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Heitor Cantarella

Diretor do Centro de Solos e Recursos Ambientais do Instituto Agronômico, Campinas

Op-AA-60

Moderno é não esquecer o básico
As produtividades agrícolas do setor sucroenergético decresceram nos últimos anos e estão estagnadas em patamares muito abaixo do real potencial da cultura no País. Entre as causas, estão fatores climáticos (anos com chuvas irregulares) e mudanças tecnológicas adotadas para acomodar as exigências do sistema de colheita mecânica, que colocaram novos desafios para o manejo da cultura e que, aos poucos, vão sendo vencidos. Acrescem-se a isso os problemas econômicos recentes e a necessidade de redução de custos, e a consequência foi a redução nos investimentos na lavoura.
 
Cortar custos, porém, precisa ser feito seletivamente. A fábrica de açúcar não é a planta industrial, mas a planta que cresce no campo. Geralmente, o cuidado com a planta industrial é maior do que aquele com a verdadeira fonte de açúcar. É interessante traçar um paralelo entre ambas.
 
Para o bom funcionamento da fábrica de açúcar, o suprimento de matérias-primas e componentes (nutrientes, água) e o gerenciamento do estoque (o solo) precisam ser adequadamente planejados e monitorados. Assim, a fertilidade do solo no seu conceito mais amplo (químico, físico e biológico) deve merecer atenção. 
 
É mais fácil diagnosticar os aspectos químicos por meio da análise do solo, mas, embora essencial, isso não é suficiente. A degradação física por erosão, o tráfego descontrolado de máquinas em solos muito úmidos, o pisoteio de soqueiras comprometem tanto a produtividade quanto a falta de potássio, por exemplo. Do mesmo modo, a baixa atividade biológica no solo afeta o crescimento das raízes e facilita a proliferação de pragas e doenças. 
 
Assim, um solo ácido, compactado, com baixo estoque de nutrientes, reduzida profundidade de enraizamento e microbiota pobre equivale a uma destilaria em que falta eletricidade e vapor, o suprimento de caldo é irregular e o estoque de ácido sulfúrico se esgotou.  A cana mais cara é de áreas com baixos rendimentos, uma vez que vários custos fixos que não podem ser comprimidos. Não se deve esquecer, por exemplo, que nutrientes são fatores de produção, pois são componentes insubstituíveis das plantas. Aqui não há atalho possível: mais biomassa, mais nutrientes. 
 
A cana de três dígitos, meta do setor, exporta, aproximadamente, 100 kg de N, 35 kg de P2O5 e 130 kg de K2O por cada 100 toneladas de colmo colhido. Se a palha for computada, esses números sobem para 150 kg de N, 45 de P2O5 e 180 kg de K2O. Essas são quantidades mínimas que devem ser repostas se o solo não contiver níveis altos desses nutrientes.

É importante não esquecer que as plantas também precisam de nutrientes secundários e micronutrientes. O manejo inadequado da adubação pode levar à degradação do solo a médio prazo e comprometer o potencial produtivo e a longevidade das soqueiras, levando a reformas precoces e a aumento de custos.
 
É relativamente comum o uso de umas poucas formulações de fertilizantes para toda a área plantada, às vezes de dezenas de milhares de hectares. Isso simplifica o processo de compra e as operações no campo, mas não leva em conta as peculiaridades dos diferentes tipos de solo e da fertilidade, que pode ser alterada de modo distinto em diferentes unidades de solo. Muitas empresas adotam agricultura de precisão, mas se esquecem de usar precisão na agricultura.
 
Pesquisas recentes têm evidenciado aumentos substanciais de produtividade com aplicações de micronutrientes em cana, em especial o zinco, o qual vinha sendo negligenciado em programas de adubação devido a pesquisas mais antigas, quando os solos eram de exploração recente e não tão esgotados. O emprego adequado de micronutrientes é essencial para a cana de três dígitos.
 
As recomendações modernas de adubação também apregoam práticas para evitar que o solo chegue exaurido à época da reforma, acelerando a queda de produtividade a cada soqueira. Um exemplo é a aplicação periódica de calcário e gesso – e não somente na reforma - para contornar o excesso de acidificação e perda gradual de bases que ocorre ao longo do ciclo. Igualmente importante é a aplicação de fósforo em soqueiras.

A tradicional aplicação somente de NK em soqueiras já não é mais aceitável na maior parte das situações. As exportações de fósforo ao longo do ciclo, em lavouras com alta produtividade, não são compensadas mesmo com as altas quantidades aplicadas no plantio. Se não houver reposição, o estoque do solo se esgota, e as soqueiras se degradam. O mesmo vale para outros nutrientes.

Assim, a contabilidade simples de entradas de suprimentos (adubação mineral, uso de subprodutos como vinhaça, torta), de saída de produtos (as exportações pela colheita) e de conferência do estoque (análise de solo) traz informações essenciais para a tomada de decisões no manejo nutricional da cana-de-açúcar.
 
Do mesmo modo que é necessário manter as correias transportadoras de cana limpas e lubrificadas na indústria, é preciso evitar danificar a boca da planta (a raiz) com excesso de sais e doses altas de alguns elementos tóxicos em altas quantidades: a prática comum de colocar no sulco de plantio muito potássio, às vezes N e altas doses de fontes solúveis de boro, pode ser substituída pela aplicação de parte desses elementos em cobertura após a brotação. O aumento do custo da operação deve ser medido frente ao benefício do melhor aproveitamento dos nutrientes e menor dano à cana.
 
As modernas tecnologias, tais como agricultura de precisão e eletrônica embarcada, são cada vez mais presentes no setor sucroenergético. Diagnósticos em tempo real, controle de tráfego, mapas de colheita, operações georreferenciadas são ferramentas que facilitam e permitem otimizar o manejo nutricional. 
 
Essa é uma área emergente nas pesquisas em cana-de-açúcar e tem muito a oferecer para o aumento da produtividade e da redução de custos. Porém é importante manter sempre a aderência aos conceitos básicos de nutrição. Por fim, moderno, e primordial, é prestar atenção aos aspectos ambientais relacionados ao manejo da adubação da cana-de-açúcar. As emissões de gases de efeito estufa (GEE) oriundas das operações de campo e do uso de insumos agrícolas estão na pauta das discussões internacionais e podem servir de barreiras não tarifárias para os produtos do setor sucroenergético. 
 
Pesquisas recentes mostram que os fatores de emissão associados ao uso de fertilizantes nitrogenados – um dos maiores responsáveis pelas emissões de GEE –, no cultivo de cana no Brasil, são inferiores aos valores médios usados pelo IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. 
 
Essa é uma boa notícia, mas algumas práticas comuns, como a adubação feita próximo à aplicação de vinhaça e áreas com muita palha, podem reverter esses bons resultados. Estudos estão sendo conduzidos para obter dados mais precisos e procurar soluções para contornar esse problema, para garantir que essa indústria seja cada vez mais um modelo de produção sustentável.