A indústria da aviação está avançando no desenvolvimento de combustíveis sustentáveis para reduzir suas emissões. O que faremos para que o futuro das viagens aéreas seja mais tecnológico e sustentável? Companhias aéreas e fabricantes de aviões estão correndo para atender ao ambicioso compromisso da indústria da aviação comercial de atingir emissões líquidas de carbono zero até 2050.
Atualmente, voar é muito mais eficiente do que foi no passado. No início da era dos jatos, nos anos 1960, um único voo entre Nova York e São Paulo consumia mais de 90 toneladas de combustível de aviação. Com as tecnologias e ferramentas ambientalmente eficientes de hoje, esse número foi reduzido para aproximadamente 45 toneladas de combustível para o mesmo voo, transportando mais passageiros e carga. A introdução de aeronaves mais eficientes tem feito parte das mudanças em toda a indústria da aviação.
Tecnologias para o aumento da eficiência operacional, novas rotas de voo e o uso de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) compõem um novo mundo para a aviação comercial. Todos esses fatores serão essenciais para ajudar a descarbonizar a indústria até 2050.
Acredita-se amplamente que o uso de SAF será um fator-chave para alcançar esse objetivo. A maneira que a indústria o desenvolve e apoia seu uso em escala global demandará tempo, recursos e engenhosidade. O Brasil pode liderar o caminho no desenvolvimento de tecnologias inovadoras para diferentes opções de biocombustíveis e matérias-primas, para o benefício tanto do país quanto de toda a indústria aeroespacial.
Assim como no caso da aviação, o setor de bioenergia no Brasil também passou por uma verdadeira revolução nas últimas décadas. Há aproximadamente 20 anos, quando comecei a trabalhar na sustentabilidade da bioenergia, as discussões eram, por exemplo, relacionadas com a colheita mecânica sem queima da cana-de-açúcar, os impactos da soja transgênica e a introdução de carros flex. Recordo que, 10 anos atrás, escrevi, juntamente com colegas renomados, um artigo sobre o futuro da cana-de-açúcar e devo admitir que, nem nos cenários mais otimistas, poderíamos imaginar como o setor de bioenergia amadureceu desde então.
O Brasil implementou políticas extraordinárias de biocombustíveis, como o RenovaBio. E agora constrói o projeto de Lei do Combustível do Futuro, que estabelecerá uma meta para o uso de SAF.
Isso colocará o Brasil em um grupo seleto de países pioneiros que contam com uma política de SAF em vigor. O Brasil é um dos poucos países do mundo onde a bioenergia não é apenas uma visão, mas uma realidade de longa data. O Brasil também é um dos poucos lugares do mundo que reúne a capacidade de escala em biocombustíveis de baixa intensidade de carbono e um custo competitivo. Além disso, o país possui uma vocação agrícola histórica, abundância de opções de matérias-primas, um grid de eletricidade altamente renovável e muitas outras condições favoráveis para continuar desempenhando um papel de liderança em bioenergia. O Brasil possui todos os ingredientes para também fazer o SAF acontecer. A oportunidade está na nossa frente e não vamos desperdiçá-la.
Voltando ao passado, a Boeing e a Embraer se uniram à FAPESP e à UNICAMP, há mais de 10 anos, para produzir o primeiro "Plano de Voo para Biocombustíveis de Aviação no Brasil". Foi uma avaliação dos desafios e oportunidades tecnológicos, econômicos e de sustentabilidade associados ao desenvolvimento e comercialização de SAF no Brasil. Esse documento ainda é referência para a produção de SAF no Brasil.
A indústria da aviação continuou investindo em entender melhor o potencial do SAF e oportunidades específicas nas diferentes regiões do país. Um exemplo é o projeto SAFMaps realizado pela UNICAMP e apoiado pela Boeing. Esse projeto desenvolveu uma ferramenta web gratuita que identifica a disponibilidade das matérias-primas mais promissoras para a produção de SAF em regiões-chave do Brasil.
Outro exemplo é o trabalho realizado pela Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB), que mapeou o potencial de produção de SAF a partir de resíduos no Brasil. O estudo identificou que o Brasil poderia produzir até 9 bilhões de litros de SAF por ano – ou seja, 125% da necessidade atual de combustível de aviação do país – apenas utilizando resíduos como bagaço de cana-de-açúcar, resíduos florestais, gases de combustão, sebo e óleo de cozinha usado.
Tudo isso é muito encorajador. No entanto, sabemos que será uma combinação de todas as opções de mitigação disponíveis que fará o setor alcançar seus objetivos de sustentabilidade. O SAF é o ponto central, mas a Boeing e a indústria da aviação também estão explorando novas tecnologias. Chamamos isso de abordagem "SAF e...". Ou seja, SAF e hidrogênio verde, e eletricidade, e novos conceitos de aeronaves, etc.
Por exemplo, o hidrogênio verde, produzido com energia renovável, poderá desempenhar um papel importante como facilitador para a produção de algumas rotas SAF no curto prazo e, mesmo como combustível para aeronaves, em um futuro mais distante. O setor da aviação está trabalhando para aproveitar todo o potencial desta e de outras opções de vetores de energia.
O Brasil está também bem posicionado para apoiar a introdução destas novas tecnologias, justamente porque dispõe de opções de eletricidade renovável e de baixo custo, como biomassa e geração eólica e solar, que continuarão avançando. Por exemplo, biorrefinarias de cana-de-açúcar que contam com excedente de bioeletricidade e disponibilidade de dióxido de carbono puro da fermentação para etanol estariam particularmente bem posicionadas para produzir volumes adicionais de SAF com tecnologias “power-to-liquids”.
Não menos importante, cada uma dessas inovações de sustentabilidade na indústria da aviação deve ser amplamente testada em condições reais de voo para serem aplicadas. O programa ecoDemonstrator da Boeing tem utilizado e testado SAF desde 2012. Já trouxemos um avião ecoDemonstrator para o Brasil em 2016 para testar o SAF brasileiro, em parceria com a Embraer. Este foi um exemplo notável do setor da aviação agindo para demonstrar a viabilidade e segurança do uso de SAF para a sociedade.
Recentemente, foram concedidas três patentes relacionadas à eficiência operacional de voo à área de pesquisa da Boeing no Brasil. Inovações como estas ajudarão a reduzir o consumo de combustível e, consequentemente, as emissões de carbono na aviação. A Boeing continuará explorando novas tecnologias e conceitos de voo, como um desenho avançado de asa, conhecido como Transonic Truss-Braced Wing (TTBW), por meio de seu modelo X66, e a Wisk, um veículo autônomo totalmente elétrico com capacidade de decolagem e pouso vertical.
Estamos em um momento único, pois a indústria da aviação continua inovando em biocombustíveis e tecnologia em nome de um setor aeroespacial mais sustentável. Gosto de pensar que a sustentabilidade é um esporte coletivo. Nenhum “jogador” sozinho vai conseguir se manter à frente das inovações relacionadas à sustentabilidade que estão impulsionando essa mudança global, confiando apenas em sua própria experiência ou permanecendo dentro das fronteiras de sua nação. Somente trabalhando juntos, podemos alcançar o objetivo de tornar a aviação mais sustentável.