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Roberto Luis Troster

Doutor em Economia pela USP, ex-Economista Chefe da Febraban, ABBC e do Banco Itamarati

Op-AA-11

O cavalo selado

O Brasil já viu cavalos selados passarem e não aproveitou as oportunidades. Eles foram montados em outras paragens. O do café para a Colômbia, Costa Rica e África, o da borracha para a Malásia, dentre outros, em outras áreas não-agrícolas. O ponto é que o país teve oportunidades de alavancar e consolidar crescimentos, mas não as aproveitou.

Um cavalo selado está passando agora, e se chama “Álcool como uma commodity internacional”. O desejo de montar esse animal é forte, a capacidade competitiva brasileira é notória, há recursos disponíveis, mas a efetiva decisão ainda não foi tomada.

O caso é que os desejos de aproveitar as oportunidades têm demorado demais para se materializar em decisões. A causa, objeto deste artigo, é a falta destas decisões, o que posterga a concretização das citadas oportunidades. Enquanto desejos mostram caminhos, só as decisões levam até lá. Ilustrando o ponto, a borracha foi um propulsor do crescimento da região Norte.

Na época, a concorrência internacional era baixa e a demanda alta. Eram os primeiros tempos da indústria automobilística no mundo e a seringueira era uma árvore nativa da floresta amazônica. Entretanto, o país reagiu passivamente à situação externa. Outros países, em especial a Malásia, começaram uma ação mais ativa, que incluiu até o uso de mudas de seringueiras brasileiras, e o resultado é conhecido por todos: o “potencial” da borracha virou o “ciclo” da borracha. Foi mais uma oportunidade perdida.

O caso do café é parecido. Apesar das vantagens iniciais, um mau gerenciamento da oportunidade o tirou do país. O Brasil tem uma vantagem competitiva na produção do álcool, reconhecida mundialmente. O Proálcool foi desenvolvido, por ocasião do primeiro choque do petróleo. Toda a cadeia produtiva brasileira do álcool - preparação da terra, o desenvolvimento de mudas, plantio, colheita, refinação, armazenamento, etc, é a mais sofisticada da atualidade. O mundo está acordando para o álcool como combustível, no momento em que o Brasil já tem três décadas de experiência à frente.

Há um crescimento da demanda mundial por álcool. O uso de energia renovável está em alta e as previsões são de que aumente. O uso do petróleo apresenta-se intrincado, em função de fatores geopolíticos, da preocupação com o meio ambiente e da volatilidade de preços. Há um reconhecimento de que a atual matriz energética mundial, baseada no petróleo, tem um futuro incerto.

É uma oportunidade. Abundam discursos, editoriais, artigos, entrevistas e manchetes, mostrando o desejo de se aproveitar a oportunidade, de consolidar o Brasil como o pólo mundial de produção do álcool, com ganhos de bem-estar e crescimento. O fato é que, se desejos bastassem, o país seria também o pólo mundial da borracha e do café, há tempos. A razão é que não foram tomadas todas as decisões necessárias no momento adequado. Atualmente, o setor apresenta-se numa situação confortável. A oportunidade, se bem aproveitada, refletir-se-á numa fonte de riquezas para o país.

Ações refletem decisões. Nesse sentido, as ações que mostram o compromisso com a decisão de consolidar o Brasil como pólo mundial de produção de álcool já estão diagnosticadas e são:

a. negociações internacionais, para reduzir sua taxação;
b. padronização mundial de sua produção;
c. investimentos em pesquisa;
d. um programa de estocagem apropriado;
e. um regime de comercialização adequado;
f. um tratamento tributário justo;
g. investimentos em pesquisa e tecnologia;
h. um monitoramento contínuo da matriz energética mundial;    
i. um gerenciamento sistêmico do projeto, e
j. o estabelecimento de um programa específico, particular e competente, para a relação do setor sucroalcooleiro com o Meio Ambiente.

Os três últimos pontos merecem comentários adicionais. A matriz energética mundial é complexa e está em constante transformação, influenciada por fatores geopolíticos, desenvolvimentos tecnológicos, regulamentações, comércio, transporte, clima, etc. Uma política setorial conveniente tem que antecipar essas transformações, para se posicionar favoravelmente.

 As variáveis que afetam este projeto são muitas e exigem um gerenciamento sistêmico, coordenando as ações para o setor. São muitas as variáveis, do resto do mundo e internas, que afetam o programa. Isso exige um planejamento abrangente e reações rápidas e apropriadas a mudanças de cenários. O projeto é muito importante para que suas ações sejam difusas.

Atualmente, a ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, monitora o setor e coordena suas ações. É pouco. É mister uma ação, envolvendo o governo em todos os níveis, incluindo relações externas, e de todos os participantes na cadeia produtiva do álcool, coordenando ações de maneira sistêmica. A decisão de consolidar a posição alcançada pelo país no álcool é realmente pertinente.

Desejos antecedem decisões, mas não as substituem. Decisões implicam ações que as materializem, desejos não. Não se consegue consolidar-se como produtor no grito, mas sim com esforços, na direção correta. Temos um cavalo pronto e selado na nossa frente, o sol está brilhando no céu da pátria. Vamos montá-lo, antes que outro o faça.