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Plinio Mário Nastari

Presidente da DATAGRO e do IBIO Instituto Brasileiro de Bioenergia e Bioeconomia

OpAA68

O potencial do açúcar e os biocombustíveis sustentáveis
A produção mundial de açúcar se concentra cada vez mais no Brasil e na Índia. Entre 2014/2015 e 2020/2021 (out/set), a participação combinada de Brasil e Índia na produção mundial passou de 36,7% para 42,5%, sobre uma produção mundial de 183,53 milhões de toneladas, ou, respectivamente, 43,9 e 34,1 milhões de toneladas de açúcar cru equivalente. 
 
No que tange a exportações, o Brasil exportou 32,13 milhões de toneladas (tel quel) para um mercado livre mundial estimado em 54,6 milhões de toneladas, o que equivale a uma participação dominante de 58,85%. Em 2020/2021, a Índia, segundo maior exportador, deve exportar um total de 7,1 milhões de toneladas, enquanto a Tailândia deve ficar restrita a 3,9 milhões de toneladas, em função do clima adverso e a redução de área cultivada pela competição com mandioca.

O açúcar é um mercado que podemos considerar maduro. Há cerca de 20 anos, o consumo mundial crescia a uma taxa anual de 2,3%, impulsionado pela urbanização e crescimento da população jovem, principalmente na Ásia e oeste da África. No entanto vários fatores, como a competição com edulcorantes sintéticos e a redução de consumo em mercados consolidados pelas alegações, até hoje, sem comprovação científica, de uma infundada conexão entre o consumo de açúcar e obesidade, tiveram o efeito de reduzir a taxa de crescimento do consumo mundial para níveis abaixo de 1%. Nos primeiros 12 meses da pandemia por Covid-19, o consumo mundial caiu 2,1%, pela redução no acesso a restaurantes e lanchonetes e, portanto, à consequente redução no consumo de alimentos e bebidas industrializadas.

Na área do etanol, a produção se mantém historicamente concentrada nos EUA e Brasil, com 58,2 e 32,5 bilhões de litros, respectivamente. Embora, com esse volume, o Brasil esteja substituindo 48% de sua gasolina por etanol, nos EUA, a substituição ainda é de 9,9%. No entanto essa produção começa a mostrar sinais de crescente desconcentração com a expansão da produção de etanol em países como Tailândia, Índia, Paquistão, Argentina, Colômbia e Peru.

Ao mesmo tempo, se abrem perspectivas para que, nos EUA, seja crescentemente adotada a mistura de 15% de etanol na gasolina e, no Brasil, com o RenovaBio, o atingimento das metas de descarbonização aprovadas até 2030 sinalizem uma expansão da produção de etanol para entre 48 e 50 bilhões de litros até esse horizonte.

Com uma visão ampliada, o que se pode prever em relação ao potencial do mercado para o etanol e os biocombustíveis em geral? Em primeiro lugar, a constatação de que a meritocracia implementada pelo RenovaBio, que premia o esforço individual de cada produtor de biocombustível por sua eficiência energético-ambiental, está induzindo produtores a aproveitarem de forma mais intensiva a energia da cana-de-açúcar e a produtividade que ainda se pode extrair dela.

Mais cogeração de bioeletricidade e novas rotas de diversificação, como a produção de biogás e biometano, para geração de eletricidade e substituição de óleo diesel em caminhões, tratores e colhedoras, etanol de segunda geração e bagaço e palha em pellets para aumentar a viabilidade do seu transporte a longas distâncias, abrindo espaço para que substitua energia fóssil, principalmente carvão mineral, em termoelétricas, são iniciativas que devem tomar corpo, aumentando a renda gerada com a cana, reduzindo, no médio e longo prazo, o custo do açúcar e do etanol, o que beneficiará principalmente o consumidor.
 
Mas o mundo busca não só mais eficiência energética como também meios de reduzir emissões relacionadas ao aquecimento global. Nesse sentido, uma importante direção foi indicada na COP23, em Bonn, quando, em novembro de 2017, dezenove países alinhados na Plataforma para o Biofuturo e com a adesão da Agência Internacional de Energia (IEA) e da IRENA, Agência Internacional de Energias Renováveis, emitiram uma importante e seminal Declaração de Visão.
 
Essa Declaração, resumidamente, indica que, para que seja atingido o objetivo de limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius – o “2-degree scenario” –, é mandatório que, até 2030, a proporção da bioenergia na demanda global de energia duplique em termos percentuais e a proporção da produção e o uso de biocombustíveis sustentáveis na demanda total de combustíveis, incluindo terra, mar e ar, triplique. Adicionalmente, a Declaração indicou que esse objetivo ambicioso seria atingível com práticas agrícolas apropriadas e políticas públicas indutoras que permitam o atingimento dessas metas.
 
Em termos práticos, essa meta foi detalhada pela IRENA, que indicou a necessidade de que a produção e o consumo de biocombustíveis produzidos de forma sustentável, hoje, principalmente etanol e biodiesel, passe do atual patamar de 130 bilhões de litros por ano para 500 bilhões de litros por ano até 2030 e para 1.120 bilhões de litros por ano até 2050.

Essa Declaração deixa claro o papel extraordinário reservado para a bioenergia e os biocombustíveis produzidos de forma sustentável e o senso de urgência que existe no meio científico e no da formulação de políticas públicas em relação a esse tema. Não por outro motivo, Fatih Birol declarou, já algumas vezes, que a bioenergia é a grande fonte de energia negligenciada no mundo.
 
Mas, para que esse potencial seja atingido sem distorções, é fundamental que estejam implantadas políticas como as definidas no âmbito do RenovaBio. A certificação de biocombustíveis pelo RenovaBio precisa obedecer a um critério rígido de elegibilidade, que é o desmatamento zero. Isto é, a produção de biocombustível certificada não pode advir de matérias-primas produzidas em áreas que foram objeto de desmatamento. Esse critério garante que a produção de biocombustíveis certificada não está relacionada a desmatamento.

A indicação de que é possível, desejável e necessária a expansão da bioenergia e dos biocombustíveis sustentáveis é importante por ser considerada escalável e replicável em vários países, por representar uma fonte de energia acessível aos consumidores, utilizando uma infraestrutura de armazenamento e distribuição já existente, por não depender da extração de minerais raros ou preciosos para a produção de baterias e por viabilizar a eletrificação com biocombustíveis, através dos veículos híbridos em paralelo e em série e, no futuro, as células a combustível.

Os biocombustíveis produzidos de forma sustentável irão, crescentemente, aumentar a conexão entre a produção de açúcar e de energia, na forma de etanol, bioeletricidade e biogás-biometano. No futuro, o etanol e o biogás serão utilizados para a produção de bioquerosene, viabilizando o seu uso crescente na aviação. O elevado conteúdo de hidrogênio do etanol e do biometano significa que, com os biocombustíveis sustentáveis, já estamos na Era do Hidrôgenio.

Não o hidrogênio produzido e armazenado em caros e arriscados tanques de alta pressão, mas hidrogênio envelopado na forma de biocombustíveis de elevada concentração, como o etanol, o biodiesel e o biogás-biometano. Fazendo isso com uma atividade que não encontra barreira tecnológica à entrada, geram-se emprego e renda descentralizados e se resolvem simultaneamente os dois maiores desafios da humanidade: o aquecimento global e a crise do emprego.

Por esses motivos, acredito que o mercado de etanol e de açúcar ainda vai expandir consideravelmente em todo o mundo, e o que precisamos é estender a compreensão sobre esse potencial e essa viabilidade para outros países. Não necessariamente para exportar produto, até porque o Brasil estará, por muito tempo, ainda ocupado com o atendimento do seu próprio mercado interno. Mas expandir para outros países o conceito e a compreensão sobre a viabilidade e as vantagens da sua adoção, superando os preconceitos e falhas de entendimento que tem impedido a sua adoção em maior escala.