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Plinio Mário Nastari

Presidente da Datagro

Op-AA-45

Há uma questão básica a resolver
O setor sucroenergético tem passado por grandes transformações nos últimos anos. De um sistema de produção com elevado grau de intervenção até 1989, passou por um período de liberalização que durou cerca de 10 anos (1989-1999), ao qual sucedeu uma fase em que tem operado em livre mercado para os seus principais produtos (açúcar e etanol), sem que ainda exista uma regulação que estabeleça regras mínimas de competitividade entre o etanol e a gasolina.

Para o açúcar, isso não é uma questão. O problema é que o etanol representa mais da metade da produção (estimamos 58,9% em todo o Brasil, na safra 2015/16). Além dessa grande questão de fundo, que, por si só, é capaz de explicar uma boa parte dos entraves que o setor tem enfrentado pela competição desregulada entre etanol e gasolina, em grande parte do setor, houve uma enorme transformação na forma de produzir e processar a cana-de-açúcar. 

 
A legislação que obrigou a gradual eliminação da queima da palha e levou à crescente mecanização da colheita trouxe novos desafios e variáveis de controle. A velocidade com que avançou a mecanização foi maior do que a adaptação e o preparo dos solos a esse novo método de produção. Foi também maior do que a capacitação da mão de obra para operar e manter os sistemas integrados de colheita e transporte. Estima-se que, em 2015, cerca de 97% da área colhida seja mecanizada na região Centro-Sul; nem de longe é essa a proporção de solos sistematizados e preparados para a colheita mecânica.

Nas regiões Norte e Nordeste, a mecanização também tem avançado, embora em proporção menor. Surgiram novas variáveis, como as impurezas vegetal e mineral, que, somadas, representam cerca de 10% do 
volume entregue nas moendas. Impurezas que são transportadas e processadas como cana. No caso da impureza vegetal, para as usinas que têm capacidade de gerar energia excedente em cogeração, há a perspectiva de utilizar a fibra para fins energéticos. No entanto, mesmo nesses casos, é mais fibra para ser processada, desgastando os equipamentos industriais e aumentando as perdas de açúcares na fibra.

No caso da impureza mineral, é impressionante o desgaste que tem causado nas indústrias, acelerando a troca de chapas, camisas, válvulas, tubulações e equipamentos em geral. 
A mecanização foi aplicada não apenas na colheita, mas também no plantio. Atualmente, muitos produtores questionam a eficiência do plantio mecanizado e preconizam o plantio manual para controlar perfilhamento, falhas de brotação e custos. O consumo de óleo diesel passou a ser o item individual de custo mais relevante de todo o processo de produção, passando a representar 3 a 5 litros consumidos por tonelada de cana produzida, dependendo dos índices de eficiência de colhedeiras e de  plantadeiras e da existência e intensidade da irrigação.

 
A sobrevivência, nesse cenário adverso, tem estado intimamente ligada ao conhecimento dos custos de produção e dos indicadores de eficiência nas áreas agrícola e industrial e, portanto, à identificação de pontos possíveis de melhoria. De forma bem simples, a situação financeira é, no médio prazo, reflexo das condições de operação, agrícola e industrial. Daí a importância das avaliações de custo e das condições de operação. Na gestão de custos, muitas vezes, se desconhece um modelo comum que permita a avaliação horizontal de custos entre produtores, sejam eles indústria ou fornecedores de cana, em diferentes regiões produtoras, permitindo a avaliação da condição individual de cana produtor.
 
Além da falta de uma regulação minimamente adequada para o etanol e a gasolina e da mudança no modo de produzir, o setor teve que enfrentar os efeitos de grandes oscilações na taxa de câmbio. No início da década passada, quando a taxa de câmbio chegou perto de R$ 3,80 por dólar, o custo de produção do etanol ao produtor era estimado em US$ 0,17 por litro. A perspectiva de petróleo a um preço de US$ 100 por barril, ou mais, levou a grandes investimentos em expansão de capacidade de moagem para a produção, principalmente de etanol, visando à projetada expansão do consumo nos mercados interno e externo.

Por vários fatores econômicos, a taxa de câmbio recuou 
para R$ 1,56 por dólar, ao mesmo tempo em que os custos com mão de obra e aqueles advindos da mecanização se elevaram, alterando completamente a competitividade do açúcar e do etanol produzidos no Brasil. Nesse cenário adverso, a sobrevivência está relacionada à capacidade de aproveitar os resíduos da cana, principalmente bagaço e palha, para a cogeração, e a outras formas de diversificação, como a produção de leveduras modificadas, plásticos e etanol de segunda geração. Já surge a possibilidade real de retomar a biodigestão de vinhaça e de outros resíduos orgânicos para a produção de biogás e biometano, capaz de substituir integralmente o diesel utilizado nos sistemas de transporte e colheita. 

 
A queima do gás é muito mais eficiente do que a dos resíduos em caldeira e deve elevar ainda mais esse potencial. Mas, mesmo na área de energia elétrica, que tem um mercado um pouco mais regulado do que o de combustíveis, grandes distorções ainda existem. Como explicar que as usinas vendem, em média, sua energia a tarifas em torno de R$ 200,00 por MWh, enquanto o sistema interligado paga entre R$ 800,00 e R$ 1.100,00 por MWh para a energia térmica movida a combustíveis fósseis? Como explicar que não se reconheça e remunere a vantagem da geração distribuída próxima aos centros de carga, que diminuem os investimentos e evitam as perdas de transmissão, ou os benefícios da sazonalidade invertida, com o sistema de geração hidroelétrico?
 
A recuperação do setor sucroenergético passa pela expansão da cogeração. A capacidade de geração ultrapassa, atualmente, 9,3 GW, no entanto, cerca de 2/3 dessa capacidade está dedicada ao processo de produção de açúcar e etanol. Em 2014, o setor despachou para o grid 14,31 mil MWh de energia excedente. Considerando 4.500 horas médias de operação na safra, essa energia representa 3,18 GW médios de capacidade destinados à geração de excedente. Com o volume atual de cana processada, a capacidade de geração poderia chegar a 22 GW de potência instalada. Esse é, portanto, o futuro do setor, desde que lhe seja possibilitado competir em igualdade de condição, com o reconhecimento de suas devidas diferenças e vantagens. 
 
É incrível que um setor que representa 35,3% da cana produzida no mundo, 45,6% do açúcar e 19% do etanol comercializado no mercado mundial esteja ainda dependente de regras básicas de convívio e competição. O controle de custos e o aumento da eficiência são metas a serem perseguidas permanentemente, com afinco e dedicação, mas não se pode imaginar que os problemas do setor estarão resolvidos apenas com essa ação. É fundamental que seja estabelecida uma regulação que defina a regra de competitividade entre o etanol e a gasolina em livre mercado e que estabeleça o adequado reconhecimento do valor da cogeração de biomassa pelo que representa para a oferta interna de energia.