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Caetano Ulharuzo e Jorge Luís Boeira

Coordenadores de Bioetanol e de Energia da ABDI, respectivamente

Op-AA-35

Recursos, ideias e soluções

O Brasil possui uma grande reserva de recursos naturais não renováveis e renováveis, o que pode nos colocar entre os maiores produtores de energia do mundo. Nesse contexto, abre-se uma janela de oportunidades para a consolidação da indústria brasileira de bens de capital e de serviços industriais.

A adoção de política industrial articulada com política energética poderá fomentar o desenvolvimento do parque fornecedor doméstico de equipamentos e serviços.

Neste artigo, tentamos explicitar os pilares que, sob o nosso entendimento, seriam importantes para a consolidação de uma política energética sintonizada com uma política industrial.

Por outro lado, observa-se que algumas propostas listadas nas agendas setoriais do Conselho de Competitividade de Petróleo e Gás e de Energias Renováveis, no âmbito do Plano Brasil Maior, estão em sintonia com essa visão de desenvolvimento da indústria nacional voltada às diversas fontes de energia. Em nossa visão, seriam cinco os pilares de uma política energética brasileira em sintonia fina com a política industrial:

Visão de futuro: A predominância do uso de combustíveis fósseis para as próximas décadas e a necessidade de expandir a participação de energias mais limpas na matriz energética mundial é consenso entre os governos, especialistas e agentes econômicos do setor.

De qualquer modo, por mais que as reservas de combustíveis fósseis cresçam, não é difícil deduzir que essas fontes entrarão em desuso num futuro não muito remoto, até não existirem mais, ou se tornarem inviáveis economicamente para a queima como combustíveis.

Contudo isso não significa que não continuaremos a explorar o petróleo, pois se trata de uma matéria-prima que possui outras utilidades muito mais nobres do que a sua simples queima como combustível. Sob esse ponto de vista, considerando também os aspectos ambientais envolvidos na questão, podemos admitir uma visão de futuro baseada na “Emissão Zero de Carbono na Atmosfera”.

Esse seria o nosso norte. Trata-se de uma perspectiva que dificilmente pode ser contestada, já que, mesmo que não façamos nada, isso irremediavelmente irá ocorrer num futuro mais distante.

Priorizar as fontes renováveis de energia: É necessária uma política de longo prazo que priorize as fontes renováveis de energia através de incentivos fiscais e outros instrumentos. As fontes renováveis sempre deveriam obter vantagens tributárias em relação às não renováveis ou, no limite, até mesmo serem subsidiadas.

Em relação ao caso do etanol, por exemplo, é preciso considerar que seus custos de produção variam conforme as safras e seguem uma trajetória distinta da cadeia de valor do petróleo.

Nesse caso, uma política para o etanol deveria estar ancorada em duas premissas: preço final do etanol para o consumidor numa proporção máxima de 70% em relação ao preço da gasolina nos maiores estados consumidores da federação, bem como uma TIR na usina que remunere o produtor, incentivando-o a fazer novos investimentos.

Pode-se fazer tal política por meio da administração dos preços da gasolina A e dos impostos incidentes sobre ela, bem como desonerando o etanol hidratado tanto em nível federal como estadual.  

No caso do biodiesel, é necessário reconhecer que a produção de oleaginosas para a produção de biocombustíveis segue uma trajetória econômica de “retirada de valor”, ou seja, é imperativo aumentar a produtividade e reduzir custos com vistas à redução dos preços em toda a cadeia.

Desse modo, “o cultivo de energia” não seria apropriado em pequenas propriedades, pois, nelas, é necessário atividades que agreguem valor e aumentem a remuneração do produtor.

Consequentemente, observa-se que o biodiesel deu certo no Brasil por causa dos grandes produtores de soja. Para o aumento do percentual de biodiesel no diesel, será oportuno repensar o programa admitindo-se que se trata de uma atividade que requer economias de escala.  

No tocante à geração de energia elétrica, a questão relevante são os leilões de contratação de energia nova, que devem ser formatados de tal forma que uma matriz elétrica seja estrategicamente implementada para incluir diversas fontes.

Sob essa ótica, incluiríamos, no modelo do sistema elétrico, medidas que garantam uma fatia maior às fontes de energia renovável e permitam o desenvolvimento da indústria nacional de equipamentos, já que o modelo atual privilegia projetos com custos de geração menores, independentemente da fonte, porém com maiores custos de transmissão.

A energia solar se encontra num estágio pré-competitivo quando se compara seu custo com os de geração de outras fontes. Entretanto, se comparado seu custo com o preço de venda da energia elétrica ao consumidor, ela se torna competitiva. Por esse motivo, o sucesso da energia solar fotovoltaica poderá ser favorecido a partir da Resolução Aneel nº 482/2012, com a garantia de preço de compra atrativo ao consumidor por parte das concessionárias.

Energia a preços módicos: O modelo do setor elétrico construído em 2004 já prevê a modicidade tarifária como um de seus princípios. Nesse caso, poderíamos afirmar que, se os preços teto de referência nos leilões estivessem bem calibrados, as tarifas estariam compatíveis com esse pressuposto, porque refletiriam os custos envolvidos diretamente na produção de energia elétrica.

Existem, contudo, outros componentes além do custo da geração que mascaram essa lógica, como os chamados encargos e tributos que, até pouco tempo, representavam praticamente a metade da conta de energia elétrica, além dos custos de transmissão que não são computados adequadamente nos leilões.

Os custos com energia elétrica e combustíveis impactam diretamente na competitividade das empresas e não devem ser mero objeto arrecadatório ou substituir a função do tesouro em projetos sociais. Nesse aspecto, destacamos o esforço atual do Governo Federal em reduzir os encargos sobre as contas de energia e de renegociação das concessões de ativos já amortizados, com vistas à diminuição da conta de energia elétrica. Entretanto acreditamos que ainda há muito mais para ser feito.

Eficiência Energética: Estudos demonstram que cada real economizado em eficiência energética significa dez reais a menos em investimentos em geração e distribuição de energia. É muito mais econômico investir em eficiência energética do que aumentar a oferta de energia. Os programas de eficiência energética sempre foram tímidos no Brasil, limitados a ações pontuais. Uma explicação para esse fato está associada à governança de tais programas, que se encontram nas mãos dos ofertantes de energia.

Por esse motivo, seria oportuno repensar a transferência da governança dos programas de eficiência energética para os demandantes, evitando o conflito de interesses. Seria conveniente, também, aumentar o escopo dos atuais programas com iniciativas mais agressivas, tais como: inclusão de disciplinas nas escolas e universidades públicas sobre eficiência energética, criação de centros de pesquisas voltados exclusivamente ao tema, obrigação de observância de princípios de eficiência energética para novas construções, a exemplo da substituição do chuveiro elétrico pelo aquecimento solar, etc. Em suma, é relevante incorporar a cultura da eficiência energética no cotidiano da população brasileira.

Conteúdo nacional e desenvolvimento tecnológico: A descoberta recente de reservas de petróleo na camada pré-sal é uma evidência incontestável quanto ao futuro do País como grande produtor de petróleo e derivados. O País conta, desde o final da década de 90, com uma política de conteúdo local para o setor petróleo, a qual tem sido aperfeiçoada desde então. Da oportunidade de tornar o País uma potência energética no setor petróleo decorre como imperativo a superação do desafio da inserção competitiva da indústria brasileira na cadeia de valor global de fornecedores.

A existência da política de conteúdo local é um ponto chave na sustentação dessa política industrial, mas não suficiente. É central a estruturação de um plano de ação que anteveja mudanças nas estruturas empresariais e que elimine deficiências tecnológicas, de qualidade e de escala ao longo da cadeia de fornecedores do setor petróleo, com uma visão clara sobre as competências nacionais, mas também ter em mente que a competição é global. As experiências no setor petróleo e, mais recentemente, no setor eólico com a revisão das regras de conteúdo nacional dos aerogeradores pelo Finame-Bndes, são muito relevantes e poderão ser elementos importantes na definição de políticas de conteúdo local, de desenvolvimento corporativo e tecnológico para todas as cadeias de suprimentos em energias.

Conclusões: As preocupações com o meio ambiente e os impactos resultantes na geração e no consumo de energia afetam a decisão de expandir sua oferta sob as suas diversas fontes, tudo isso aliado à necessidade de desenvolvimento econômico e social. Entretanto já há um consenso internacional de que é imperioso aumentar a participação de energias renováveis na matriz energética mundial bem como tornar mais racional a sua utilização.

Considerando esses aspectos, aliados ao esgotamento dos recursos naturais, a produção e a utilização racional de energia passam a ter um caráter muito mais estratégico do que atualmente ocupam. Sob essa lógica, pensar uma política energética não deveria estar limitada a considerar unicamente aspectos referentes à oferta e à demanda de energia, mas também levar em consideração os aspectos econômicos e sociais da sua implementação.