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Jucelino Oliveira de Sousa

Presidente da Usina Coruripe

Op-AA-46

O consumidor esse ilustre desconhecido
O etanol, depois de anos de ostracismo e queda nas vendas, voltou finalmente ao noticiário, não necessariamente pelas suas externalidades positivas (vantagens ambientais, auxílio à balança comercial, indutor de desenvolvimento no campo, etc.), mas sim como alternativa de solução para o crescimento incontrolável das importações de gasolina, para auxiliar as contas públicas e para melhorar a saúde financeira da Petrobras. Ou alguém acredita que os recentes aumentos de preço da gasolina e a volta da Cide foram para ajudar o setor?

O retorno da paridade com a gasolina, principalmente em MG, onde houve a redução do ICMS do etanol hidratado, catapultou o consumo, trazendo a demanda para patamares nunca antes vistos na história desse País. Infelizmente, o dogma existente era que bastava a paridade na bomba para resolver o problema do etanol; isso se tem mostrado falso, pois, mais importante que o market share (participação de mercado) do etanol no total das vendas de combustíveis do ciclo Otto é o profit share (participação nos lucros), e, nesse aspecto, o setor tem tomado um verdadeiro 7x1 dos demais elos da cadeia de comercialização.

Muito pouco ou quase nada se aproveitou dos aumentos de preço da gasolina, e, sem margens positivas, o setor não vai sair do atoleiro. Os aumentos de preços realizados pela Petrobras, a redução do ICMS em alguns estados e a volta da Cide não significaram aumentos de margem para as usinas, basta se observar o comportamento do índice Esalq na safra 2015/2016 comparativamente à safra 2014/2015: vendemos nessa safra em níveis inferiores ao da safra passada.

Nesse “cabo de guerra” entre usinas e distribuidoras, prevaleceu a força das distribuidoras, que aproveitaram a oportunidade para renegociarem os contratos de anidro, reduzindo o prêmio sobre o hidratado, e alinharem as margens do hidratado com as que eram praticadas na gasolina, ou seja, para as distribuidoras e para os postos, a troca da gasolina pelo etanol na preferência dos consumidores foi vantajosa, pois passaram a ter as margens parecidas, em números absolutos, num produto que custa menos e que exige menor investimento em capital de giro (os prazos praticados pela Petrobras na venda de gasolina não passam de 8 dias, e o custo financeiro é altíssimo).

 
As razões pelas quais o setor não consegue reter as margens quando as oportunidades aparecem são conhecidas: poucos compradores e muitos vendedores; frágil situação financeira das usinas, o que exige que se venda o almoço para comprar o jantar; falta de linhas para financiar o carrego do estoque; vários agentes ofertando o mesmo produto (em alguns momentos, existe mais produto ofertado no mercado que a quantidade fisicamente disponível); quase nenhuma interação com o consumidor; e uma estratégia baseada exclusivamente em preço. 
 
Alguns podem alegar que incentivar o consumo era importante e que o preço já começou a subir, verdade, mas quem realmente está aproveitando essa subida de consumo? O aumento dos preços no momento e na entressafra está mais ligado à perspectiva de escassez de produto do que pelas oportunidades que foram criadas. Apenas as (poucas) empresas muito capitalizadas aproveitarão esse momento; as demais ficarão chupando o dedo e ainda terão que escutar do consumidor e dos veículos da imprensa que nunca se ganhou tanto dinheiro como agora com etanol e que todos os problemas do setor foram resolvidos.

Quase tive um troço ao assistir recentemente a uma matéria num telejornal onde se falava que, depois do último aumento da Petrobras, várias usinas fechadas irão reabrir; só podia ser brincadeira, e de muito mau gosto, ou alguém acredita que a solução de nossos problemas estava em 6% de aumento de preço na gasolina?

 
O setor precisa despertar para o fato de que o consumidor não compreende essa volatilidade de preços, ele não associa o etanol aos demais produtos agrícolas, como tomate ou batata, que sobem de preço na entressafra; ele associa o etanol à gasolina, que sobe de preço uma vez por ano e cujo percentual de aumento é anunciado no Jornal Nacional. Esse sobe e desce de preços é interpretado como especulação, ganância dos empresários do setor, sendo penalizado da forma mais cruel possível: a infidelidade do consumidor e o seu desprezo pelo segmento. Precisamos mirar o consumidor, trazê-lo para o nosso lado, conquistar sua mente e seu coração, buscar mecanismos que tragam estabilidade de preços e que possam transmitir o real valor agregado de nosso produto.

Para isso, precisamos também refletir que são as distribuidoras as donas das prateleiras para a venda de nossos produtos, no caso, os postos de combustíveis. No modelo vigente, nós, usinas, não temos como chegar ao consumidor diretamente sem a ajuda desse elo importante da cadeia, portanto precisamos quebrar paradigmas que colocam usinas, distribuidoras e postos em lados opostos e pensar em soluções que criem sinergias que possam ser capturadas por todos os agentes.

 
Sem dúvida, existem diferenças de difícil conciliação entre os dois lados – dividir a margem integral da cadeia é a principal delas –, porém, hoje, tenho certeza, existem muito mais afinidades do que diferenças. Penso que, uma vez que nos organizarmos melhor comercialmente e os pontos convergentes forem tratados dentro de uma agenda positiva de discussões, poderemos sim chegar à conclusão de como remunerar de forma justa toda a cadeia, visando não apenas garantir o crescimento da demanda, mas também trazer benefícios ao consumidor.

Focar apenas em preço, apesar de reconhecer a força avassaladora dessa variável, considero uma visão míope e não sustentável. Alguns exemplos de cooperação: as campanhas publicitárias enaltecendo os benefícios do etanol poderiam ser feitas em conjunto com as distribuidoras; promoções específicas para o produto poderiam ser desenvolvidas pelos dois lados, utilizando-se melhor a comunicação no ponto de venda; atualmente, quase todas as distribuidoras possuem programas de fidelidade, os quais poderiam dar um tratamento diferente ao etanol; a simples disposição das bombas no layout dos postos, preferenciando o etanol, já traria impactos no consumo; a venda de etanol com prazos diferenciados, através de parcerias com as operadoras de cartão de crédito, também é uma alternativa. 

 
Quanto ao que compete às usinas, poderíamos auxiliar ainda mais no combate à sonegação no etanol hidratado que, diga-se de passagem, já caiu drasticamente nos últimos anos; na solução dos entraves logísticos; na melhor utilização da infraestrutura de armazenagem e nas garantias de suprimento. Resumindo: além de uma política energética de longo prazo, maiores incentivos ao consumo nos estados produtores, investimentos em tecnologia, melhoria da logística e aumento da produtividade por parte das usinas. Acredito fortemente que uma das alternativas para a recuperação do setor passa também por uma relação mais moderna e parceira entre a indústria, no caso as usinas, e o varejo, no caso as distribuidoras e postos. 
 
Muito se fala num imposto ambiental para os combustíveis fósseis, e o aumento da Cide tem sido a principal bandeira do setor. Ela é justificável e necessária, desde que realmente represente melhoria nas margens do segmento, pois, aparentemente, a demanda atual e futura não deverá ser o nosso principal problema. Criar condições para capturar as margens sem sobressaltos de preço é o nosso grande desafio. Continuar da forma atual, suprindo essa demanda crescente, com margens negativas durante a maior parte da safra e pela maior parte das usinas em operação no País, só tem um significado: o imposto ambiental já existe no Brasil, porém só quem paga são as usinas.