Pesquisador do CTC
Op-AA-32
Se o mundo moderno, que se consolidou ao longo do século passado, é considerado consequência das ideias e inovações tecnológicas da Revolução Científica do século XVII e da Revolução Industrial do século XIX, chegamos à segunda década do século XXI experimentando o início de novo ciclo de desenvolvimento tecnológico e em meio ao fenômeno da globalização em todos os setores.
Vivemos mudanças de conceitos, especialmente, quando se trata da exploração econômica dos recursos naturais. Seria nova etapa do capitalismo, que exige, cada vez mais, melhor aproveitamento dos recursos naturais da Terra, por causa do crescimento geométrico do número de habitantes/consumidores.
No Brasil, por exemplo, a classe C já é considerada a maioria. Uma classe que se define não tanto pelo salário, mas pelo consumo. Isso significa que nunca consumimos tanto no Brasil como no resto do mundo.
Segundo os últimos levantamentos, a população do globo aumentará, nos próximos anos, para 9 a 10 bilhões de pessoas. Serão novos consumidores cada vez mais ávidos por ter carro, transporte, moradia e carne. O desafio será fazer crescer de cinco a seis vezes a capacidade atual de produção da maioria das commodities, como aço, produtos químicos, madeira, comida.
Além disso, esse crescimento do número de pessoas com maior poder aquisitivo, nos próximos 50 anos, provocará aumento da demanda de energia geral em três vezes e meia, e de eletricidade, em sete vezes.
Mas, para viver, não precisamos apenas de combustível e alimento. O uso do plástico, por exemplo, está disseminado no dia a dia das pessoas e empresas, assim como de outros materiais, como pedra e cimento.
Já enfrentamos problemas relacionados com a poluição, quando utilizamos o plástico vindo do petróleo, indicativo de que estamos tirando carbono enterrado no pré- e pós-sal e jogando para a atmosfera. Essa situação-limite leva o ambiente a ficar mais quente e ativo, deixando o planeta com sérios e recorrentes problemas climáticos.
É hora, portanto, de mudança de paradigma, conceito entendido como a constelação de crenças, valores e técnicas compartilhadas pelos membros de uma comunidade. Tudo porque descobrimos, não muito recentemente, que poderemos produzir energia em larga escala nem só com petróleo e carvão.
Quer dizer, se dá para fazer de petróleo, dá para fazer com a cana, utilizando processos químicos ou bioquímicos e obtendo mudanças no álcool ou no caldo de melaço através da fermentação. Plástico, por exemplo, se faz direto do etanol, de acordo com a experiência da Braskem, em Alagoas, que produziu polietileno. O processo foi interrompido porque as frações do petróleo passaram a ser mais baratas do que com a utilização do álcool, situação que persiste até agora.
A pergunta que não quer calar em todos os centros de produção, pesquisa e de política pública do mundo civilizado: por quanto tempo conseguiremos sustentar esse tipo de situação? Por que, no mundo inteiro, ninguém acredita que os biocombustíveis serão muito mais do que 10 a 20% do total do consumido pelo transporte?
A resposta é que o petróleo ainda será mais barato do que as outras opções, apesar de nosso esforço. Portanto o grande desafio é melhorar a eficiência energética da cana, para que possamos cobrir essa diferença. É quando percebemos a necessidade de introduzir, em larga escala no País, a biorrefinaria.
A biorrefinaria de milho é mais antiga e, nos Estados Unidos, já se fabrica ácido lático, lisina, etanol. A ideia é introduzir esse conceito no Brasil, porém de forma mais integrada. Feito a partir da cana, a gente descobriu que, mesmo numa escala menor, não tão grande quanto a do petróleo, podemos produzir produtos de maior valor agregado, como bioplásticos e, eventualmente também, diesel, biodiesel, entre outros.
Quando a usina fabrica etanol, açúcar cristal e bioeletricidade, a gente considera uma biorrefinaria. Esses três produtos apresentam uma grande volatilidade na hora da comercialização, porque o preço de um ou de outro sempre fica mais baixo. O preço do etanol melhora um pouco na entressafra, enquanto o da eletricidade sempre abaixa. E o valor do açúcar fica na dependência da especulação internacional.
Para ter menos exposição a essa enorme volatilidade e atender a essas necessidades de aumento da demanda, podemos usar a cana e produzir os materiais de maior valor e necessidade. A biorrefinaria é algo simples: colocar o sistema integrado dentro da usina, usando a mesma cana, gerando a mesma vinhaça, produzindo produtos químicos, bioplásticos e biodiesel. O CTC - Centro de Tecnologia Canavieira, desenvolveu, nos últimos 30 anos, a usina cujo processo está maduro e com sobra de energia para instalar a biorrefinaria.
Por que essa tecnologia até agora não está disseminada? Primeiro, porque a questão ambiental não era muito valorizada. Hoje, já tem gente que quer pagar de 15 a 25% a mais para o polietileno, porque é produzido de forma verde. Fato que não ocorreria quinze anos atrás. Entretanto a classe C não consegue tomar essa decisão e prefere colocar gasolina no carro flex, porque custa menos por quilômetro rodado.
Não se dá conta de que, por mês ou ano, o biocombustível permitiria a criação de mais empregos, redundaria em menos poluição e até doenças. O problema é que o setor que produz etanol ainda não conseguiu mostrar de maneira enfática que, mesmo custando mais caro, na hora de encher o tanque, vale a pena usar o biocombustível pelos benefícios ambientais e sociais que provoca.
Essa visão ambiental e de sustentabilidade também é válida quando se analisa a produção de plásticos e outros produtos a partir da cana. Na verdade, além do açúcar, do etanol e da bioeletricidade, as usinas fabricam outros produtos, como aminoácidos, feitos de forma integrada, usando o melaço e a energia da usina.
No caso da produção de bioeletricidade, uma ideia seria, em vez de vender para a rede de distribuição, utilizar essa energia para encontrar uma molécula de mais valor, que também tenha mercado. A demanda de consumo, com o aumento do número de pessoas e da riqueza, será por produtos mais sofisticados, como máquina de lavar com partes de plástico ou ferro, criado através de nossas biorrefinarias.
Ainda é difícil dizer que o custo de produção será menor, pois os aumentos dos preços da mão de obra e adubos, junto com a valorização da terra, geram elevação do custo da matéria-prima. Apesar disso, se o setor conseguir produzir uma máquina de lavar verde, sem provocar poluição, e alguém quiser pagar a mais, valeu o esforço.
Em alguns casos, melhora nossa competitividade ao produzir um biodiesel próximo do valor de venda do diesel feito no País, porque ele recebe subsídio. É mais fácil converter o açúcar e o etanol em plásticos e produtos químicos do que o petróleo. O processo é mais viável e tem menos perdas.
A refinaria de petróleo é simplesmente uma solução econômica hoje, mas, no momento em que se começar a cobrar pelo impacto ambiental e pela produção de lixo, como já está acontecendo, vamos nos dar conta de que a melhor solução é a biorrefinaria. A parte de tecnologia é nossa ao fazer sobrar açúcar, bagaço, gerar menos resíduos e integrar esse processo adicional.
Os especialistas do CTC desenvolverão tanto os novos processos que se encaixam melhor na usina atual e do futuro (com as tecnologias da segunda geração) como a integração propriamente dita, para reduzir os custos e os impactos. Além disso, o aumento da produtividade da cana, com os marcadores moleculares e a engenharia genética, tornará a biorrefinaria ainda mais viável, por reduzir a disputa entre açúcar, etanol, bioeletricidade e os novos produtos.
Há necessidade de incentivo de uma política pública para as biorrefinarias, da mesma forma como foi preciso para transformar o etanol em alternativa de consumo. No Brasil, temos metas, mas não políticas públicas. Falta também um ambiente de negócio melhor para que as usinas possam correr o risco de apresentar projetos menos conhecidos. E, para isso, precisariam atrair parceiros do setor e grandes companhias químicas do mundo, fato que só será possível não só por iniciativa das usinas, mas também com o respaldo do governo.