Professor do Departamento de Economia da FEA-USP e Sócio-Diretor da Job Economia
O açúcar continua como boa opção de negócio na agroindústria canavieira do Brasil. Essa condição varia ao longo do tempo, mas parece que sempre voltamos a ela por um motivo ou por outro. Vamos, neste artigo, comentar sobre cenários que podem ser considerados no médio e no curto prazo.
O MÉDIO PRAZO
ESG: Meio ambiente, desigualdades sociais, governança empresarial. Isso é resumido na sigla ESG (inglês), em adoção pelas grandes empresas e bancos, e mostra uma direção de longo prazo das sociedades mais desenvolvidas do mundo. O setor canavieiro do Brasil vai ser beneficiado por essa nova prioridade global. Ele atende muito bem a essas novas prioridades. No caso da governança, as usinas e as destilarias, no geral, ainda podem melhorar.
O mundo considera, hoje, duas opções para limpar a matriz energética global e induzir a sociedade a fazer mudanças de comportamento com novas tecnologias. A primeira opção é o imposto sobre carbono, e a segunda opção é o comércio sobre licenças de emissão, que, no nosso caso, é o RenovaBio.
O fato é que alguns setores, mais poluidores, serão prejudicados, e seus custos de produção serão aumentados. Por outro lado, aqueles setores mais amigos do meio ambiente, como é o caso do agronegócio de cana-de-açúcar, passarão a ter uma vantagem competitiva, e o valor das empresas será maior. Investimentos de capital externo para o setor fazem parte da agenda possível. Do ponto de vista social, o negócio canavieiro, de forma geral, ainda é grande e bom empregador, mesmo considerando a forte mecanização e a automação da atividade que ocorreu nos últimos anos.
Competitividade: As prioridades internas do setor produtor de cana-de açúcar parecem ter mudado do crescimento a qualquer custo para a redução de custo e otimização de resultados. É uma mudança bem-vinda neste mundo de competição global e de proteções a indústrias locais, que ocorrem em alguns países produtores de açúcar, como a Índia.
O momento mágico vivido pelo setor, com preços relativamente altos e boas safras, conforme veremos a seguir, irá permitir investimentos de otimização na atividade com suporte em boa estratégia empresarial. Dessa forma, o Brasil poderá manter a condição ideal de país mais competitivo do mundo na produção de açúcar.
Mercados: O consumo, seja ele doméstico ou global, continuará sua trajetória de crescimento. Mesmo que a taxas menores de crescimento. O aumento da população mundial e o processo de urbanização que ocorre em países em desenvolvimento, principais responsáveis pelo crescimento do consumo, irão garantir a maior demanda do produto. A mudança de hábitos alimentares, desfavorável ao consumo de adoçantes naturais, deve reduzir o ritmo de crescimento do consumo, e não revertê-lo.
O CURTO PRAZO
Vamos comentar, agora, sobre uma oportunidade criada neste Governo Bolsonaro e que reflete bem o clima de incerteza que afeta o Brasil. Essa oportunidade, fruto de desequilíbrios que tendem a ser corrigidos, deve ser e está sendo aproveitada pelo agronegócio do Brasil.
Taxa de câmbio desvalorizada: o Brasil ganhou; seus concorrentes não: Vamos considerar os dois anos do atual Governo no Brasil, ou seja, o período Janeiro/2019 a Janeiro/2021. O dólar americano (US$) nesse período desvalorizou-se pouco mais de 5%, em relação a uma cesta de moedas representativas do comércio global. A razão maior disso foi a redução de incertezas em nível global e a redução da aversão ao risco. Isso devido à retomada da economia, às vacinas de Covid-19 e à eleição de Joe Biden nos EUA. A geopolítica não atrapalhou.
Em contrapartida, e em condições normais, as outras moedas deveriam se valorizar e suas taxas de câmbio, expressas em moeda local/US$, deveriam cair.
E foi isso que aconteceu nos principais exportadores mundiais de açúcar. Nesse caso, vale citar Tailândia, União Europeia, Austrália, México. Nesses países, as reduções nas taxas de câmbio foram entre 0,3% (México) e 9,1% (Austrália), com média simples de 5,7%. Somente no caso da Índia, a taxa de câmbio se desvalorizou (pouco) e aumentou em 3,9%.
E no caso do Brasil, maior exportador e produtor mundial de açúcar?
Tivemos uma superdesvalorização da taxa de câmbio em dois anos. Ela aumentou em cerca de 39% e passou de 3,80 para 5,30 entre 02jan19 e 20jan21. Em outras palavras, aumentou muito a competitividade do Brasil nas exportações de açúcar e etanol e aumentou muito a proteção do Brasil contra importações de etanol, principalmente dos EUA e Paraguai. Essa é uma situação de desequilíbrio que tende a ser corrigida. Em outras palavras: é uma situação que deve ser bem aproveitada pelas exportações brasileiras enquanto durar.
Efeito nas exportações e importações: Nesta safra atual 2020/2021 (Abril20/Mar21), as exportações de açúcar do Brasil serão um recorde e podem alcançar a faixa de 32 milhões de toneladas. Na safra passada, foram pouco abaixo de 20 milhões. As exportações de etanol podem alcançar a faixa de 3 bilhões de litros; na safra passada, foram pouco abaixo de 2 bilhões.
Em contrapartida, as importações de etanol foram inibidas com o câmbio desvalorizado. Nesta safra, podem alcançar a faixa de 0,6 bilhão de litros e, na safra passada, se aproximaram de 1,7 bilhão. Efeito nos preços e rentabilidade do negócio. Riscos: O efeito nos preços foi o melhor possível. Em outras palavras, “céu de brigadeiro”.
Quem define preços nos mercados de açúcar e etanol no Brasil, que produz ambos os produtos em escala relevante, é o mercado externo de açúcar, quando o petróleo e a gasolina estão com preços baixos em relação aos preços equivalentes de açúcar.
Desde 2019, o mercado global de açúcar opera em modo de oferta restrita. Dessa forma, desde maio/20, os preços do açúcar no mercado externo estão com tendência de alta. Naquele mês de maio/20, o preço médio foi 10,60 ¢/lb. Atualmente, estão testando a faixa de 17¢/lb no mercado de futuros de NY – tela de maio/21.
Combinando preços do açúcar em alta no mercado internacional com uma taxa de câmbio média mensal acima de 5,20 R$/US$, tivemos as seguintes consequências:
1. A exportação de açúcar se tornou economicamente víável, remunerando todos os custos e gerando um lucro extranormal para o produto. Isso é válido para Brasil e não vale para os principais exportadores mundiais do produto.
2. A oferta interna de açúcar ficou restrita e garantiu preços também remuneradores.
3. A produção de etanol, menos atrativo para o produtor, foi minimizada, e, como consequência, sua oferta foi restrita. Com isso, a recuperação dos preços do produto foi rápida, com o suporte dos preços da gasolina também em alta.
4. A receita da agroindústria canavieira será cerca de 20% acima da safra passada e vai ser suficiente para cobrir todos os custos de produção, com lucro normal ou acima. Essa condição não acontecia desde 2016.
5. O Brasil tem uma condição privilegiada como exportador de açúcar graças ao US$ acima de 5 R$/US$. E tem aproveitado bem essa situação, com fixações de preços para exportação em 2021 e 2022.
Resumindo: tudo de bom aconteceu para o negócio brasileiro de açúcar e etanol nesta safra 2020/2021. O risco que vemos daqui para frente estaria em duas frentes:
1. menor taxa de câmbio, muito dependente de aspectos domésticos de natureza social, política e econômica;
2. preço do petróleo WTI não se sustentar em torno de 60 US$/barril.