Atualmente, vivemos dias de muita informação e dúvida. E não me refiro somente ao cenário político-econômico. Nos bares, redes sociais e até mesmo em rodas de amigos, existem divergências de pensamentos em se posicionar sobre um assunto ou outro.
No que se refere aos negócios ligados ao empreendedor rural, isso não é diferente. Imaginem com quantas informações somos abastecidos durante o nosso dia. A avaliação dos riscos na atividade, a possibilidade de aproveitar as oportunidades de mercado, ou mesmo como tomar a melhor decisão. São questionamentos recorrentes dentro do escopo estratégico de qualquer organização.
Em um setor integrado e a cada dia mais exigente pelo consumidor, as decisões estratégicas de cada propriedade rural toma também uma conotação de necessidade de se comunicar entre quem produz e quem consome. Em meio a um turbilhão de informações que se passam no dia a dia, e várias delas sem fontes confiáveis de informação ao público em geral, os consumidores de produtos derivados do processamento da cana-de-açúcar buscam conhecer como foi produzida a sua matéria-prima.
Se proteger e garantir a segurança de seu suprimento são ações tomadas pelas empresas, uma vez que um produto que foi produzido de forma duvidosa pode colocar o seu negócio em risco. Algumas ações já têm sido adotadas pelas empresas ligadas ao setor sucroenegético há vários anos. Quando se vende açúcar, etanol, bagaço, leveduras, óleo fúsel (por exemplo), são ações de comunicação aos seus clientes, e mesmo para garantir o compliance (cumprimento de normativas) que esses consumidores exigem, a participação em programas de certificação da produção se mostra item fundamental.
Um modelo de garantia de cumprimento e mesmo de reconhecimento não se mostra do dia para a noite. Convenhamos que produzir e empreender no Brasil, nos últimos anos, não é tarefa fácil para ninguém. Constantes alterações e solavancos jurídicos, custos altos e um ambiente de difícil previsibilidade deixam mais dúvidas sobre o negócio. Mas sabemos que o empreendedor rural, sob a ótica dos produtores independentes de cana, empreende, em sua maioria, por necessidade e não por oportunidade.
Sabe-se que a primeira certificação voltada aos subprodutos da cana foi em 2011, com a BSI, Better Sugar Initiative, organização que congregava empresas consumidoras de açúcar, membros da política governamental europeia, ONG´s onde essa organização que detém o protocolo de certificação passou a se chamar Bonsucro, que continua com boa parte de seus membros e um dos selos mais conhecidos pelo mundo. Existem outras diversas certificações estabelecidas que dão garantia e levam credibilidade à sustentabilidade da produção de cana, como exemplo RSB, ISCC, Coca-Cola, Unilever, Braskem, Nestlé etc.
O processo de certificação e garantia de sustentabilidade se mostra fortalecido e robusto nas últimas décadas. Esse direcionador deve pautar para os próximos anos o compromisso assumido na COP21 e reiterado na COP22, onde o mundo quer reduzir seus índices de emissão de CO2, com o desafio, nos países signatários, de garantir renda e desenvolvimento social.
Somente ao final do ano de 2016, o Bonsucro, juntamente com o apoio de organizações de produtores de cana (Socicana e Assobari), estabeleceu um protocolo voltado também aos produtores independentes de cana. Parece estranho, mas até o ano passado não existia um protocolo de sustentabilidade do Bonsucro (principal selo de certificação em cana-de-açúcar) aplicável aos produtores independentes de cana, e sim somente para as unidades industriais (que produzem cana). Talvez essa demora na concepção de um protocolo seria explicada pelos volumes dos fornecedores independentes.
De acordo com dados da Orplana – Organização dos Plantandores de Cana da Região Centro-Sul, a maior parte da cana-de-açúcar processada no Centro-Sul do Brasil esteve nas mãos das unidades industriais com aproximadamente 74% do volume na safra 2015/2016. Obviamente que não somente produzida em área própria, mas por meio de arrendamentos e parcerias cuja unidade industrial acaba gerenciando essa matéria-prima. Outro fator pode ser explicado pela baixa representatividade dos farmers (produtores) nessa organização, em anos anteriores.
Isso fez com que a canavicultura de produtores independentes (diferente do café, fruticultura, bovinocultura) tivesse um momento de certificação diferente. Com 26% da moagem de cana no Centro-Sul (2015/2016) e mais de 16 mil produtores, esses produtores, em sua grande maioria, ainda não integram em nenhum programa de certificação voltado aos produtores independentes de cana, ou mesmo alguns podem até integrar, mas não sabem que integram e nem têm conhecimento sobre esses processos.
Por que isso ocorre? Seria pelo desconhecimento entre os produtores independentes de protocolos de certificação? Ou então, o não reconhecimento dos elos posteriores em bonificar essa cana que é produzida de forma sustentável? Enfim, são várias as causas possíveis apresentadas, entretanto não há como escapar de atender a requisitos que são exigidos pelos consumidores e compradores de açúcar.
Em números divulgados pelo Bonsucro, cerca de 1 milhão de hectares de cana já foram certificados, e 80% desse número está inserido no Brasil. Quanto se tem de produtores independentes? Contemplando os números da Socicana e Assobari, que conseguiram os certificados, uma área estimada de aproximadamente 13 mil hectares.
Com tantas particularidades, riscos e enfrentando um ambiente de negócios cada dia mais globalizado e hostil, o produtor independente de cana se mostra em um momento de necessidade de transformação, ou, em vários casos, certamente, de validação do que ele já vem realizando no seu dia a dia. Mais um motivo para que este seja inserido no modelo. Integrar um processo de certificação remete a um desenvolvimento sustentável, e, assim, envolvem em seu conceito, três grandes pilares de atuação: econômico, social e ambiental.
Para uma devida implementação e garantia de que esta será mantida, o aspecto econômico dos produtores urge de ações para rentabilidade. Se, para as usinas, os últimos 5-6 anos de safra foram de dificuldades financeiras e restrições, imaginem para o produtor independente de cana. Em momentos de intensos pensamentos e gestão de custos, controle de gastos, essa estratégia de ação, com a certificação, pode se mostrar um alento aos produtores e uma oportunidade às usinas que os apoiarem, uma vez que não haveria “divisão do bolo” e sim aumento do bolo e criação do valor compartilhado.
Um trabalho que tem sido realizado junto com produtores da Socicana tem nos mostrado que vários produtores já produzem de forma sustentável. Isso só veio a ser endossado com a certificação Bonsucro e a certificação RSB junto aos produtores de cana da região de Guariba, que foram acreditados em 2016. Hoje, aproximadamente 1 milhão de toneladas de produtores de cana vinculado à Socicana vem de propriedades certificadas.
Convenhamos que, para se produzir de forma sustentável no Brasil, pelas leis que vigoram no país, não seria nenhum exagero dizer que é “uma das formas mais sustentáveis do mundo”; ser um produtor independente certificado é uma vitória. Em síntese, o que se observou nos últimos anos foi que os produtores independentes de cana-de-açúcar no Brasil e no mundo não estavam incluídos dentro de um modelo de certificação, o que provoca uma assimetria entre as oportunidades de valorização desse trabalho.
Por isso é fundamental um ordenamento de impulsionar e incentivar os produtores a adotarem o modelo sustentável de produção de cana e uma política de valorização desses produtores. Tal diretiva, além de contribuir com o desenvolvimento, a manutenção dos produtores da atividade garante acesso a novos mercados pelas usinas, incrementa a competitividade, a imagem e o desenvolvimento do nosso negócio. Em suma, ajuda o País, ajuda o ambiente e ajuda as pessoas.