional iria ultrapassar a oferta de alimentos. Um avançava a taxas geométricas; outra, a taxas aritméticas. Não poderia haver cenário mais trágico. 
 
Mas, evidentemente, ele não previu a ocupação econômica das pradarias norte-americanas ou a conquista do cerrado brasileiro, que ampliaram, de maneira extraordinária, a oferta global de comida. Nem imaginou, por igual, a revolução verde. Sabemos que os obstáculos para a ampliação da oferta foram e estão sendo superados pela adoção de políticas públicas sensatas (em especial investimentos em infraestrutura) e pela aplicação e pela disseminação de tecnologia.

Tudo o que se disser sobre a importância da contribuição tecnológica para a superação dos obstáculos malthusiânicos  é pouco. Desde o enunciado das Leis de Mendel, à seleção e ao melhoramento genético, aos equipamentos e instrumentos agrícolas, aos fertilizantes, defensivos, herbicidas e corretivos, à fantástica engenhosidade daqueles que revolucionaram os modos de gestão e de produção e nos trouxeram até aqui, tudo isso enterrou  as profecias de Malthus.
 
Mas, ainda assim, e apesar da incrível revolução nos campos, a verdade é que não faltam argumentos, hoje, aos neomalthusianos, ao apontar problemas relevantes. Há  estagnação relativa no crescimento da produtividade de commodities essenciais, como arroz e trigo. Há quase plena ocupação das terras cultiváveis. Há legítimas preocupações quanto à disponibilidade de água.

Há o fantasma real das consequências perniciosas  à produção agrícola das mudanças climáticas. Há a influência maléfica de políticas equivocadas. Em outras palavras, há preocupações sérias quanto  ao aumento necessário da oferta alimentar. Nem tudo são flores.
 
Temos enfrentado problemas importantes aqui no Brasil. Vejamos a cultura da cana-de-açúcar. Objeto de um dos mais acertados programas estratégicos governamentais de todos os tempos, há cerca de 40 anos, o Proálcool trouxe consigo uma bateria de inovações tecnológicas que elevaram a produção do etanol de 2.000 litros  por hectare, nos anos de 1970, para os atuais 7.000 litros, com notável contribuição para o campo vital dos combustíveis renováveis e enorme efeito positivo de combate ao aquecimento global. Saímos de um volume anual de 100 milhões de toneladas de cana para 650, com importantíssima contribuição, mais recente, dos carros flexíveis. Mas, inesperadamente, as coisas mudaram.

Assistimos a uma sensível reversão, ao  longo desse decênio, de muito dos avanços até então obtidos, apesar da continuidade dos discursos louvatórios. Diminuição dos investimentos na pesquisa e desenvolvimento; baixíssima renovação das culturas; involução da produtividade; envelhecimento das idades médias das canas; ausência de variedades adaptadas à nova fronteira canavieira; perigosa concentração em poucos e velhos cultivares; paralisação das expansões; quebra de enorme contingente produtivo. Longa é a lista de horrores. Várias as explicações, mas a generalização da colheita mecânica no Centro-Sul parece receber a maior parte da culpa. Pobre colhedeira... 
 
se ela pudesse falar, apontaria o grande culpado: o absoluto descalabro  das políticas públicas em torno do etanol, que feriu tão gravemente um programa de tal envergadura. 

É mais que chegada a hora de reagir. Quais os caminhos a serem trilhados? Não podemos ceder à tentação do curto prazo em pedir a ajuda  do governo na forma de antigos e desgastados esquemas de subsídios e ditas desonerações fiscais. Já se ouvem clamores nessas linhas. Completamente extemporâneos. Será que ainda há os que acreditem sinceramente nisso? Os momentos são outros. Não podemos achar que  os problemas vividos pelo  setor serão magicamente resolvidos por MPs ou outros passos de mágica. As tetas do governo secaram, de tanto que nelas se mamou. Há que se repensar nossas atitudes. Há que se relançar programas de largo alcance para enfrentarmos os desafios de prover o mundo em suas necessidades alimentares e energéticas limpas olhando os anos 2050. 
 
Temos forças para  isso?
A tecnologia agrícola está mudando rapidamente. É só vermos o que estão fazendo os fazendeiros do mundo rico ou dos países médios, como nós. Novas e muito mais precisas técnicas de modificações genéticas, gerando variedades ainda mais produtivas, mais ricas, mais resistentes a secas e calor, mais saudáveis, mais amigas do meio ambiente. Exemplos disso são as economias no uso de fatores de produção (água, fertilizantes, terra, corretivos, etc., etc.):  smart farming, controle computacional na semeadura, irrigação, fertilização e colheita; novos processos produtivos; plantio direto; ILPF. 
 
A  ideia  é reduzir ao máximo os azares da natureza, tornando a produção o mais possível imune a elas. O melhor entendimento do DNA; a manipulação genética muito mais exata; tudo isso pode  torná-la, talvez, mais aceitável do  que tudo o que vimos até hoje. As novas técnicas, saindo da transgenia (transporte de gens de uma espécie para outra) para a edição genética (assemelhada ao processo natural de mutações), nos direciona para o reverdear do Planeta. Estamos particularmente bem dotados, o Brasil, para uma substancial  contribuição nessa direção.
 
Esse é o quadro. As pressões da globalização e da competitividade tornam a eficiência sinônimo de sobrevivência. Temos, sim, as forças para superar as dificuldades presentes. Elas estão aí, ao nosso dispor: a engenhosidade de nossas cabeças, ao criar e recriar tecnologias cada vez mais produtivas e eficientes. Basta investirmos para valer no nosso bem mais precioso:  a inteligência humana.