Me chame no WhatsApp Agora!

Antonio Alberto Stuchi

Consultor especialista em tecnologias do setor sucroenergético

Op-AA-65

Controle da fermentação
Evoluímos muito, nos últimos anos, em relação ao controle dos processos industriais nas usinas, mas ainda há um espaço enorme para melhoria. Podemos aumentar a eficiência industrial simplesmente aperfeiçoando e aumentando a precisão dos controles de processo. Em especial, nos últimos anos, observam-se importantes avanços no uso e na adoção de tecnologias da Indústria 4.0 nas usinas do País.

A fermentação gera metade da receita em vendas das usinas, porém sua complexidade, suscetibilidade aos diversos fatores e variações da operação e o fato de ser a única transformação biológica na indústria transformaram a fermentação em um campo inóspito e sem novas soluções.

Entretanto a limitação das práticas vigentes e a necessidade crescente por ganhos de eficiência são incentivadores para novos avanços desenvolvidos especificamente para a fermentação. Existe muita discussão quando tentamos comparar os dados de cálculo de eficiência pela soma das eficiências individuais de cada parte do processo com a eficiência medida, dividindo o açúcar e etanol produzidos pelo açúcar que entra com a cana.

A especulação gerada quando da análise das perdas indeterminadas, muito altas ou até mesmo negativas, pode induzir à tomada de decisões erradas na condução do processo, ou, o que é pior, não utilizar os dados  por falta de confiabilidade. A produção alta diária nas fábricas, na ordem de milhares de toneladas ou metros cúbicos, cria problemas de amostragem não representativa e volume insuficiente de análises, principalmente os da cana-de-açúcar, e é muito comum a expressão “o problema é a cana” mascarando a real causa dos desvios.

Essas dúvidas acabam indicando a causa errada do problema e podem gerar ações de controle inadequadas. Gostaria de abordar, neste artigo, o caso particular da fermentação alcoólica, na qual temos a maior perda de processo individual na indústria. Podemos enumerar uma longa série de dados que, devido à amostragem e à precisão de análises, pode gerar enormes problemas de controle de processo, por exemplo, ART fermentescível e infermentescível no mosto, açúcar residual no vinho fermentado, temperatura homogênea de dorna, quantidade viável de fermento, teor alcoólico de vinhos, etc.

A solução do problema, normalmente, é cara  (cromatografia HPLC, por exemplo). As medições de vazão também são problemáticas devido aos altos volumes, à intermitência e às variações constantes, assim como às condições do fluido (densidade, mistura de líquido e gás). Cabe, ainda, destacar que, adicionalmente aos desafios nas análises vigentes, existem diversas variáveis relevantes ao processo biotecnológico, com impacto direto na fermentação, que simplesmente não são avaliadas rotineiramente.

A combinação entre as diferentes variáveis é, ainda, amplificada pela dinâmica populacional das leveduras e eventuais bactérias contaminantes. Em resumo, a complexidade da fermentação e o desafio de mitigar as perdas na prática são enfrentados, atualmente, com análises parciais e, normalmente, defasadas do tempo operacional.
 
Até não muito tempo, os cálculos de eficiência eram feitos pela variação de volume dos fermentadores, que evoluíram para os sistemas de medição de vazão on-line, o que foi possível devido a maior acessibilidade a equipamentos de medição e controle. A eventual disponibilidade de análises on-line certamente contribuirá para uma melhor leitura e acompanhamento da eficiência.

Entretanto a existência desses equipamentos não aborda, necessariamente, o desafio da excelência operacional e a constante redução das perdas do processo. Dessa forma, uma solução para esse problema vem sendo desenvolvida já há algum tempo e tenta correlacionar, via algoritmos, os parâmetros medidos nos processos entre si e analisar as variações que, colocadas numa base estatística, podem indicar quais são os problemas e as áreas de atuação.

Existem duas principais categorias para essas soluções: abordagem heurística e modelos fenomenológicos. A abordagem heurística, em geral, requer enorme quantidade de dados históricos e traça modelos empíricos com base em fermentações passadas. A vantagem dessa solução é sua simplicidade de desenvolvimento, e suas principais desvantagens são a demanda por amplo número de análises e incapacidade intrínseca de descrever e explicar a fermentação em tempo real, logo, de controlar e otimizar o processo.

Os modelos fenomenológicos possuem a ampla vantagem de explicar e descrever o comportamento da fermentação, o que os tornam aptos para o controle e a otimização em tempo real, possibilitando recomendações para minimizar ou resolver os problemas, aumentando, assim, a eficiência global do processo. 
 
Em outras palavras, a medição das variáveis de processo e sua correlação ao longo do tempo podem indicar os pontos com problema, compensando, dessa forma, a imprecisão das medições a análises. Outro ponto muito importante é o estabelecimento de uma linha de tendência da qualidade do processo correlacionada com vários pontos de controle, criando uma ferramenta muito importante para o gerenciamento.

As principais desvantagens são sua complexidade de desenvolvimento e eventual excessiva demanda computacional. Como exemplo, podemos citar o Sistema Biocal, criado pela start-up GlobalYeast, já implantado em várias usinas, que prega a instalação de software dedicado para tomada de dados da fermentação para uso nos algoritmos de controle.

Em geral, o sistema funciona com a coleta de dados do processo real time, utilizando o modelo inicial dos princípios da fermentação e ferramentas de engenharia e matemática avançadas que permitem o monitoramento e controle on-line. O sistema foi desenvolvido com base em modelos fenomenológicos.
 
A grande diferença desse sistema para o atual é a utilização de uma grande massa de dados contra poucas análises de amostras feitas hoje. Outro aspecto relevante é a habilidade de descrever a fermentação tal qual ela ocorre, um avanço substancial frente às práticas vigentes que consideram cinéticas e perdas médias e constantes.

Também permite a correlação de dados de laboratório com medições on-line para determinar o término da fermentação por controle de geração de calor da dorna, por exemplo, ou determinar o rendimento de fermentação via calor removido dos fermentadores, que poderão ser correlacionados com o sistema atual de determinação da eficiência da fermentação, aumentando  a confiabilidade dos resultados.

Outro ponto a ser explorado é a economia de energia, principalmente no sistema de resfriamento de dorna, que, certamente, vai melhorar os resultados em usinas que vendem energia ou biomassa. O grau de automação obviamente influi na qualidade do controle, mas não impede a implantação do sistema que, no decorrer do tempo, à medida que os resultados apareçam, pode viabilizar investimentos em melhorias.

Concluindo, temos uma oportunidade de melhorar a eficiência do processo utilizando uma ferramenta que organiza as informações que já são disponíveis na fábrica, agilizando as ações para correção de flutuações. Se supusermos um cenário com uma eficiência média de 89%, hoje, e que teoricamente podemos atingir 90-91%, estamos falando de valores da ordem de 450.000 m3 de aumento de produção, via aumento de produtividade, com todos os seus benefícios.