O uso de energia, no mundo, tem enorme dependência da oferta de hidrocarbonetos fósseis, ou seja, 86%! Mudar a matriz energética global é, pois, chave para a mitigação dos gases do efeito estufa na lógica da “descarbonização” do planeta.
Uma das características da realidade energética, no caso desses hidrocarbonetos – petróleo, carvão, gás natural, etc. – é que sua localização geográfica é concentrada em algumas regiões do planeta, o que faz deles um produto que sempre apresenta riscos geopolíticos elevados. O petróleo se concentra no Oriente Médio, na Rússia e em um ou outro país na África. Novas descobertas, mesmo com custos de obtenção bem mais elevados, surgem em águas profundas como o pré-sal brasileiro ou nos campos de shale oil nos EUA ou na China. Desse modo, há três condições complexas envolvendo o negócio de energia no mundo:
• os riscos geopolíticos e os choques econômicos;
• os conhecidos impactos ambientais negativos da obtenção e do uso dos hidrocarbonetos;
• os limites físicos dos estoques.
Há muitos anos que são realizadas reuniões anuais sobre o clima, na luta pela redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, porém sem resultados. Os países têm profundas dificuldades em mudar seu modo de produzir e utilizar energia, mesmo nos casos de profunda e negativa dependência dela, como, por exemplo, toda a União Europeia, amarrada ao petróleo e ao gás da Rússia e dos países do Oriente Médio.
Portanto, deve-se salientar, o enfrentamento da questão energética esbarra em um componente crucial na vida dos habitantes nos diversos países: o custo da energia e seu impacto na qualidade de vida das pessoas. O desafio dos recursos naturais é crescente, pois, apenas nos próximos 20 anos, estarão cerca de novos 3 bilhões de habitantes na chamada classe média mundial, expandindo o consumo de forma efetiva: mais habitantes, com maior renda per capita e em acelerado processo de urbanização.
Demanda crescente, em tempos de recursos cada vez mais limitados, é bem mais desafiador. Afinal, os recursos naturais estão cada vez mais ligados, e a conscientização ambiental e a lógica da sustentabilidade dificultam muito a expansão da oferta global dos produtos naturais. Segundo a Mckinsey, em seu documento Resource Revolution, de 2012, as terras limitadas no planeta serão fortemente demandadas, e os sinais sustentados de preços serão um fator chave de melhor desempenho no sistema global de recursos.
O capital deverá estar garantido para sustentar isso tudo, e as políticas públicas estarão ajustando as falhas de mercado. Desde o início do governo Obama, nos EUA, podem-se observar mudanças de atitude daquele país quanto às políticas energéticas. De um lado, defendendo a transição aos renováveis, mas, por outro lado, estimulando a expansão da oferta de petróleo via revolução do shale oil. A prova do primeiro fato foi o suporte dos EUA à reunião da ONU na Conferência das Partes (Cop 21), em Paris, em dezembro de 2015, pela primeira vez.
Na citada conferência, o governo brasileiro assumiu o compromisso de ampliar de 6% para 18%, até 2030, a participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira. Isso deverá significar a expansão da oferta dos atuais 28 bilhões de litros de etanol para 50 bilhões de litros do produto brasileiro em 2030! Em termos globais, a demanda mundial de biocombustíveis deverá crescer de 110 bilhões de litros (2010) para 350 bilhões de litros em 2030. As previsões mais otimistas apontam que 1/3 disso viria da 2ª geração de tecnologia do etanol, pós 2020.
Recentemente, o Congresso Nacional, no Brasil, formalizou a aprovação das metas apresentadas pelo Brasil na Cop 21. Por trás de tudo isso, crescem os esforços em torno da bioeconomia. Suportada pela lógica da sustentabilidade, essa nova economia global deve trazer uma nova revolução no século XXI, baseada em biomassa e não em fósseis. É como dizer que os carboidratos serão os hidrocarbonetos do passado. Refinarias processando biomassa e produzindo o que hoje se faz do petróleo ou do gás natural.
Será, sem dúvida, complexa mudança que demandará mais tempo que o desejado pelos verdes e, no entanto, menos tempo que o desejado pelos adoradores de hidrocarboneto fóssil. Esse tempo dependerá de dois fatores de difícil mensuração: tecnologia viabilizada em escala global e as políticas públicas comuns entre os países, incluída a transformação das diferentes biomassas em commodities, através de mercados livres, como são hoje os mercados para os hidrocarbonetos.
O desafio está, portanto, em conciliar politicamente os vários fortíssimos interesses globais e nacionais em torno de ações comuns e, por outro lado, a realidade econômica da extraordinária importância do baixo custo da energia na manutenção da qualidade de vida das pessoas.
Como se sabe, no campo da segurança alimentar, há enorme dependência das energias e de produtos derivados dos fósseis, como fertilizantes. Na segurança energética, a luta por reduzir a dependência do petróleo e do gás de regiões complexas e comprovadamente “voláteis”, em termos de comportamento político. Desde os anos pós 1970, os esforços globais por reduzir dependência energética ocorreram assim, da busca incessante por maior eficiência energética.
Isso levou a uma redução no consumo per capita dos países desenvolvidos, mas não para os emergentes. O fenômeno China mostra isso. Nesse mesmo período, houve um grande debate global sobre o chamado “pico do petróleo”, com defensores dos riscos de preços elevados no curto prazo e aqueles que defendiam a existência de enormes reservas que não levavam ao pico do petróleo, mas sim a um processo longo de uso das reservas. De fato, além do componente desastroso das emissões de carbono promovido pelas energias fósseis, a questão dos preços sempre foi a que direcionava as decisões.
Como exemplo, segundo a Rystad Energy, as reservas de petróleo viáveis economicamente, ao preço de US$ 40/barril (Brent), seriam de 451 bilhões de barris na OPEP e 110 bilhões de barris nos países não OPEP, ou seja, 561 bilhões de barris, de um total comprovado de reservas globais de 1,7 trilhão de barris de petróleo. Se os preços forem a US$ 60/barril de petróleo Brent, o total viável iria para 859 bilhões de barris.
A realidade da descarbonização passará, portanto, pelas ações conscientes de cada país, pensando no planeta Terra e não somente nas suas economias, no curto e no médio prazo. No longo prazo, o recurso finito e, eventualmente, a aceleração do aquecimento
global levarão, inevitavelmente, à descarbonização da energia.
Ao Brasil, com a adesão à Cop 21, as medidas políticas serão essenciais. O que fez o Governo FHC, em 2002, com a criação e valorização da Cide – taxa incidente sobre a gasolina e o diesel pelas suas externalidades econômicas negativas – foi, sem dúvida, antecipar e preparar o futuro. Muitos aplausos deverão ser dados ao Governo Temer (oficializado pós agosto/2016) se atuar recuperando a Cide com urgência. Esses aplausos serão globais.
Os mais baixos preços do petróleo mostram uma grande oportunidade de política pública, muito bem caracterizada por Lawrence Summers: “A recente queda acentuada dos preços do petróleo tornou-se oportunidade. Há espaço para debate sobre o tamanho do imposto e sobre como os recursos devem ser implementados. Defender um imposto sobre o carbono não é algum tipo de argumento para o planejamento governamental – é a lógica do mercado. Aquilo que não é pago é usado em demasia”.