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Miguel Ivan Lacerda de Oliveira

Diretor de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia

Op-AA-54

RenovaBio: por uma política nacional de biocombustíveis
Durante algumas décadas, o Brasil apostou em uma estratégia de produção de combustíveis a partir da biomassa, os chamados biocombustíveis. Com criatividade e uma boa dose de inovação, o País foi capaz de transformar as crises causadas pelos choques do petróleo em grandes oportunidades de investimento no etanol de cana-de-açúcar como fonte energética estável e segura para sua frota de veículos. 
 
Posteriormente, ratificou-se por aqui a aposta nos biocombustíveis através da implementação do PNPB – Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel. Essa política pública, aliada à considerável ampliação da frota de veículos flex, consolidou o Brasil como um país de referência em biocombustíveis. Ao longo dos últimos anos, portanto, o País pôde lançar mão dos biocombustíveis tanto em períodos de crises econômicas como em momentos de bonança, para superar dificuldades e melhorar a sua matriz energética veicular.  
 
Temos aqui uma combinação única de fatores, tais como área agricultável disponível para ampliação da produção de biocombustíveis – sem custo de oportunidade em relação à produção de alimentos e sem necessidade de novas áreas decorrentes de desmatamento – produtividade das mais altas do planeta, centros de pesquisa com tradição na produção e desenvolvimento de biocombustíveis e um mercado consumidor já estabelecido e com grande potencial de crescimento.
 
 No entanto, ainda hoje nos deparamos com questões absolutamente cruciais para o futuro desse setor: Qual o papel dos biocombustíveis no debate sobre o cenário de mudanças climáticas que enfrentamos hoje em nível global? Quais contribuições os bicombustíveis podem oferecer nos esforços pela mitigação da emissão de gases de efeito estufa, na recuperação da economia, na geração de novos empregos e no desenvolvimento socioeconômico do País?
 
Há 25 anos, na Rio-92, já figurávamos como anfitriões da discussão de uma agenda de desenvolvimento socioeconômico em bases sustentáveis. Mesmo antes desse marco no avanço do conceito de desenvolvimento sustentável, o País já despontava como protagonista na produção e consumo de biocombustíveis. Concomitantemente, está em curso um nítido movimento global de redução do uso de combustíveis fósseis, não só em função dos Gases de Efeito Estufa – GEE, comprovadamente prejudiciais ao meio ambiente, mas também em relação a outros poluentes como o material particulado, responsável por centenas de milhares de mortes anuais no mundo todo. 
 
Mais recentemente, após a assinatura do Acordo de Paris durante a COP21 e sua posterior ratificação pelo Brasil, em um inédito acordo que envolveu quase todos os países do mundo – apesar da recente defecção dos Estados Unidos –, foram estabelecidas metas claras para a redução das emissões de GEE em território nacional: 37% menos emissões em 2025 em relação aos níveis de 2005. Para 2030, a meta de redução se situa em 43%, tendo também como base o ano de 2005. 
 
Na nossa matriz energética, a biomassa figura como a segunda maior fonte de energia, correspondendo a 28% do total. Mesmo com destacada participação na matriz, essa mesma biomassa utilizada emite apenas 3% do total de gases de efeito estufa. 
 
Temos, portanto, em nossas mãos, a faca e o queijo para apresentar soluções inovadoras na geração de energia limpa ao País e a chance de vender para o mundo uma tecnologia na qual o Brasil é o expoente máximo. Para que isso se materialize, entretanto, é necessário implementar uma política pública que estimule a produção de biocombustíveis mais eficientes, com maior conteúdo energético por partículas de gases poluentes emitidos. Essa política, contudo, já existe e tem nome: é o RenovaBio. 
 
Trata-se de uma agenda moderna, construída de forma colaborativa por servidores públicos, pesquisadores, representantes do mercado e da sociedade civil, lideranças políticas, pessoas que em seus respectivos ramos de atividades se comprometem com um futuro verdadeiramente sustentável. 

O RenovaBio tem sido elaborado a partir do aperfeiçoamento das principais experiências internacionais em políticas de redução de emissões, como o Renewable Energy Directive, da União Europeia, o Renewable Fuel Standard Program (RFS), do Governo Federal norte-americano e o Low Carbon Fuel Standard, do Estado da Califórnia. Essas políticas de redução de emissões tem como elemento central o uso da técnica da avaliação de ciclo de vida, utilizada para medir a contribuição dos biocombustíveis no processo de redução de emissões dos GEE. 
 
O RenovaBio tem como objetivo garantir a previsibilidade para a expansão da produção e uso dos biocombustíveis. A ausência de regras estáveis para todos os agentes econômicos e a indefinição sobre o papel dos biocombustíveis na matriz energética foram as principais razões pelas quais a expansão da produção de biocombustíveis não ocorreu nos últimos anos. Por esse motivo, o Ministério de Minas e Energia – MME, lançou essa proposta ainda em 2016. Ao longo do ano de 2017, ela foi bastante aprimorada, a muitas mãos, para propor uma nova política de combustíveis que colocasse o Brasil em uma posição de protagonismo em políticas de redução nas emissões dos GEE. 
 
O estabelecimento de um novo marco legal para os biocombustíveis é o cerne da proposta do RenovaBio. Nessa legislação, busca-se estabelecer um mecanismo de classificação de biocombustíveis de acordo com seus respectivos níveis de eficiência energético-ambiental, por meio da certificação individual dos produtores. Produtores mais eficientes terão, como recompensa, a possibilidade de emissão de ativos financeiros negociáveis em bolsa de valores, em volume proporcional à nota de eficiência energético-ambiental do biocombustível produzido. Distribuidores terão obrigações de compra desses papéis, que também estarão disponíveis no mercado de ações para todos os investidores. 
 
O objetivo desse mecanismo é a gradual descarbonização da matriz energética brasileira no curto, médio e longo prazos. O que se pretende é a implementação de uma política pública que traga previsibilidade ao mercado de biocombustíveis, em coexistência harmônica com os combustíveis fósseis, através de um estímulo à constante inovação, que busque a eficiência energética de maneira continuada. Do ponto de vista da eficiência econômica, essa estratégia é uma alternativa ao que se almejou em anos anteriores por meio do controle de preços pela CIDE ou através da diferenciação tributária no PIS/COFINS.  
 
Dessa forma, abrem-se as portas para a participação de todos os agentes econômicos que, independentemente de seu tamanho, sejam eficientes e possam compor a oferta sustentável de biocombustíveis para nosso País, gerando emprego, renda e desenvolvimento socioeconômico. Viver em um mundo verdadeiramente sustentável é possível, e os biocombustíveis podem nos dar uma boa parcela de contribuição nesse objetivo, que é de todos. O Brasil pode estar oferecendo ao mundo parte importante de uma solução de descarbonização que se procura há algum tempo. Nossos filhos e netos dependem das decisões que tomaremos hoje.