O conceito de uma planta ou instalação moderna está ligado a instalações, processos e tecnologias mais evoluídas, eficientes, com baixo risco tecnológico e economicamente viáveis. Não são necessariamente plantas que usam tecnologias disruptivas ou que acabaram de ser desenvolvidas.
Sempre existirão condições motivadoras para a implantação de tecnologias mais recentes, e todas são muito dependentes da conjuntura econômica e/ou da estratégia empresarial. Nesses últimos 40 anos, dos quais 29 no CTC - Centro de Tecnologia Canavieira, pudemos impulsionar o setor sucroenergético no aumento de eficiência, estudar e desenvolver novas tecnologias, algumas ainda não viáveis para implantação. Pude comprovar que as pesquisas atuais somente serão implantadas quando maduras tecnicamente e viáveis financeiramente; isso pode levar décadas, devido à longa vida dos equipamentos e à magnitude dos investimentos.
Nas décadas de 1980 a 2000, tivemos a primeira demanda para atualização tecnológica, a necessidade de a usina produzir vapor e eletricidade para o autoconsumo apenas com bagaço. A conjuntura da época era de alto preço do petróleo e perspectiva de falta de eletricidade. Todas as usinas trabalharam para adequar seu consumo de vapor, caldeiras, turbinas, entre outros, e se tornaram autossuficientes em combustível (apenas com o bagaço) e em eletricidade durante a safra.
Naquela época, o motivador foi o fantasma da falta de eletricidade. O governo já tinha perdido a sua capacidade de investir em infraestrutura, e a nossa economia estava em acelerado crescimento; as previsões de falta de energia eram altas, portanto as usinas não podiam correr o risco de ficar sem eletricidade e investiram na modernização. Naquela hora, a viabilidade econômica se tornou secundária. Essa onda de otimização nos levou a uma grande vantagem ambiental no balanço energético e de CO2, atingindo o índice de produção de 8 GJ de energia renovável para cada GJ de energia não renovável consumida, desde a lavoura até a produção industrial.
A partir dos anos 2000, as usinas já eram autossuficientes em energia, e o setor elétrico já estava em processo de desregulamentação e desestatização, e um novo fantasma apareceu: a falta de eletricidade devido à crise hídrica. Criou-se, então, a oportunidade para um novo produto: a energia elétrica.
Convém lembrar que a tecnologia utilizada no setor é do ciclo a vapor convencional (Rankine, desenvolvido no século passado), e já estávamos otimizados para esse ciclo na pressão de 22 bars. Aumentar a produção de eletricidade significa, necessariamente, aumentar a eficiência do ciclo térmico, com a elevação da pressão de vapor vivo acima dos 60 bars, aliada à melhoria de eficiência dos acionamentos mecânicos, à utilização de acionamentos elétricos para moenda e preparo de cana e demais equipamentos, à melhoria de eficiência no aproveitamento de vapor para o processo, à utilização de turbogeradores acionados por turbinas de múltiplos estágios, etc. O nível dessas otimizações depende da remuneração recebida pela eletricidade exportada, pois é ela que deverá custear esse investimento.
Também se iniciou o movimento para extinção gradativa das queimadas de cana, ficando a palha, agora, disponível no campo. Iniciaram-se, então, estudos para verificar o impacto da palha na lavoura e a oportunidade de seu recolhimento e utilização como combustível. O CTC, com financiamento parcial do Banco Mundial, e aliado a empresas da Europa, iniciou o estudo para uso da palha e do bagaço de cana para produção de eletricidade, o projeto BRA/96/G31. Esse projeto, único no mundo, gerou o maior número de dados sobre a recuperação e os impactos da palha no campo. A tecnologia de geração de eletricidade foi a do ciclo combinado, integrando o ciclo da turbina a gás (Brayton) com o ciclo a vapor (Rankine), denominado BIG-GT/CC (Gaseificação Integrada de Biomassa-Turbina a Gás/Ciclo Combinado).
Foram feitas todas as simulações de integração com a usina, testes de gaseificação de bagaço e palha em gaseificadores pilotos na Suécia e elaboração de um projeto básico para implantação de uma unidade de demonstração no Brasil, no início da década de 2000. A planta de demonstração não foi implantada, pois nenhum investidor se dispôs a correr o risco tecnológico dessa unidade, mesmo com o Banco Mundial propondo fornecer US$ 15 milhões (cerca de 20% do investimento do sistema BIG-GT) a fundo perdido, para reduzir o risco financeiro. O investimento total era da ordem de US$ 2.000/kW, e a remuneração mínima esperada pela eletricidade era de US$ 75/MWh. A tabela mostra uma comparação entre as tecnologias de geração de eletricidade e seus respectivos excedentes para venda.
Ao mesmo tempo, cresciam os estudos para implantação de plantas para produção de etanol de 2ª geração, o etanol celulósico. Esse processo usa o bagaço/palha como matéria-prima para a produção de etanol. Mudando a estratégia do projeto BRA/96/G31 e focando a recuperação de palha, o CTC montou um novo projeto, denominado Sucre, para incentivar o uso da palha como combustível para produzir maiores excedentes de eletricidade, ou como matéria-prima para a produção de etanol de 2ª geração, ou, ainda, para gaseificação e produção de biocombustíveis sintéticos. Quando o projeto foi aprovado, o CTC já se tinha transformado em uma S/A e não poderia mais liderá-lo; o Sucre foi transferido para o LNBR (Laboratório Nacional de Biorrenováveis), devendo se encerrar neste ano.
Resumindo, então: O que é moderno em utilidades hoje? Moderno, hoje, é produzir eletricidade, além do açúcar e do etanol. O aumento da produção de eletricidade está intimamente ligado à eficiência do ciclo térmico, à redução do consumo de energia térmica no processo e à disponibilidade de combustível complementar ao bagaço.
Infelizmente, algumas tecnologias mais avançadas, mesmo desenvolvidas há décadas, ainda não apresentam viabilidade técnico-econômica. Posto isso, podemos considerar como moderno a recuperação de palha e sua utilização como combustível, o ciclo a vapor com pressão acima de 65 bars, os turbogeradores de contrapressão e de extração com condensação, as caldeiras de leito fluidizado com precipitadores eletrostáticos, o acionamento elétrico das moendas e do preparo, o consumo de vapor de processo inferior a 400 kg/t cana, o sistema de biodigestão de vinhaça para produção de biogás e/ou eletricidade e o sistema de recuperação e reúso de condensados.
Nossa produção de eletricidade é renovável, distribuída, complementar à geração hidroelétrica, gera emprego e renda local e não recebe uma remuneração diferenciada por esses benefícios, tendo que competir em igualdade de preços com a produzida por fontes não renováveis.
Faltam políticas públicas que valorizem devidamente nossos produtos, incentivando a implantação de tecnologias mais modernas e as pesquisas por novas tecnologias.