Me chame no WhatsApp Agora!

José Maria Ferreira Jardim da Silveira

Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental da Unicamp

Op-AA-17

Os impactos econômicos da biotecnologia na cana

Apontar os principais impactos econômicos da biotecnologia no cultivo da cana-de-açúcar poderia ser apenas um exercício de projeção, que certamente tomaria como referência os significativos impactos já verificados nos cultivos de soja, milho, algodão e canola, obtidos com a difusão de eventos da moderna biotecnologia (no caso, transgênicos).

São impactos na redução de custo de produção dessas culturas (de 3 a 15% na maioria dos casos), a melhoria do planejamento e manejo da produção, a redução de emissões de CO2 e o menor uso de inseticidas (com grande impacto no caso do algodão). Os impactos das tecnologias já disponíveis – ainda que tenham que ser desenvolvidas para a cana - já justificariam a importância da pesquisa com biotecnologia na cana e com as medidas de biossegurança requeridas para sua liberação ambiental.

A própria redução das emissões de CO2 já poderia ser utilizada para modificar os parâmetros de organizações como o Instituto de Investigações sobre Políticas Alimentarias e Agrícolas - FAPRI, e o International Food Policy Institute - IFRPI, da FAO, atenuando o caráter negativo de suas projeções, em relação à expansão da produção de álcool para uso como biocombustível.

Todavia, pode-se mostrar que a discussão atual é mais ampla do que isto: já estamos em uma corrida tecnológica, em que, até o momento, somos a referência mundial e, por isso mesmo, sofrendo com medidas concretas que, se há pouco estavam localizadas apenas no campo do protecionismo agrícola, passaram para o campo das estratégias competitivas.

Contra elas, apenas o endurecimento diplomático do Brasil nas rodadas internacionais em favor da liberalização agrícola, o que é fundamental, mas não suficiente. Um economista olharia para os gastos dos países desenvolvidos com subsídios para biocombustíveis, em torno de US$ 15 bilhões/ano, e argumentaria em favor do livre comércio. As incongruências do liberalismo econômico dos países centrais há muito nos atingem.

Entretanto, o fato é que a manutenção do programa do etanol de milho, com baixa competitividade (custos quase três vezes superiores ao do etanol brasileiro) e subsídios, deve ser vista como parte de uma estratégia de longo prazo. Nela, entram não apenas outras gramíneas, switch grass e miscathus, mas também o uso de resíduos industriais e agrícolas, por meio da hidrólise ácida, e a busca de aumento da produtividade do próprio milho.

Sendo a  matéria-prima mais de 50%  e até 70% do custo da produção dos biocombustíveis, está clara a importância estratégica do aumento da produtividade da agricultura.  A percepção por parte de nossos concorrentes de que nos acomodamos, ou pior, de que não poderemos avançar mais, seria desastrosa. Nos modelos de avaliação de impacto das citadas organizações internacionais (FAPRI e IFPRI), curiosamente, a expansão do cultivo de cana invade as áreas de floresta tropical e a expansão do milho para a produção de etanol, nos EUA, não seria causador de tanto impacto sobre as emissões de CO2.

Mesmo respeitando a seriedade – inquestionável – dessas instituições de pesquisa, fica claro que a vigilância sobre os passos do Brasil já é severa e que, nos embates diplomáticos, o campo simbólico conta para gerar embargos e justificar taxas absurdas – como a de US$0,54/galão de álcool exportado para os EUA. Neste cenário, não basta mostrar que a sincronização da alta dos preços de produtos agrícolas e dos preços da energia tem no programa do etanol de milho uma das causas principais.

É preciso apontar claramente para a possibilidade de manter o aumento da participação de biomassa na matriz energética (crescente, a partir de 1975), sem significativas elevações de custos, com redução das emissões de CO2 e com baixa pressão sobre as áreas dedicadas ao cultivo de alimentos. Em que campos a biotecnologia pode atuar?

Em primeiro lugar, é clara sua importância para as culturas que potencialmente poderiam ser deslocadas pelos cultivos energéticos. Os cenários internacionais devem passar a incorporar os efeitos da biotecnologia agrícola sobre os cultivos de grãos. Recentemente, Kim Anderson, do Banco Mundial, mostrou que a difusão do cultivo de algodão transgênico resistente a insetos na África e Ásia (China e Índia) deslocaria áreas de cultivo nos EUA.

Em segundo, claramente pode atuar no aumento da flexibilidade para o cultivo de cana, cujas variedades ainda têm suas características ligadas ao objetivo de produção de açúcar. A geração de variedades de cana para produção de energia é fundamental. Também o é a adaptação a diferentes condições climáticas.

Nas análises do impacto do aquecimento global, não se leva em conta que a substituição de cultivos gera áreas para o cultivo da cana. Incorporar fatores de maior resistência à seca é outra área de investigação relevante. Em terceiro, é óbvia a importância no aumento da produtividade. A meta é passar de 6.000 litros de álcool, para 9.000 litros, por hectare, o que só pode ser conseguido pela combinação de ciência básica e de métodos que acelerem o processo de melhoramento genético.

Há uma corrida internacional pela bioenergia. No Brasil, até o momento, há ações coordenadas, no sentido de promover parcerias público-privadas, que criem um corpo sólido de conhecimento e de mecanismos de sua apropriação estratégica. Somos capazes de gerar novos genes e colocá-los no contexto de um amplo programa competitivo, em um campo em que já somos competitivos. Usando a figura criada por economistas, ainda podemos figurar como “cão que morde” e não apenas “cão que ladra”, para evitar que, em um futuro próximo, fiquemos felizes em acomodar, como um gato gordo, os investimentos tecnológicos internacionais no Brasil.