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Julio Maria M. Borges

Professor do Departamento de Economia da FEA-USP e Sócio-Diretor da Job Economia

Op-AA-58

Do médio para o longo prazo, a história será outra
Um novo governo, o de Jair Bolsonaro. Durante a preliminar do jogo principal que começa em 1º de janeiro de 2019, tudo corre bem, o que é uma boa notícia para as elevadas expectativas dos brasileiros por um Brasil melhor. Até agora, tudo indica que teremos uma política econômica voltada para o livre mercado e com estímulos à livre concorrência. Tudo indica que veremos a participação do Estado na economia ser reduzida. Vamos admitir que isso ocorra ao longo do tempo para o bem do Brasil.
 
E o setor de cana-de-açúcar? Como ficará nesse novo desenho político, social e econômico que temos pela frente? Acredito que o açúcar e o etanol de cana-de-açúcar, bem como a cogeração de eletricidade de bagaço de cana, no conjunto, serão estimulados a competir de forma crescente, do lado da oferta, com produtos concorrentes. Nesse caso, cabe lembrar etanol de milho, açúcar de beterraba, energia renovável eólica e solar, hidrelétricas.

Ainda do lado da oferta, o forte crescimento esperado para a produção e o uso do gás natural em substituição ao carvão vai aumentar a competição com o combustível renovável na redução da emissão de gases do efeito estufa. No caso do petróleo, o desenvolvimento da tecnologia vai permitir aumento de produção e a busca de um produto cada vez mais limpo, do ponto de vista ambiental. Deve-se considerar, finalmente, que o biocombustível, de forma geral, compete com alimentos pelo uso de recursos naturais limitados. 
 
Do lado da demanda de energia, teremos que encarar o aumento da eficiência no uso da energia elétrica e dos combustíveis líquidos. Nesse caso, aparecem motores de combustão mais eficientes, veículos elétricos e híbridos, transporte compartilhado. Ou seja, teremos de considerar um crescimento da demanda de energia, associado ao crescimento econômico, a taxas mais modestas que no passado.  
 
Quanto à demanda de açúcar, vemos uma mudança nos hábitos em busca de uma alimentação mais saudável, o que leva a reduzir excessos de calorias, álcool bebida, fumo, etc., etc. O açúcar natural de cana ou de beterraba entra nesse contexto como item a ter seu consumo controlado. 
 
No curto e no médio prazo, o efeito desse novo padrão de consumo alimentar na redução da demanda de açúcar será relativamente pequeno, pois será compensado pelo crescimento da demanda desse produto nos países de renda per capita abaixo da média mundial (África e Ásia principalmente). De forma geral, a população desses países precisa mais de alimentos do que de regime alimentar. Do médio para o longo prazo, a história é outra. 
 
Ao longo do tempo, o aumento da demanda de açúcar natural tende a ser reduzido, mesmo considerando o crescimento populacional, pois se espera que a renda percapita aumente nos países em desenvolvimento e, com isso, a carência alimentar diminua. Além disso, como as maiores empresas de alimentos e bebidas industrializadas são  multinacionais, sediadas em países de renda alta, poderemos observar uma tendência global de produtos padronizados, com menor intensidade de açúcar, colocados à disposição do consumidor. Isso tem um efeito demonstrado em países de renda média e baixa, que imitam padrões de vida de países ricos. 
 
Em resumo, temos competição crescente do lado da oferta e da demanda com crescimento esperado gradativamente menor nos mercados de açúcar, de etanol e de eletricidade.  Cabe lembrar que essas condições de mercado não são exclusivas do setor de cana-de-açúcar. São condições de mercado inerentes ao mundo globalizado, com mudanças tecnológicas rápidas e significativas. E tudo indica, até agora, que o governo Bolsonaro deve perseguir algum grau de aderência a esse novo mundo.   
 
E o que poderia ser feito para que o setor de cana-de-açúcar sobreviva bem nesse mundo de mudanças rápidas e expressivas? Vou retomar minha tese de algum tempo. Alguns produtores e líderes de classe amigos meus que o digam. O setor de cana-de-açúcar deve procurar prioritariamente aumentar a eficiência econômica e a competitividade, como já foi muito bem-feito no período 1973-1999.  Quando me refiro à eficiência econômica, refiro-me à redução de custos, variável sobre a qual o empresário tem mais controle do que sobre os preços ao consumidor, definidos pelo mercado. Eficiência técnica e eficiência ambiental são ingredientes relevantes para alcançar a eficiência econômica, mas não a substituem como objetivo final. 
 
E como chegar lá? Como reduzir custos? 
 
• Investir em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) recursos financeiros necessários e de maneira eficaz, com o objetivo de buscar tecnologias que visem aumentar a produtividade dos fatores de produção; 
 
• Estimular e dar oportunidade para que as usinas tenham condições de otimizar seu negócio do ponto de vista técnico, econômico e administrativo; 
 
• Prover capital para investimentos em ativo fixo e giro, suficientes para ampliações e modernização do parque agroindustrial e para maximização das receitas de comercialização da safra; 
 
• Implantar um mecanismo de cobrança de desempenho daqueles beneficiados por essa política. 
 
E como arrumar recursos financeiros para patrocinar esse pacote de instrumentos de otimização? Quando nos referimos a recursos financeiros para financiar a modernização e a otimização do parque sucroenergético brasileiro, estamos pensando na criação de um novo fundo de investimentos. Vamos nos referir a ele como Fundo de Biocombustíveis. 
 
O RenovaBio é a Política Nacional de Biocombustíveis, instituída em 2017 com o propósito de promover a produção e o uso de biocombustíveis e de reduzir a emissão de gases de efeito estufa.  Tal política está sendo implantada com a finalidade maior de criar recursos financeiros para estímulo ao setor, dado que já existe demanda com  potencial não atendido pela oferta de etanol combustível no Brasil.
 
Os recursos financeiros gerados pelo RenovaBio, via preço dos CBIOs e multas, poderiam  ser dirigidos, em parte, para  o Fundo de Biocombustíveis. Esse fundo seria gerido por um conselho formado por representantes do governo Federal e do setor privado com notória competência profissional.
 
O setor como um todo seria beneficiado. O País seria beneficiado. Cabe lembrar que, na década de 1970, foi criado um fundo pelo governo (Funprosucar - IAA), com propósitos semelhantes aos que estamos sugerindo aqui. E o ganho foi muito relevante para o setor e o Brasil.