Diretor Geral da NRG Consultoria em Energia e Meio Ambiente
Op-AA-12
Até a metade desse século, teremos de completar uma mudança radical nas nossas fontes de energia e nas tecnologias de uso final dessas fontes, adotando cada vez mais fontes renováveis de energia. Essa mudança já começou e é motivada, principalmente, pelas alterações climáticas globais, já existentes e resultantes do acúmulo, na atmosfera, do principal gás de efeito estufa – o dióxido de carbono (CO2) ou gás carbônico – vindo da queima de combustíveis fósseis: petróleo, carvão e gás natural.
A maioria absoluta dos cientistas envolvidos com o tema concorda que entre os anos 2030 e 2050 devemos cortar as emissões para, no máximo, até 40% do que emitíamos em 1990. Os biocombustíveis renováveis, em particular, são tanto uma via de saída da dependência dos combustíveis fósseis, como componentes importantes de um futuro energético, ambientalmente sustentável.
Para se ter uma idéia do desafio, é bom ter alguns números em mente. Petróleo e carvão mineral respondem por parcelas iguais (cerca de 40%) das emissões de CO2, pela queima de combustíveis fósseis. Praticamente todo o restante vem da queima de gás natural. O consumo global de petróleo, segundo a Agência Internacional de Energia - AIE, é, atualmente, de 85 milhões de barris diários. E esse consumo está longe de representar o máximo.
A mesma AIE projeta, para o ano de 2030, uma demanda de 121 milhões diários de barris de petróleo, mesmo usando taxas de crescimento do consumo, um pouco mais baixas que as verificadas nas três últimas décadas. Os usos automotivos do petróleo – diesel e gasolina – são os que mais crescem em todas as partes do mundo, e o transporte – incluindo aéreo e marítimo – demanda 58% do total de derivados de petróleo.
A gasolina automotiva é cerca de 24% da produção média das refinarias de todo mundo. Isso significa que as produções atuais de etanol – o principal biocombustível do momento, usado na substituição parcial da gasolina – Brasil e Estados Unidos somados, representam pouco mais de 2% da demanda mundial de gasolina.
Essa proporção mostra-nos que o potencial de crescimento do mercado para o etanol é limitado apenas pela disponibilidade de áreas para a sua produção, ambiental e socialmente sustentável. Por isso, tão logo seja possível, será necessário colocar no mercado novas tecnologias de transporte, pois não há área disponível no mundo para tal produção, sem comprometer a geração de alimentos e a conservação dos ecossistemas naturais. Essa é a conclusão, mesmo quando consideramos novas vias de produção, como o etanol celulósico.
Atualmente, os motores ciclo Otto e ciclo diesel transformam, na prática, um quinto da energia química contida no combustível, em trabalho útil de transporte de cargas e pessoas. O resto da energia – 80% – é desperdiçado na forma de calor e poluição. Evidentemente, é possível melhorar esse rendimento dos motores atuais, e isso deverá ser feito no curto prazo, mas é preciso ter em mente que o limite termodinâmico (máximo teórico), para esse rendimento, situa-se entre 28%, para os motores ciclo Otto, e 35%, para os motores ciclo diesel.
Parte das novas tecnologias para o transporte está disponível, como os conjuntos de células a combustível e motores elétricos, cujo rendimento combinado pode chegar facilmente a 50%, além de toda gama de novos meios de transporte de massa e desenho urbano, organizados sob o conceito de mobilidade. O mesmo ocorre com as novas tecnologias de geração distribuída de eletricidade: células a combustível, turbinas eólicas, turbinas hidrocinéticas, painéis fotovoltaicos e turbinas a gás.
A transição tecnológica, com toda sua complexidade, entretanto, é a parte mais fácil desse processo. Bastam recursos e coerência, ao longo do tempo. As partes mais difíceis da transição, que já iniciamos, estão nas áreas ambiental e social, e essas duas estão interligadas, quando se trata de biocombustíveis. No Brasil, por exemplo, o etanol da cana-de-açúcar é um exemplo de energético, cuja produção, em bases sustentáveis, pode contribuir, ao mesmo tempo, para a mitigação das mudanças climáticas globais e para a redução da pobreza, essa última, medida essencial para a superação das dificuldades a serem intensificadas ou produzidas pelas mudanças climáticas globais.
Mas, a cultura dessa mesma cana-de-açúcar ainda carrega boa parte das relações sociais de seu passado colonial. Não é sem razão que, mesmo no Estado de São Paulo, onde os índices de produtividade agrícola são únicos e os indicadores sociais da atividade são os melhores do país, encontram-se situações de trabalho escravo. A superação desse passado é perfeitamente possível, uma vez que, atualmente, o custo de oportunidade do etanol da cana-de-açúcar é extremamente alto.
A gasolina automotiva tem um custo mínimo de US$ 72 o barril equivalente para o óleo cru, cotado a US$ 60 o barril, enquanto o custo de produção do etanol da cana-de-açúcar não ultrapassa os US$ 42 o barril equivalente. Essa enorme margem permite uma política de inclusão social, paralelamente ao resgate dos passivos ambientais da atividade, numa escala nunca antes vista.
Ocorre que políticas de inclusão social e de resgate de passivos ambientais são tradicionalmente feitas com o Estado Brasileiro, às rédeas do processo, e promovendo a transferência das rendas por impostos, contribuições e toda sorte de taxas. Pode ser que, ao final, essa seja a única forma, se os agentes do setor não se dispuserem a abraçar causas que ainda estão muito além das práticas atuais das empresas do setor.
Se assim for, está na hora de formular políticas para as energias renováveis, no Brasil e no mundo, na escala em que as mudanças em curso em todo o planeta exigem e na direção que as sociedades cobram, de redução das desigualdades para aumento da segurança global, e em direção a um mundo social e ambientalmente sustentável.