Presidente do Conselho Deliberativo da Unica
Op-AA-42
O empresariado brasileiro está ansioso por boas notícias do lado do governo para se lançar num ciclo de desenvolvimento com investimentos, geração de empregos, aumento da produção e de excedentes exportáveis, sobretudo no agronegócio: ele quer ardentemente confiar no governo, que se reinventará a partir de 1º de janeiro de 2015.
A presidente Dilma Roussef deu um primeiro sinal nessa direção, ao comunicar, logo depois de conhecidos os resultados das eleições, seu compromisso de dialogar com todos os setores sociais e econômicos do País. Esse anúncio foi recebido com alegria por todos os potenciais investidores e, com certo ceticismo, por alguns setores específicos que, nos últimos 4 anos, não tiveram acesso à Presidente e viram sua atividade produtiva “derreter “ ante a total falta de políticas adequadas.
Mas é preciso acreditar. Sem confiança não há esperança para sairmos das dificuldades que se avizinham, atormentadas pelo aumento da inflação e do desemprego, pelo desequilíbrio das contas públicas, pela redução do saldo comercial, por um crescimento pífio do nosso PIB em relação aos países emergentes, por incertezas da economia global, por perdas de competitividade em função do recorrente Custo Brasil. É preciso acreditar.
Todo mundo sabe que, se houver um “efeito manada” negativo – em que os empresários não apostem numa melhoria do clima institucional do Brasil, no menor intervencionismo do governo na economia, na maior segurança jurídica, na previsibilidade em relação ao retorno dos investimentos, em horizontes claros de mudanças positivas –, a economia pode degringolar, levando-nos a uma crise perigosa, cuja solução teria custos sociais e políticos inimagináveis, para além mesmo dos custos econômicos.
A pergunta é: há razões para acreditar? A promessa do diálogo é suficiente? A julgar pela falta de entendimento no primeiro mandato, nem todo mundo acha. Mas há outros pontos positivos, como o anúncio de um novo ministério, mais afinado com o desenvolvimentismo, com a garantia da liberdade de imprensa – fundamental para preservar a verdadeira democracia –, e com o anúncio da presidente de convocar lideranças dos mais diversos setores para discutir seus problemas reais e pontuar tais questões frente aos legítimos interesses nacionais.
O Congresso, por sua vez, também deu mostras de que não se submeterá facilmente às pressões oficiais não construtivas, e o desmanche dos chamados Conselhos Sociais foi emblemático. É preciso acreditar em mudanças, até porque elas são realmente necessárias e estão no âmago dos sonhos da população brasileira. Muito bem, como fica o setor sucroenergético nesse cenário?
Foi talvez o mais prejudicado no primeiro mandato de Dilma Roussef, depois de receber grande atenção de seu antecessor. O desprezo por esse importante segmento teve reflexos dramáticos. Das 392 unidades industriais existentes no Centro-Sul, 375 operam, 67 estão em recuperação judicial, das quais 47 estão paradas, e outras estão ameaçadas de encerrar atividades.
A dívida total das usinas chega a R$ 79 bilhões, equivalentes a 110% do faturamento de um ano inteiro, de R$ 72 bilhões. Toda a indústria que trabalha para usinas está em crise, assim como fabricantes de máquinas agrícolas para cultura da cana-de-açúcar. Milhares de empregos ao longo da cadeia produtiva foram perdidos. Os municípios canavieiros, que há poucos anos tinham o melhor IDH dos estados produtores, estão todos à míngua, com um devastador efeito dominó sobre a economia local, quebrando lojas, supermercados, colégios, postos de serviço.
A seca implacável deste ano cortou 50 milhões de toneladas de cana no Centro-Sul do País, agravando ainda mais a situação. Produção baixa e preços baixos, determinados pela política oficial de combate à inflação via controle dos preços dos combustíveis, é uma equação trágica. Cerca de 70 mil produtores independentes da gramínea estão sem renda e sem perspectivas, com demissão em massa de funcionários antigos e bem treinados.
Haverá um horizonte melhor no futuro próximo? Aparentemente, sim. Alguns ministros – entre os quais Aloísio Mercadante, da Casa Civil, e Guido Mantega, da Fazenda – vêm conversando constantemente com lideranças do setor. Dessas conversas, já surgiram resultados positivos, como o aumento da mistura do etanol à gasolina (até 27,5%), a inclusão do açúcar e do etanol no Reintegra, a diminuição de PIS/Cofins e IPI, o Prorenova, a extensão de financiamentos de armazéns às usinas.
Alguns governos estaduais anunciaram a redução do ICMS sobre o etanol, como já fez o governo paulista. A atuação da Frente Parlamentar sucroenergética é extremamente positiva e proativa e vem ajudando o setor nas negociações: o aumento da mistura se deve, em boa parte, a seu esforço. Todas as medidas referidas são bem-vindas, mas nenhuma delas melhora a renda do setor, nenhuma delas permite a retomada de investimento, nenhuma delas é saneadora.
Isso poderia começar a acontecer com o prometido aumento do preço da gasolina e com a possível volta da CIDE sobre a gasolina. Esse sim seria um começo de conversa, mas o aumento da gasolina foi um “parto da montanha”. E tampouco resolveria todas as questões, tampouco retomaria os investimentos represados há anos e que os produtores querem novamente.
É preciso muito mais. É preciso rediscutir o tema todo, montando uma estratégia clara para o futuro do setor. Nela, entrariam:
1. definição da matriz energética brasileira;
2. papel da agroenergia nessa matriz. A partir dessas premissas, a estratégia referida precisaria ser trabalhada, com a diferenciação tributária entre o etanol e a gasolina (a CIDE é a solução conhecida, porque compensa as externalidades do etanol: aquecimento global, saúde pública, geração de empregos e meio ambiente), e harmonização do ICMS nos estados.
Deveriam ser oferecidos estímulos ao desenvolvimento de motores a etanol hidratado, via Inovar-Auto. Os leilões de energia elétrica em cogeração devem ser diferenciados. Pode-se estudar até mesmo um Proer para o setor todo voltado à sua recuperação definitiva. Mas, antes disso, já poderia haver um modelo de financiamento para novas caldeiras destinadas à cogeração: isso mexeria com a indústria de base.
Produtores de cana poderiam receber financiamento para aquisição de máquinas agrícolas que enfardam a palha crua remanescente no campo após a colheita. E esses temas precisam ser harmonizados entre todos os agentes integrantes da economia da biomassa. Não apenas o governo e o parlamento, não apenas os produtores de cana e de açúcar, álcool e eletricidade, mas também a indústria automobilística, a indústria petrolífera, os distribuidores de combustíveis, o protecionismo dos países concorrentes, os exportadores de açúcar e álcool, uma vez que o setor açucareiro também será considerado nessa estratégia ampla.
E, por fim, a sociedade toda deve ser chamada para essa discussão, visto ser ela, em última instância, a grande beneficiária da energia renovável, limpa e ambientalmente correta, que ainda reduz nossa dependência de petróleo de fora. Só assim sairemos da crise, e a agroenergia brasileira voltará a representar uma ponte sólida na travessia para uma nova e mais equilibrada geopolítica global.