Professora de Economia, Administração e Sociologia da Esalq-USP
Op-AA-11
A história econômica é marcada por episódios em que a instabilidade nos mercados sinaliza a iminência de grandes mudanças. O salto das cotações internacionais do petróleo para US$ 78,40 o barril, registrado pela NYBOT – The New York Board of Trade, em meados de julho de 2006, reafirmou a urgência da reestruturação energética mundial. Desde então, a agenda política dos países tem sido dominada por preocupações, com a definição de novas formas para assegurar a oferta de combustível, sem agredir o ambiente.
A situação não é inteiramente nova para a economia mundial. Goodstein reporta em seu livro “Out of Gas: The End of the Age of Oil” (W.W. Norton), que: “em 1973, o mundo pôde aprender que os efeitos de uma crise na oferta do petróleo podem ser imediatos e trazem prejuízos econômicos drásticos. No entanto, décadas são necessárias para substituir toda a infra-estrutura que sustenta o processamento, distribuição e consumo de milhões de barris de óleo, consumidos a cada dia no mundo.
Estima-se que só nos Estados Unidos, cerca de 20 milhões de barris são consumidos diariamente.” Embora a reação do mercado tenha sido semelhante nesses dois episódios, os motivos que provocaram o aumento expressivo de preços são bastante diferentes. Na década de 70, os preços aumentaram por restrições na oferta. No entanto, foi um pico temporário (embora os prejuízos tenham sido persistentes), artificialmente provocado pelos chamados “príncipes do petróleo”.
Recentemente, o choque nos preços resulta de pressões da demanda. Mais especificamente, se trata de uma reação do mercado à pressão imposta pelo crescimento de novas potências econômicas, como a China e a Índia, “Os Novos Titãs”. E, aparentemente, não é uma tendência que vai se reverter tão rapidamente.
Entidades como a International Energy Agency’s - IEA, têm apresentado previsões de aumentos na demanda global de energia de 50%, entre agora e 2030 – o que equivale a uma taxa anual de 1,6%. A IEA ressalta a urgência para mudar o futuro da energia, deixando claro que o problema não é de fácil resolução. Além disso, suas projeções de tendências correntes, levam a constatar que o futuro da energia, na configuração atual, é sujo, inseguro e caro.
Não parece razoável, portanto, esperar que o petróleo acabe para se buscar um substituto. O prejuízo pode ser enorme e envolve uma grande parte da economia. Montadoras de carro, ativistas ambientais, governos e consumidores, têm sinalizado - cada um à sua maneira, uma grande apreensão, face à indefinição quanto a possíveis alternativas para o óleo negro. De fato, quanto antes se iniciar a transição para outros combustíveis, tanto maior o tempo que se dispõe para as adequações necessárias na infra-estrutura existente e tanto mais rápido o avanço na redução das emissões de CO2.
Qual o valor do prêmio para o substituto do petróleo? Embora nem todos os países tenham se dado conta, é relativamente fácil entender porquê vale a pena “comprar a briga” pela produção de um combustível global. É visível a riqueza gerada pelo petróleo nas nações que tinham o produto de forma relativamente abundante em seu território, fossem essas participantes ou não da OPEP.
Isso possibilitou que esses países ofertassem a commodity para o mundo, a um preço relativamente baixo por várias décadas, acumulando riquezas consideráveis. E não pára por aí. As companhias que refinam, transportam e distribuem o produto para o consumidor tornaram-se globais, assumindo um status econômico expressivo.
Atualmente, o consumidor, particularmente nos países mais ricos, está plenamente acostumado à conveniência de ter, pelo menos, um carro na garagem. Além disso, quase todos os segmentos da economia, desde os agroindustriais, aos de alta tecnologia, dependem, em algum ponto de seu processo de produção e/ou distribuição do produto, do combustível derivado do petróleo, para mover motores.
Não são nada desprezíveis as vantagens potenciais de um mercado dessa natureza. Daí a concorrência cerrada pela posição, que por um lado parece retardar o ritmo da transição. Por outro lado, a competitividade força a escolha pela eficiência, o que tende a beneficiar a economia mundial.
Quais os candidatos mais bem posicionados para substituir o petróleo? Os requisitos podem ser vários, porém alguns são essenciais para essa seleção. O tempo para a disponibilidade do novo combustível, por exemplo, é um fator estratégico. A disponibilidade imediata da tecnologia é importante. O baixo custo de obtenção também é requisito de peso em um contexto competitivo. Somando-se a estes, características de sustentabilidade e baixa ou nenhuma agressão ambiental, obtém-se um quadro relativamente completo dos requisitos pretendidos para as novas fontes de energia. Poucos refutam que o etanol é um candidato extremamente bem posicionado para essas exigências.
Uma restrição associada ao etanol, mas que também se aplica a qualquer outro “candidato potencial” nesse estágio, é que o produto ainda não é de fácil acesso para todos os potenciais consumidores. Como não são todos os países que produzem o etanol (a custos competitivos), é essencial que se consolide um mercado internacional para estimular, por um lado, a adoção desse combustível pelos países com potencial para realizar sua própria produção, bem como excedentes exportáveis. Por outro lado, é preciso despertar o interesse de países compradores, que tenham a intenção de substituir o óleo combustível por um produto mais barato e mais limpo, ainda que não sejam produtores.
Qual a vantagem do Brasil nesse contexto? Atualmente, o Brasil e os Estados Unidos são os maiores produtores de etanol. No entanto, para atender aos requisitos listados acima, o Brasil está à frente e com grande vantagem sobre os Estados Unidos.
Em 2005, o Brasil foi responsável por mais de 50% do álcool mundial exportado (Figura 1). O custo de obtenção do produto pelo país é mais baixo que em qualquer outro país do mundo (Figura 2), o que permite a venda pelo menor valor no mercado.
A infra-estrutura que viabiliza sua produção e consumo em larga escala já foi desenvolvida ao longo das três últimas décadas no país e novos investimentos vêm sendo realizados.
O país também é o único que pode expandir sua produção, explorando economias de escala, sem que seja necessário reduzir a área alocada para outros produtos agrícolas e/ou alimentares, o que poderia provocar sua escassez e aumentar seus preços. Atualmente, a área ocupada pela cana não chega a 6 milhões de hectares, o que representa menos de 10% da área onde se planta no país (62 milhões de hectares).
A pecuária do país é extensiva, ocupando cerca de 220 milhões de hectares, de forma que se pode pensar em uma reorganização planejada de área ocupada, sem que a produção seja necessariamente reduzida (Figura 3). Esses argumentos são suficientes para mostrar que o Brasil tem toda a justificativa para investir, e muito, na internacionalização do consumo do etanol. Fica em aberto, portanto, a seguinte questão: Por que o governo brasileiro prefere apostar no incerto, como no biodiesel, quando já sabe qual é o bilhete premiado?