É inegável o aumento de produtividade da cana-de-açúcar e consequente crescimento da quantidade de açúcar produzida por hectare nos últimos 50 anos no Brasil. No início do Proálcool, a produtividade de cana era da ordem de 45 t/ha e evoluiu para 75 t/ha, observada atualmente.
Porém temos que considerar que o aumento de produtividade de outras commodities, como milho, soja, trigo, foi três vezes maior do que o da cana-de-açúcar no mesmo período, incluindo-se, nesse caso, a beterraba açucareira; sendo assim, a competitividade da cana-de-açúcar diminuiu em relação às outras commodities.
O evento da mecanização da colheita, fortemente observado a partir dos anos 2000, atuou como freio, influindo negativamente na evolução da produtividade da cana. Como o custo agrícola é mandatório no custo final do açúcar e do álcool, podemos constatar facilmente que o custo de produção é, hoje, três vezes maior que o observado no início dos anos 2000, o mesmo não acontecendo com o açúcar de beterraba, por exemplo.
Muito esforço vem sendo feito na produção de novas variedades, manejo e melhoria da tecnologia de colheita, mas não há nenhum indicativo para médio prazo que mostre elevação da produtividade no nível das outras commodities agrícolas. Uma alternativa interessante para minimizar o problema, e que já vem sendo usada, é o aproveitamento da palha da cana para produção de energia. Porém a competição com outras fontes de energia renovável, como solar e eólica, está inviabilizando a implantação de novos projetos de cogeração.
Os açúcares são responsáveis por 70% da composição da biomassa: os principais são a glicose e a xilose, que formam, respectivamente, os polímeros celulose e m-celulose. Tecnologia vem sendo desenvolvida para possibilitar que esses polímeros fiquem acessíveis e possam ser quebrados até seus monômeros (glicose e xilose). Nasce, assim, a ideia de produzir etanol a partir da biomassa.
O domínio dessa tecnologia abre um campo enorme para a substituição do petróleo como fonte de matéria-prima para a indústria de combustível e química. A demanda de produtos renováveis só aumenta, e muito se investe para aumentar eficiência e baixar custos na transformação dos açúcares em outros produtos, que começam com as moléculas, que, hoje, custam muito caro pela rota tradicional (petróleo) e devem aumentar à medida que a tecnologia avança.
A identificação de microrganismos e o desenvolvimento de microrganismos geneticamente modificados (GMO) avançam muito rapidamente e, hoje, já ocupam um espaço importante na indústria, como o uso de fungos para produzir ácido cítrico e leveduras geneticamente modificadas que podem transformar xilose em etanol. Outra linha de pesquisa envolve tecnologias normalmente utilizadas na indústria do petróleo, como cracking, que podem transformar os açúcares em outros monômeros para uso em produção de polímeros, por exemplo.
Dois projetos para transformar biomassa em etanol utilizando esse conceito já são realidade no Brasil, com produção comercial em andamento, com níveis de eficiência bem evoluídos. Obviamente, como em todo projeto com tecnologia nova, há vários desenvolvimentos necessários para o atingimento do ponto de viabilidade econômica.
Podemos dividir esse processo em três etapas básicas: pré-tratamento da biomassa, hidrólise enzimática e fermentação. Inicialmente, a grande preocupação eram as etapas de hidrólise e fermentação; a primeira, por possíveis problemas da ação de inibidores e custo da enzima, e a segunda, pelo desenvolvimento de levedura geneticamente modificada para processar a xilose. Na hidrólise, os primeiros problemas foram superados, colocando o processo bem próximo aos consumos originalmente esperados. O custo da enzima continua alto, mas podemos acreditar que, com o aumento da escala de produção, da competição e da evolução da tecnologia, o custo da enzima deve diminuir.
Na fermentação, já existem leveduras desenvolvidas que têm eficiência dentro das primeiras projeções; temos, ainda, que melhorar os projetos dos equipamentos e dos procedimentos, considerando as características dos novos microrganismos. O grande problema encontrado foi no pré-tratamento, onde a condição agressiva do processo somada à qualidade da matéria-prima, principalmente pela presença de contaminantes minerais, causou enormes problemas que demandaram mudanças no projeto e adequação de equipamentos.
Considerando que a tecnologia é nova e que começamos a descobrir e a entender os problemas, existe uma enorme oportunidade de evolução. Com o crescimento da produção, o interesse de fornecedores de equipamento e tecnologias deve aumentar, aparecendo, assim, soluções para os problemas e oportunidades de melhoria nos projetos. Vinhaça e torta de filtro podem ser também fontes de biomassa a serem consideradas, com uma concentração de sólidos voláteis que pode variar entre 20.000 e 60.000 miligramas por litro e pode ser transformada em metano (CH4), via digestão anaeróbica.
O gás produzido normalmente é uma mistura de 50% de metano e 50% de dióxido de carbono, que pode ser utilizado diretamente em motores de combustão interna, ou turbinas a gás para produção de energia elétrica. Alternativamente, o metano pode ser separado do dióxido de carbono e utilizado como combustível para frota, injetado na rede de distribuição de gás natural, ou utilizado na indústria para gerar hidrogênio e outros químicos renováveis. Essa já é uma tecnologia consagrada, mas, evidentemente, necessita de adaptação para cada matéria-prima; já existe planta produzindo biometano a partir de vinhaça e torta de filtro no Brasil, e, pelo menos, dois projetos em escala comercial estão em andamento.
A biomassa pode ser uma alternativa real para o aumento de produtos por hectare que poderiam diluir os custos totais e aumentar a competitividade do setor. Importante mencionar que, depois do fim das queimadas, a palha remanescente após a colheita tem função importante na proteção contra erosão, perda de um idade e aumento de fertilidade do solo, mas introduziu também problemas, como falhas de brotamento da cana, risco de incêndio e aparecimento de pragas que aproveitam o meio ambiente criado pela cobertura da palha, sendo necessário introdução de operação de enleiramento e aplicação de inseticidas, que, obviamente, aumentam os custos da operação. Alguns estudos iniciais mostraram que podemos considerar um potencial de 7 toneladas de palha por hectare (base seca), livre para recolhimento.
O potencial de etanol, a partir dessa palha remanescente, é estimado em 1.700 litros por hectare, o que representaria um incremento de 25% na produção observada hoje. Obviamente, os custos de investimento e operação dessa nova atividade deverão ser competitivos. A sinergia entre a planta de 1G e 2G é vital para tornar este negócio viável, considera-se, nesse caso, a produção compulsória de biomassa e o custo evitado no manuseio dela, aproveitamento econômico dos resíduos da produção (vinhaça 2G) e sinergia na indústria.
Em resumo, a viabilização econômica do uso da biomassa nas suas várias formas pode abrir muitas oportunidades para otimização da produção sucroalcooleira. A cana-de-açúcar é muito competitiva na produção de biomassa, e novas iniciativas, como cana energia, por exemplo, podem incrementar muito a produtividade, nesse caso com a vantagem de não ser preciso mudar o modelo industrial vigente.
Quem sabe, no futuro, os nossos produtos principais estejam ligados à biomassa celulósica e não somente ao açúcar?