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Flávio Soares Damico

Diplomata, Chefe da Divisão de Agricultura do Ministério das Relações Exteriores

Op-AA-04

Barreiras ao etanol brasileiro no mercado americano

Não constitui exagero ou “patriotada” afirmar que a situação do Brasil em termos de balanço energético é invejável. Na área de combustíveis fósseis, aproximamo-nos da auto-suficiência em petróleo. Começamos também a usar, em escala crescente, o gás natural, abundante, não só no Brasil, como também em países vizinhos. No que concerne às fontes de energia elétrica, encontram-se cheios os reservatórios das represas e amadureceram os investimentos contingenciais em energia termelétrica.

Como resultado, os leilões de “energia velha” apontaram preços cadentes para o consumidor. No entanto, em nenhum outro setor as perspectivas são mais otimistas que no setor de biocombustíveis. Graças à visão dos planejadores do Proálcool nos anos 70, por ocasião da primeira crise do petróleo, o Brasil possui hoje um setor sucroalcooleiro amadurecido que domina as tecnologias de produção do etanol em todas as fases de seu processo produtivo, do aperfeiçoamento das sementes de cana à indústria de bens de capital para o setor.

Atualmente, já há a percepção consolidada que a economia do petróleo tem algum fôlego, mas o período de energia barata decididamente tem seus dias contados. Igualmente, o papel do etanol também se encontra consolidado como forma complementar de energia que poderá estender o ciclo do petróleo. Por último, mas não menos importante, a adição do etanol à gasolina tem importantes efeitos ambientais positivos, em termos de redução dos efeitos poluentes dos gases expelidos pelos motores de combustão.

Assim, a difusão do etanol constituiria uma contribuição importante para o alcance das metas de redução dos gases de efeito estufa do Protocolo de Kyoto. A etapa fundamental para o desenvolvimento de um mercado global para o etanol seria a adoção de marcos regulatórios nos principais mercados internacionais potenciais, como os EUA, UE e Japão.

Sem dúvida, a exitosa experiência brasileira constitui importante incentivo, bem como os preços ascendentes do petróleo. Nos EUA, vários estados adotaram leis nesse sentido, enquanto um Energy Bill continua em consideração pelo Congresso. Situação similar dá-se na UE, pois a Suécia foi pioneira na adoção de regulamentos para adição de etanol à gasolina, mas ainda se encontra sob exame a normativa comunitária a respeito.

Também o Japão prepara-se para expandir o seu experimento, com vistas a incrementar o percentual de etanol adicionado à gasolina. No caso europeu, as hesitações parecem estar vinculadas ao setor açucareiro, importante lobby agrícola, que tenciona poder redirecionar sua produção para o etanol, ainda que seus custos sejam muito elevados – 0,42 €/litro, contra 0,15 €/litro no Brasil.

Igualmente, questões de soberania energética parecem informar o pensamento europeu, conforme assinala relatório apresentado ao parlamento francês: “é fora de questão desestabilizar a produção nascente de biocombustíveis necessária para garantir a autonomia energética da Europa”. Na realidade, durante a era do petróleo jamais existiu uma autonomia energética européia.

Nos EUA, a situação não é melhor. O país, juntamente com o Brasil, é o maior produtor de etanol do mundo. Nesse sentido, viabilizar a produção local do produto é prioridade da política agrícola dos EUA, ainda que os custos de produção sejam 60% superiores aos do Brasil. Recente estudo da Embaixada do Brasil em Washington aponta que, desde o início dos anos 80, o acesso do etanol brasileiro ao mercado norte-americano foi limitado.

Em 1978, foram introduzidos incentivos fiscais à mistura do etanol à gasolina e atualmente correspondem a um crédito fiscal de 51 centavos de dólar por galão, concedido por restituição de imposto de renda às refinarias e distribuidores, que fazem o blend do etanol doméstico ou importado com a gasolina. Em 1980, para limitar o incentivo fiscal apenas à produção doméstica, foi instituída uma tarifa especial de importação de etanol, no valor de 14,27 centavos por litro, ou 54 centavos de dólar por galão, cancelando com isso, o subsídio ao produto importado.

Em decorrência da concessão do crédito, aumentou-se a competitividade da produção doméstica frente ao etanol importado. Assim, o preço de mercado do etanol nos EUA situa-se em torno de US$ 1,05-1,40, por galão. Como resultado, as importações caíram substancialmente, representando menos de 7% do consumo interno em 2003. Na realidade, por força dos subsídios internos, o etanol importado só é competitivo em regiões costeiras - Califórnia e Nova York, em função do elevado custo de transporte por caminhões da produção originária do Meio-Oeste norte-americano.

Ainda assim, em 2004, mesmo pagando o direito específico temporário de 54 centavos/galão, mais alíquota ad valorem de 2,5%, o Brasil foi o maior exportador para os EUA, com 90 milhões de galões. Afora diferenças no tipo de matéria-prima para a produção do etanol, as circunstâncias do Brasil e dos EUA são muito parecidas – amplos mercados domésticos, com enorme potencial de crescimento e que servem de plataforma para a produção de excedentes exportáveis.

Assim, interessa aos dois países a criação de um mercado internacional de etanol com o potencial de acomodar os dois grandes produtores. Seria de todo indesejável ao Brasil que a produção do etanol viesse a dar continuidade às características da produção de açúcar em países desenvolvidos – elevados subsídios e barreiras ao acesso a mercados. Com justa razão, a questão do etanol recebe atualmente alta prioridade no diálogo entre as autoridades brasileiras e norte-americanas.