A corrida em direção a uma economia de baixo carbono é irreversível e urgente para alcançar o compromisso de limitar o aumento da temperatura média global em menos de 2 ºC, acima dos níveis pré-industriais, e de envidar medidas para restringir o aumento a 1,5 ºC. Tal compromisso, assumido pelo Brasil e mais 188 países no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, possui força mandatória em nossa ordem jurídica interna.
Desse modo, ainda que o Brasil seja, historicamente, referência no uso de fontes renováveis, a política energética brasileira continua sendo aprimorada, com vistas a reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE), bem como preservar a segurança energética, a partir do uso estratégico dos recursos nacionais. As empresas do setor de petróleo, inclusive, têm revisto suas estratégias e seus planos de negócios em virtude das restrições ambientais cada vez maiores no mundo, que impulsionam a redução do uso de combustíveis fósseis.
Nesse sentido, a visão estratégica dos mercados de combustíveis veiculares e de biogás, no médio e longo prazo, está alinhada ao planejamento do Ministério de Minas e Energia (MME), que tem como um de seus objetivos estratégicos formular políticas e viabilizar medidas para assegurar o atendimento pleno às necessidades inerentes ao suprimento de recursos energéticos.
O referido objetivo estratégico coaduna-se com iniciativas relevantes para o desenvolvimento do setor, como a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), instituída pela Lei número 13.576, de 26 de dezembro de 2017.
A lógica por trás do RenovaBio, que premia a produção mais eficiente, cria o cenário adequado para o aproveitamento de vários tipos de matérias-primas, com destaque para os resíduos de processos diversos. A produção de energia em larga escala a partir de resíduos, alinhada à redução de intensidade de carbono da matriz energética brasileira, é, sem dúvidas, o lugar aonde se quer chegar.
Isso porque esse tipo de energia possui mínima pegada de carbono e ainda contribui para outro enorme desafio brasileiro: a gestão de resíduos urbanos e da agropecuária. Devido à elevada produção agroindustrial, o Brasil possui o maior potencial de produção de biogás a partir de resíduos do mundo, como os provenientes da produção de etanol. A previsão de crescimento para o mercado de etanol é bastante acentuada. A oferta total do biocombustível terá progressão a uma taxa de 3,3% ao ano, alcançando 46 bilhões de litros em 2030, conforme projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Junto com esse crescimento acentuado, aumentam em igual proporção os resíduos do setor, como a vinhaça, a torta de filtro e a palha, que possuem enorme potencial para produção do biogás, a partir da digestão anaeróbica de matéria orgânica.
O biogás também pode ser proveniente de aterros sanitários, de lodo de esgoto e de biodigestores dedicados à digestão de resíduos orgânicos comerciais. Por sua vez, pode ser utilizado na geração de energia elétrica, cogeração e ainda purificado a biometano para injeção na rede de gás ou para uso veicular, em substituição à gasolina e ao óleo diesel.
O planejamento estratégico nessa direção vem sendo executado no Brasil. O programa Novo Mercado de Gás, que culminou na publicação da Lei 14.134, de 8 de abril de 2021, a Nova Lei do Gás, deu tratamento equivalente ao gás natural para qualquer gás que não se enquadre na definição legal, mas que atenda às especificações estabelecidas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Isso significa que o biometano, biogás purificado para uso combustível, enquadra-se e beneficia-se de todos os dispositivos da nova lei. Ainda no mesmo sentido, em março deste ano, o Governo Federal criou linhas de crédito para o mercado de biometano e instituiu o conceito de “crédito de metano” para incentivar investimentos no setor. O biocombustível foi também incluído no Regime de Incentivos Fiscais para o Desenvolvimento da Infraestrutura, o REIDI.
A inserção do biometano nesse regime contribui para a construção de novas plantas para a produção do biometano e, consequentemente, a instalação de corredores verdes para abastecimento de veículos pesados. O total de investimento previsto é superior a R$ 7 bilhões, com potencial de geração de 6.500 empregos na construção e operação das novas unidades.
Outro programa que consagra nossos potenciais e diferenciais competitivos é o Combustível do Futuro, que visa ao aumento na utilização de combustíveis sustentáveis de baixo carbono a partir da integração de políticas públicas afetas ao tema e do estímulo à inovação e ao desenvolvimento da tecnologia veicular nacional.
Por falar em diferencial competitivo brasileiro, o mercado dos combustíveis veiculares perpassa pela eletromobilidade. No Brasil, considerando a enorme expertise em agroenergia, os veículos movidos a célula combustível de etanol ou biogás certamente apresentam um grande potencial. A vantagem é que o Brasil já possui a infraestrutura de produção e distribuição do etanol consolidada, o que reduz a necessidade de investimentos para promover mudanças no sistema de abastecimento. O veículo híbrido também tem seu espaço garantido no leque de melhores opções veiculares no momento em que se busca, cada vez mais, melhoria de eficiência energética.
Por fim, não se pode deixar de pontuar a importância do processo de abertura do mercado de combustíveis em curso no Brasil. A Petrobras comprometeu-se, junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a vender oito de suas refinarias. Em 2021, a desconcentração do segmento de refino de petróleo avançou, reduzindo, de 99% para 82%, a participação da Petrobras
no refino. Com a conclusão do processo de desinvestimentos da Petrobras, espera-se que a participação da empresa alcance cerca de 50%, ampliando a competição no setor e consolidando um ambiente de negócios mais favorável à realização de investimentos em infraestrutura.
Dessa forma, o Governo Federal vem atuando, por meio da iniciativa Abastece Brasil, liderada pelo MME, no sentido de aprimorar o normativo regulatório do setor, tornando-o mais aderente ao novo cenário downstream, mais plural e dinâmico, tendo como pilares fundamentais a segurança jurídica e a previsibilidade, condições indispensáveis para os desejáveis investimentos em produção, armazenagem e movimentação de combustíveis.
A construção dessa nova estrutura contribui para o fortalecimento de alicerces, bem como para a integração e a complementação dos mercados de combustíveis fósseis e biocombustíveis, com vistas a suportar a demanda pujante do setor de transportes no médio e longo prazo e, ao cabo, proteger os interesses dos consumidores brasileiros, princípios e objetivos da Política Energética Nacional esculpidos na Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 (Lei do Petróleo).
Destarte, pode-se concluir que o mercado brasileiro de combustíveis veiculares continuará crescendo em bases sustentáveis. A integração de políticas públicas, direcionando a produção e o uso de biocombustíveis, cada vez mais eficientes na matriz de transportes, e o uso estratégico dos recursos energéticos nacionais certamente são peças fundamentais para manter o Brasil como protagonista internacional em bioenergia, contribuindo ainda para o desenvolvimento ambiental, econômico e social, a partir da redução das emissões de carbono, geração de riquezas, empregos, renda e oportunidades para o Brasil.