Feplana
Op-AA-01
Propõe a revista Opiniões que se faça uma reflexão sobre o futuro do mercado brasileiro de álcool sob a ótica do segmento que representamos, no caso, a atividade de plantar cana-de-açúcar. Tarefa difícil essa de desenhar horizontes futuros para quem sente sua atividade econômica sufocada a ponto de ameaçar sua sobrevivência já nos dias mais próximos, numa melancólica repetição da crise de 1998/1999.
As perspectivas do fornecedor de cana são muito sombrias. A curto prazo, pelos elevados excedentes de produção que precipitaram os preços em queda livre. A médio e longo prazos, pesa sobre os agricultores da cana um agressivo processo de concentração e verticalização da indústria, realizados ao livre arbítrio, sem uma política global do setor, independente de um indispensável monitoramento e controle com base em um plano de safras que equilibre demanda e oferta da matéria prima e, principalmente, que preserve a participação do segmento de maior representatividade numérica e significação social, a categoria dos agricultores independentes da cana-de-açúcar.
Pelo contrário, o que se assiste, salvo honrosas exceções, é a gradual eliminação do agricultor independente. Há pouco mais de uma década os fornecedores eram responsáveis por 73% de toda cana-de-açúcar esmagada no Estado de Pernambuco. Hoje, não participam sequer com 37% da cana produzida naquele Estado.
Da mesma forma na Paraíba. Levantamento feito pela Asplan-PB, que confronta dados das safras 1986/1987 com a de 2002/2003 demonstra que o contingente de pequenos produtores daquele Estado foi reduzido em quase 80%: em 1987 eram mais de 1.650; 15 anos depois, em 2002, não passavam de 400. Enquanto isso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES reduziu a liberação de crédito para as lavouras de cana-de-açúcar do país.
A partir do mês de março de 2004, o banco só avaliará a liberação de recursos para a expansão ou investimento nos canaviais, para projetos vinculados a usinas de açúcar e álcool. Os recursos para produtores de cana independentes estão suspensos por tempo indeterminado, um tremendo contra-senso, medida excludente, que induz à verticalização das indústrias com o conseqüente isolamento do pequeno produtor.
Há que se reconhecer o esforço notável do Ministério da Agricultura e do Banco do Brasil para a revitalização do antigo sistema operacional de crédito ao produtor de cana, agora reordenado sob a mecânica do CONVIR. Alguns ajustes finos seriam ainda necessários para que o obrigatório vínculo contratual entre produtor e usina não se transforme em mais um fator de submissão do fornecedor aos desígnios unilaterais da indústria.
Vivem hoje, os plantadores de cana-de-açúcar, um cenário de assustador excedente de cana para a safra 2004/2005, conseqüência da expansão dos novos plantios e dos consideráveis incrementos em produtividade por área plantada e teor do açúcar total recuperável contido na cana. Conseqüência inelutável, o valor oficialmente pago pelo quilo de açúcares totais recuperáveis (ATR), em janeiro de 2004, era quase 20% inferior ao que foi pago em maio do ano passado.
No início da safra 2003/2004 o Consecana estabelecia o valor do ATR em R$ 0,2692. Desde então o preço vem caindo e, em plena entressafra, atingiu o patamar de R$ 0,2178. Ao mesmo tempo, sufocando o agricultor, os custos de produção registram acréscimos substanciais em corretivos, fertilizantes, defensivos agrícolas, produtos fitossanitários, mão-de-obra rural e assistência social.
Estima-se um estoque de passagem, que deverá ser transportado no tempo pelas unidades industriais, financiado com substanciais recursos do Tesouro da União, de considerável volume de álcool, superior aos níveis técnicos, da ordem de 1,5 bilhão de litros de álcool e, de mais de 1 milhão de toneladas de açúcar. Se a safra 04/05 tiver o mesmo desempenho da passada 03/04, desenha-se assim um excedente de oferta de cana da ordem de 25 milhões de toneladas, correspondentes a esses mega-estoques em plena entressafra.
A única válvula de escape seria um substancial incremento na demanda interna pelo etanol, o que não deverá ocorrer no curto prazo, não obstante esforços que vêm sendo desenvolvidos para a expansão da frota de veículos flex-fuel, para a exportação de álcool carburante e implementação do consumo de biodiesel, já que o mercado internacional de açúcar é praticamente inelástico e o mercado interno evolui sem sincronia com o avanço da oferta, também gerando substanciais excedentes.
Por outro lado, em outra prova de incoerência dos quadros que administram a matriz energética do País, procura-se incentivar o consumo do gás natural veicular, o GNV, em veículos leves, o que restringe ainda mais as perspectivas de recuperação do mercado do álcool. Como conseqüência de tudo isso, o preço da cana está em patamares menores que o custo e não deverá experimentar recuperação sequer razoável na safra que se inicia.
O CONSECANA é um sistema de remuneração da cana de resultados promissores na experiência das últimas cinco safras, em São Paulo e no Paraná. Ainda que não constitua uma unanimidade, o sistema CONSECANA significou um razoável aperfeiçoamento nas regras de convivência entre indústrias e fornecedores. Mas o preço da cana não melhorou.
Continuam, os fornecedores brasileiros, a produzirem a cana-de-açúcar mais barata do mundo: uma relação menor que 50 quilos de açúcar por tonelada de cana. Nos tempos do IAA a média de conversão garantia ao produtor de cana uma remuneração sempre maior que o correspondente a 60 quilos de açúcar por tonelada de cana moída. E não se tinha, naquela época, os coeficientes de produtividade e teor de açúcares recuperáveis, o ATR, que se tem hoje.
Apesar do CONSECANA ainda não se conseguiu, nos dias que correm, alcançar sequer longinquamente o padrão que remunera os agricultores de outros países, grandes produtores de cana, de 75 a 80 quilos de açúcar por tonelada de cana, não incluídos outros subprodutos. A dinâmica do segmento fornecedor de cana, hoje, é a da marcha-a-ré, só regredimos, só andamos para trás.
Não obstante os bons exemplos da experiência paulista, os dirigentes da FEPLANA reiteram sua opinião de que qualquer sistema de remuneração da cana-de-açúcar, em todas as unidades da Federação, deve reconhecer e se ajustar às peculiaridades regionais, não só aquelas da ordem agronômica, do clima e do solo, mas, principalmente, aquelas outras características mais complexas, como as de ordem cultural e da tradição do setor sucroalcooleiro, explicitamente sobre a prepotência do capital que desequilibra as normas de boa convivência entre os fornecedores e as indústrias.
Dentro dessa ótica, os dirigentes da FEPLANA sempre se mostraram céticos sobre a viabilidade de um negócio que depende, exclusivamente, da “boa vontade” do industrial para abrir negociações equilibradas e respeitosas com o fornecedor independente. Isso porque na experiência secular do setor, o diálogo não se instala, a rigidez de propósitos impede que se encontre o ponto de equilíbrio dos interesses econômicos e a melhor solução para os compromissos sociais de um dos maiores segmentos agrícolas do País.
O pragmatismo isolacionista da indústria, perseguindo o ganho imediatista em detrimento de um planejamento ordenado, auto-sustentável e distributivista, fecha as portas ao entendimento, para o encontro de soluções que atendam de forma equilibrada ao horizonte econômico das empresas e sua responsabilidade social.
A grande, definitiva e fundamental fragilidade do modelo paulista está em que sua eficiência depende de uma negociação com base em acordo espontâneo, que a ninguém obriga, realizado num ambiente desigual onde pesam, de um lado, o poder econômico da indústria; enquanto, na outra banda da mesa, fica um fornecedor independente, de pequeno e médio porte, ofertante monopsônico que não tem a quem entregar seu produto a não ser para aquela indústria específica; um agricultor em geral descapitalizado, sem alternativa econômica para o seu produto; que, mais grave ainda, é produto sazonal, perecível, de baixo valor unitário, que não suporta trajetos longos de transporte.
Já agora, nos dias que correm, vivem os produtores de cana uma conjunção perversa que alinha ciclo de baixa com a pretensa exigência econômica da verticalização. E as partes não conseguem se entender. Maurílio Biagi Filho, líder inconteste do setor, lembra em seu artigo recente intitulado, “Uma baixa previsível”, um conjunto de medidas que poderiam ser adotadas para superar a crise de oferta no mercado internacional do açúcar por estímulos à expansão do consumo interno do etanol carburante.
Sugere Biagi a elevação da mistura do álcool na gasolina por tempo determinado, a adição de anidro ao diesel e, inclusive, que o governo cumpra sua própria lei de número 8.176/91, que o obriga a manter estoques de segurança de pelo menos um mês do consumo nacional corrente. Temendo que o ciclo de baixa se esgote somente a partir de 2006/2007, Maurílio lucidamente destaca a característica cultural do setor, como seu limitante mais sério, quando afirma: “O que é mais grave em tudo isso, é que nós, muito mais os produtores que o governo, safra após safra, demonstramos nossa enorme incapacidade de conciliar produção com consumo”.
Para que se tente focar aquela visão de futuro, requerida pelos Editores da revista Opiniões, num panorama de expansão sustentada da economia sucroalcooleira, é imprescindível que se possa dispor de alguns mecanismos estruturais que assistam e defendam o agricultor independente. Seriam eles:
1. Que se institua um Grupo Temático Permanente com a atribuição de proceder a estudos para a operação de organismo próprio, no âmbito do Ministério da Agricultura, para a elaboração de planos de safra anuais;
2. Que se estabeleçam, em diploma legal adequado, mecanismos que induzam à terceirização da agricultura canavieira mediante a fixação coeficientes mínimos de participação da cana de fornecedores no total do produto, por usina, sob contrato firme para todo o ciclo produtivo da plantação.
3. É imprescindível, no mesmo diploma legal, se nomear um fiscal com poder bastante para enquadrar o refratário e penalizar o infrator.
4. Sem prejuízo dos fundamentos constitucionais sobre o império da livre iniciativa, é indispensável que o Estado assuma e exerça sua função de monitoramento, incentivo e planejamento, como agente normativo e fiscalizador.
Sem tais premissas fundamentais não existiria, a nosso ver, qualquer perspectiva de panorama futuro que possa ser eleito pelo pensamento empresarial como sua meta de ação e garantia de sobrevivência.