A irrigação da cana-de-açúcar no Brasil passou, nas últimas décadas, por uma transformação profunda. De uma prática pontual, restrita a alguns nichos, tornou-se um componente estratégico na gestão agrícola, na competitividade e até mesmo na sustentação das usinas. Hoje, irrigar não é mais apenas repor água: é garantir estabilidade produtiva, eficiência no uso de recursos e previsibilidade de safra.
As principais tecnologias de irrigação aplicadas na cultura de cana-de-açúcar são:
Irrigação de salvamento: Irrigação feita após o plantio da cana, com o objetivo de garantir a brotação da muda em condições de longo período sem chuva. Muito comum também na soqueira para garantir boa brotação após o corte;
Irrigação no período crítico: Irrigação feita com diferentes lâminas nas épocas mais críticas do desenvolvimento, para atenuar os déficits hídricos nas regiões nos quais os mesmos são mais acentuados;
Irrigação suplementar: Irrigação feita ao longo de todo o ciclo, repondo total ou parcialmente a deficiência hídrica proporcionada pela falta ou insuficiência de chuva.
Quanto aos métodos de irrigação podem ser utilizados os mais diversos, desde a aspersão até a irrigação por gotejamento subsuperficial.
Em termos de evolução dos equipamentos, o Brasil detém o que há de mais moderno, tanto carreteis para irrigação de salvamento, quanto pivôs centrais, lineares e gotejamento para a irrigação suplementar. As principais multinacionais, fabricantes destes equipamentos, têm fábricas no Brasil, e toda evolução tecnológica está presente aqui.
Os principais benefícios da irrigação são: aumento da produtividade e da longevidade das soqueiras. Destacam-se também os benefícios indiretos relacionados às reduções de custos no processo produtivo, proporcionados pelo aumento da produtividade.
Durante muito tempo, um número muito utilizado para resposta da cana à irrigação é a relação de 10 mm efetivamente aplicados para um aumento de 1 tonelada de cana. Esta relação é válida para a irrigação de salvamento e irrigação no período crítico, onde a resposta à água é linear.
Nos últimos anos, temos observado uma resposta melhor, com lâminas de 40 mm respondendo por um aumento de 5 a 6 toneladas. Isto pode ser explicado pelas melhorias tecnológicas dos equipamentos e do manejo, o que tem reflexo direto na maior eficiência no uso da água. No caso da irrigação suplementar esta relação linear não ocorre, sendo mais comum o modelo quadrático de resposta à aplicação de água, e a relação de 10 mm por tonelada nem sempre ocorre.
Outro ponto importante, é que a melhor resposta econômica se dá na irrigação suplementar com déficit, ou seja, apenas uma parte da deficiência hídrica é reposta, com este valor variando de 50 a 75%, em função principalmente do local e da variedade.
Um dos fatores primordiais para a resposta econômica da irrigação suplementar é a escolha das variedades. Observamos também uma evolução, com os programas de melhoramento lançando materiais com maior resposta à irrigação. Também estão buscando materiais específicos para uso em áreas irrigadas, ou seja, a irrigação já está fazendo parte da seleção de novos materiais desde o início do processo.
Destaco que para obter a melhor resposta da irrigação, mesmo no caso de irrigação de salvamento, é fundamental fazer o manejo da irrigação, aplicando lâminas em função do balanço hídrico, e não lâminas fixas.
Outra evolução significativa é que a irrigação da cana entrou definitivamente na era digital. Sistemas modernos contam com telemetria, válvulas automáticas, sensores de solo e estações meteorológicas que ajustam as lâminas de irrigação conforme evapotranspiração e umidade real do solo, facilitando o manejo e permitindo respostas à irrigação bem mais eficientes.
Também na irrigação de salvamento observamos uma evolução no monitoramento e automação. A automação nos carretéis irrigadores tem evoluído significativamente, incorporando controladores eletrônicos que regulam automaticamente a velocidade de recolhimento e, portanto, a lâmina aplicada. Esses controladores podem operar de forma manual, semiautomática ou totalmente automática, ajustando o desempenho conforme o tipo de bocal, diâmetro da mangueira e pressão de entrada.
Hoje, já é possível realizar o acionamento remoto das bombas, abertura de válvulas e partida de motores, sincronizando todo o conjunto hidráulico. Isso reduz a necessidade de mão de obra, otimiza o uso de energia e permite a operação coordenada de diversos equipamentos em diferentes talhões.
Além disso, a automação associada ao georreferenciamento dos pontos de irrigação garante maior precisão na operação. Cada carretel pode ser vinculado a uma posição GPS específica e monitorado por plataformas de gestão agrícola, permitindo a rastreabilidade das lâminas aplicadas e o histórico de irrigação por talhão.
Os desafios ainda existem. A escassez e a variabilidade da disponibilidade hídrica são hoje um dos principais fatores limitantes da expansão da irrigação na cana. Nesse cenário, o desafio é fazer mais com menos, adotando sistemas e manejos que maximizem a eficiência de aplicação e a produtividade por metro cúbico de água.
Outro grande desafio é a disponibilidade de energia. A disponibilidade de energia elétrica tem-se tornado um dos maiores entraves à expansão sustentável dos sistemas irrigados, quando há água disponível e viabilidade agronômica comprovada.
Também a mão de obra qualificada é uma necessidade. A irrigação moderna exige profissionais capazes de interpretar dados de sensores, operar painéis automatizados, ajustar pressões e vazões e compreender os impactos agronômicos do manejo da água.
Os desafios acima criam gargalos que travam a expansão de novos projetos inviabilizando ou aumentado o custo de implantação e operação. A solução passa por uma abordagem de planejamento integrada, que deve ser prevista no Plano Diretor de Irrigação.
O Plano Diretor de Irrigação (PDI) é o instrumento que integra todos esses fatores — água, energia, solo, topografia, mão de obra e tecnologia em uma visão sistêmica do empreendimento. Ele fornece o mapa estratégico de implantação, expansão e modernização da irrigação, estabelecendo prioridades técnicas, orçamentárias e ambientais.
A evolução dos sistemas e equipamentos de irrigação na cana-de-açúcar é um reflexo do avanço da engenharia brasileira. O que se vê é a consolidação de uma agricultura cada vez mais eficiente, sustentável e inteligente.
A irrigação deixou de ser uma medida emergencial e tornou-se um pilar da produtividade e da competitividade do setor sucroenergético, garantindo colheitas estáveis, melhor uso da terra e maior retorno sobre o investimento, fundamental para manutenção do protagonismo da cana-de-açúcar como matéria prima na produção bioenergética.