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Plinio Mário Nastari

Presidente da Datagro

Op-AA-30

Perspectivas

O setor sucroenergético cresceu muito nessas últimas décadas, com a diversificação em direção ao etanol. No período de 1975-76 para 2010-11, a escala de processamento de cana industrial passou de 68 para 620 milhões de toneladas (Mton); a oferta de ATR passou de 7,1 para 86,9 Mton; a produção de açúcar se multiplicou por 5,5 vezes, passando de 5,9 para 38 Mton, e a de etanol cresceu 48 vezes, passando de meio bilhão para 27,4 bilhões de litros. Em 1975, o Brasil exportava 1,2 Mton de açúcar, dedicando 17% da cana produzida. No ano passado, esse percentual dobrou para 31%, mas o volume subiu para 28 MT, representando 53% das exportações mundiais.

O etanol foi o primeiro passo concreto na diversificação da indústria brasileira de cana-de-açúcar. No que se refere ao mix de produção açúcar-etanol, as variações têm sido relevantes. No ano passado, cada 1% de variação representou 828 mil ton de açúcar, ou quase 500 milhões de litros de anidro equivalentes. Esse processo de diversificação trouxe uma conquista inigualável para o Brasil, que é a capacidade de ele arbitrar mercados de acordo com os preços relativos de açúcar e álcool.

O crescimento de produção da cana pode ser dividido em dois momentos. Passou de 68 para 321 Mton até 2002, e daí até 2010, saltou para 620 Mton. Esse segundo movimento ocorreu pela constatação de que o Brasil era imbatível em termos de custo de produção.  Em 2002, o custo de produção FOB do açúcar cru a granel equivalente era 5,5 cents de dólar. O segundo colocado no ranking era 12,1. Hoje, o custo de produção é de 21,5 cents por libra-peso, e há países com custos menores.

A principal causa disso é o câmbio, além dos aumentos de custo real de mão de obra, operações agrícolas, perdas na colheita mecanizada e custos de insumos. A produção do Brasil vai continuar crescendo, mesmo não sendo o país mais competitivo, basicamente porque mantém a vantagem de continuar arbitrando mercados, que é uma possibilidade ímpar conquistada pela diversificação.

Devido ao compartilhamento do crescimento e pelas incertezas relacionadas à competitividade, houve uma redução do número de novos projetos de usinas. Somam-se a esse problema todas as vicissitudes enfrentadas nesta safra pelos efeitos do atraso no desenvolvimento fisiológico da cana colhida; do pisoteamento e da compactação de solos advindos da colheita no final da safra de 2009-10; da seca prolongada observada neste ano; do florescimento precoce; da perda de rendimento; do aumento de fibra; da geada.

A estratégia de diminuir o ritmo de moagem, natural nessas circunstâncias, precisou ser adiada para que fossem colhidas a cana florescida e a cana geada.

Somam-se também as infestações de pestes, que saíram, em algumas regiões, dos aceitáveis níveis de até 1,5% para 15%. Os Sphenoforus, antes circunscritos a Piracicaba, se disseminaram por todo o estado de São Paulo. O Migdolus, típico do Pontal do Paranapanema, começou a aparecer em quase todos os lugares. A ferrugem alaranjada afetou as áreas onde as variedades suscetíveis têm uma participação elevada.

Perdas relevantes aconteceram na colheita mecanizada, pelo aumento das áreas sistematizadas, gerado pela falta de treinamento de pessoal, elevando os custos de CCT (corte, carregamento e transporte da cana). A curva de rendimento agrícola desta safra é decepcionante. Há também a considerar o baixo rendimento industrial, agravando o problema de oferta de ATR. Por todos esses motivos, os custos têm se mantido em patamares mais elevados que os dos anos anteriores, refletindo nos preços do anidro, do hidratado e da curva futura de preços dos contratos da BM&F. 

Mas precisamos evitar a elevada sazonalidade de preços que ainda existe, que causa desconforto para produtores, distribuidores e consumidores. Hoje a prioridade é agrícola, Esse setor tem uma capacidade industrial de quase 700 Mton de cana, 620 no Centro-Sul e 72 no Norte e no Nordeste, e tem moagem estimada entre 490 e 510, e 67, respectivamente. Temos um gap de cana entre 120 e 140 Mton, que deve receber atenção.

Embora o foco seja agrícola neste momento, por conta da demanda em expansão do açúcar e do etanol nos mercados interno e externo, dentro de três ou quatro anos, será necessária uma capacidade adicional de moagem. Este é o momento de se planejar essa expansão.

Nesse cenário, precisamos reconhecer a importância desse enorme patrimônio constituído pela frota flex, que é uma esponja capaz de absorver grandes volumes de sacarose, desde que os preços relativos assim o permitam. A frota flex é um sumidouro de sacarose, um sugar sink, capaz de regular o mercado, fazendo com que o Brasil seja o elemento regulador pela diversificação e por essa frota.

Em 2020, cada 10% de variação na proporção da frota flex que esteja utilizando etanol vai gerar uma variação de demanda de 7 bilhões de litros, o  equivalente a 11,3 Mton de açúcar, fazendo com que o açúcar esteja, de forma definitiva, umbilicalmente ligado ao mercado de energia – de etanol, gasolina e petróleo.

O risco, nesse momento, é que, caso a oferta de cana e a capacidade de moagem não cresçam o suficiente, podemos ter o uso do etanol caminhando para uma crescente anidrização, como ocorreu na década de 1990, com o lento sucateamento da frota a álcool. Se isso acontecer, estaremos perdendo, como nação, a oportunidade de promover desenvolvimento descentralizado, crescimento da renda, substituição de importações.

Fizemos três simulações com a demanda de ATR por segmentos até 2010 e qual seria a projeção dessa demanda até 2020, para diferentes cenários da proporção da frota flex que esteja eventualmente utilizando etanol hidratado. Com 20% de frota flex usando etanol até 2020, a necessidade de cana no Brasil passa a ser de 960 Mton; considerando a produção deste ano, precisamos crescer 400 Mton. Temos oito anos para fazer isso.

Com 50% da frota flex usando etanol, a necessidade seria de 1,2 bilhão de ton. E, com 80%, seria de 1,43 bilhão de ton. Considerando 50% como referência, os usos estariam distribuídos dessa maneira: 13 Mton de ATR para o açúcar doméstico; 43 para açúcar de exportação; 70 para o etanol hidratado; 13 para o etanol anidro combustível; 8 para etanol de outros usos e 28 para o etanol de exportação, que, na verdade, é uma premissa bem conservadora, assumindo uma exportação para os EUA de apenas 12 bilhões de litros, que têm um demanda legislada de 136 bilhões de litros e um limite de 57 bilhões de litros para o etanol de milho.

Qual é o problema? O que determina o percentual que vai para etanol ou para açúcar é o preço da gasolina. Tendo como referência o preço mundial, vemos o quanto está incorreto o preço da gasolina definido pelo governo, que, de
seu lado, não demonstra estar disposto a sacrificar a meta de inflação. Seria uma missão complicada pedir ao governo corrigir o preço da gasolina.

Então, o problema é incentivar o consumidor de etanol, sem ferir a meta de inflação, e, ao mesmo tempo, reconhecer que o Brasil conquistou essa condição ímpar de ter um combustível extraordinário, limpo, renovável, que gera tantas vantagens para o País, sem causar uma distorção muito grande.

Uma possibilidade seria dar um crédito ao consumidor por utilizar combustível renovável, dentro dos princípios da nota fiscal paulista. Outra seria a criação de um imposto sobre carbono, com medida temporária, reconhecendo as externalidades positivas que o etanol possui. Temos que adotar medidas criativas que não atrapalhem a participação que o Brasil tem no mercado mundial, porque nossos concorrentes estão prontos para acusar o Brasil de criar medidas distorcidas de comércio.

A imagem do setor no governo não é boa, embora tivesse razões para ser o contrário. A cana ocupa 8,7 milhões de hectares, o milho, 14,4, e a soja, 21,3. Considerando o Valor da Produção Agrícola (VPA) de todas as culturas, entretanto, a cana é a que mais gera renda, com 20,3%, enquanto a soja gera 17,6% e o milho 11,7%. Se considerarmos o valor da cana transformada em açúcar e álcool, esse VPA salta para 29,4%.

Além da renda, a cana teve um papel fundamental de complementação da oferta de combustíveis líquidos, representando, desde 1975, 2,1 bilhões de barris de gasolina equivalentes. Considerando que as reservas do Brasil, antes do Pré-Sal, eram de 13,5 bilhões de barris, esses 2,1 representam, portanto, quase 16% das reservas do País. Pelo preço no mercado mundial, o valor dessa gasolina substituída foi de US$ 261 bilhões, o que representa 75% das reservas internacionais do Brasil, tida como a âncora de salvação do País na turbulência financeira.

Não é possível que as autoridades do Brasil não se sensibilizem com essa informação.  O estabelecimento de políticas adequadas permitirão fazer com que o Brasil consiga ser líder e referência mundial aos países que podem utilizar a cana como a matéria-prima principal na agricultura energética. Aprendemos a fazer isso nesses últimos 25 anos.