Professor de Agronomia do Centro Universitário Moura Lacerda e Consultor em manejo de pragas na Occasio
O manejo fitossanitário, assim como o desenvolvimento e a nutrição de plantas agrícolas, tem passado por profundas transformações nos últimos 15 anos. O uso de bioinsumos, em substituição a produtos obsoletos ou poluentes no controle de pragas e doenças, bem como na disponibilização de nutrientes e na estimulação do crescimento vegetal, tem crescido de forma assustadora — atingindo níveis antes pouco conhecidos no setor agrário.
O crescimento do setor é exponencial. Enquanto o mercado mundial de bioinsumos avança em média 13 a 14% ao ano, no Brasil o ritmo é ainda mais acelerado, segundo a CropLife Brasil, uma associação civil sem fins lucrativos que representa empresas especializadas em pesquisa e desenvolvimento de soluções para a produção agrícola sustentável.
Na safra 2023/24, o mercado brasileiro de bioinsumos movimentou R$ 5 bilhões, com uma taxa média anual de crescimento de 21% nos últimos três anos, quatro vezes acima da média global. A área tratada com bioinsumos no País também cresceu significativamente, passando de 164 milhões de hectares na safra 2021/22 para 245 milhões na de 2023/24 .
Microrganismos como fungos, bactérias, vírus e protozoários, além de macrorganismos como vespas, moscas, ácaros e nematoides, fazem parte de um arsenal biológico cada vez mais sofisticado e eficiente. Esses agentes são a base dos bioinsumos, que também englobam extratos vegetais, óleos essenciais, compostos orgânicos e compostos atrativos ou repelentes de pragas, dentre outros.
1. Segmentação do mercado de produtos biológicos
Esse movimento só foi possível graças ao aprimoramento das formulações comerciais, que asseguram a viabilidade e eficácia dos microrganismos mesmo sob condições ambientais adversas. Ainda que as biofábricas on-farm representem uma alternativa de baixo custo, poucas conseguem atingir os níveis de qualidade e estabilidade das formulações industriais – o que pode comprometer resultados e até representar riscos à saúde pública.
Na cultura da cana-de-açúcar, o uso de bioinsumos tem crescido de forma expressiva e consolidada. De acordo com a CropLife Brasil, os biodefensivos já são aplicados em mais de 5 milhões de hectares de canaviais no País, com destaque para o controle de pragas de solo, doenças radiculares e melhorias no manejo do solo.
A cana é hoje uma das culturas que mais avançaram na adoção de soluções biológicas, com tecnologias bem estabelecidas para o controle de pragas como a broca-da-cana (Diatraea saccharalis), Sphenophorus levis, cigarrinhas (Mahanarva spp.), além de nematoides e fungos e bactérias fitopatogênicos. Esse avanço se deve não apenas à eficácia agronômica dos bioinsumos, mas também ao desenvolvimento de formulações cada vez mais estáveis e adaptadas ao ambiente agrícola, permitindo um manejo biológico eficiente, escalável e ambientalmente sustentável.
2. Adultos de Sphenophorus levis mortos pela ação de fungos

Nos canaviais, o manejo biológico encontra um campo fértil para aplicação plena. Pragas e doenças de solo, como os nematoides, são combatidas com produtos à base de Trichoderma harzianum e Bacillus spp., que atuam diretamente sobre os patógenos e ainda promovem o fortalecimento do sistema radicular das plantas. A consequência é uma cana mais resistente ao estresse hídrico e ao ataque de pragas.
Os bionematicidas, por exemplo, já superaram os produtos químicos em área aplicada no Brasil, com vantagens que vão desde maior persistência no solo até efeitos benéficos colaterais, como a ativação da microbiota e a melhoria das condições físicas do solo. E os avanços não param por aí: esses microrganismos também têm sido usados para liberar nutrientes essenciais, como fósforo, potássio, zinco, ferro e nitrogênio – este último com destaque para a Azospirillum brasilense, que reduz ou até substitui fertilizantes nitrogenados sintéticos, minimizando o impacto ambiental.
Novas fronteiras estão sendo exploradas. Pesquisas já indicam que alguns microrganismos, como o Trichoderma harzianum, podem sequestrar CO? da atmosfera e fixá-lo no solo, transformando bioinsumos em aliados no combate às mudanças climáticas e abrindo caminho para geração de créditos de carbono.
Entre os agentes biológicos mais utilizados nos canaviais estão os fungos Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae, eficazes contra pragas de solo como as cigarrinhas, a broca-da-cana, Sphenophorus levis e outros insetos de importância econômica. Desde os anos 2010, é comum a associação desses fungos com inseticidas químicos em doses reduzidas, potencializando os efeitos e prolongando a ação.
Mais recentemente, os nematoides entomopatogênicos ampliaram as possibilidades do controle biológico de pragas subterrâneas. Capazes de infectar e eliminar insetos como migdolus, cupins e a broca-peluda (Hyponeuma taltula), esses vermes liberam bactérias letais no hospedeiro e garantem sua eficácia por várias gerações. No controle aéreo, o uso de vespas parasitoides já é prática consolidada. A tradicional Cotesia flavipes, introduzida no Brasil nos anos 1970, foi complementada pela microvespa Trichogramma galloi, que ataca os ovos da broca-da-cana, impedindo o desenvolvimento da praga.
Atualmente, a liberação desses inimigos naturais é feita com drones, garantindo precisão, eficiência e escalabilidade. Com o aumento das áreas infectadas por fungos causadores da murcha-do-colmo, os canaviais do Centro-Oeste e Sul do País vêm sofrendo perdas significativas de produtividade. Embora diversos fungicidas químicos tenham sido recomendados para o controle dos agentes causais da doença, nenhum deles demonstrou eficácia consistente.
3. Ninfas das cigarrinhas mortas pela ação do fungo Metarhizium anisopliae
4. Adulto da cigarrinha morto pela ação do fungo Batkoa
Com o lançamento de produtos à base de Bacillus pumilus e o desenvolvimento de cepas de Bacillus amyloliquefaciens com ação biofungicida, os impactos do complexo das murchas foram significativamente reduzidos. Além disso, esses bioinsumos têm contribuído para o controle do agente causal da estria-vermelha, da ferrugem-marrom e de várias manchas foliares secundárias.
A revolução biológica nos canaviais não é apenas uma resposta às limitações dos insumos tradicionais — é um novo paradigma para a agricultura tropical. Mais do que ferramentas de controle, os bioinsumos representam um caminho de alta performance aliado à sustentabilidade, abrindo espaço para uma agricultura sustentável, resiliente e protagonista no enfrentamento das crises ambientais e climáticas do século XXI. O futuro do campo já começou — e ele é cada vez mais biológico.