Presidente da ABAG - Assoc Brasileira do Agronegócio
Op-AA-39
Na questão das deficiências na nossa infraestrutura de transporte, não temos tempo a perder. Temos, sim, urgência em corrigir o que nos sufoca. E nós, do agronegócio, mantemos uma relação respeitosa com o tempo: sabemos, como ninguém, a hora de plantar, de cultivar e de colher. Entendemos que assim também é em relação a construir uma infraestrutura de transporte moderna, eficiente e condizente com as necessidades do Brasil, que é, hoje, geopoliticamente, imprescindível para a produção de alimentos e energia.
E se mirarmos nos Estados Unidos, país que tem uma das melhores estruturas de transporte do mundo, temos de admitir que o tempo não joga a nosso favor. Logo que terminou a Segunda Guerra Mundial, chamou a atenção do general Dwight Eisenhower, comandante supremo das Forças Aliadas e que liderou o estratégico desembarque na Normandia, o tamanho e a qualidade do sistema rodoviário da Alemanha. Ele concluiu que esse sistema foi um dos fatores que permitiu o rápido deslocamento das tropas e tanques de Hitler, facilitando a ação nazista no principal teatro da guerra.
Na verdade, Eisenhower confirmava sua ideia de que não se faz um grande país sem boas estradas. Ainda jovem aspirante, em 1919, ele havia participado de uma caravana de 81 veículos do exército americano que levou dois meses para cruzar os Estados Unidos de costa a costa, cujo objetivo era denunciar a deficiência da malha rodoviária daquele país no início do século XX. Em razão dessas experiências, quando se tornou o 34º presidente dos Estados Unidos, em 1953, uma das suas primeiras iniciativas foi criar uma ajuda federal voltada especificamente para melhorar a malha rodoviária do país. Assim, de 1956, quando teve início o projeto, até 1992, o plano construiu 66.000 quilômetros de rodovias duplicadas. Atualmente, a rede americana de autoestradas totaliza 75.200 quilômetros.
Vale observar que isso foi feito sem que outras modalidades de transportes, como hidrovias e ferrovias, fossem deixadas de lado pelos americanos. Aqui, é interessante observar também o aspecto da continuidade na execução do projeto original: nada menos que 11 presidentes, de correntes políticas diferentes, passaram pelo governo americano desde 1953, sem que houvesse desvio do objetivo originalmente traçado por Eisenhower, que era dotar o país de uma eficiente malha rodoviária.
Nesse meio tempo, enquanto os Estados Unidos montavam seu sistema rodoviário – um dos maiores do mundo –, o Brasil pouco fazia: temos hoje cerca de 11.000 quilômetros de estradas duplicadas, a maioria concentrada no Centro-Sul. Apenas São Paulo conta com uma densidade de autoestradas parecida com a americana, e nada menos que nove estados brasileiros não possuem sequer um quilômetro de rodovia moderna. No total, a malha brasileira é de 212.000 quilômetros de vias pavimentadas – quase um vigésimo da extensão americana, de 4,1 milhões de quilômetros.
Para o produtor rural brasileiro, o resultado disso pode ser medido em várias comparações, todas desfavoráveis para nós. Segundo os dados do Movimento Pró-Logística, o frete de Sorriso-MT até Santos sai por US$ 145 por tonelada, enquanto o produtor de Illinois, estado da região central dos Estados Unidos, paga o equivalente a US$ 25 para levar o produto, prioritariamente por hidrovias, até o porto de Nova Orleans, no Atlântico. De acordo com o estudo, perdemos também para nossos vizinhos argentinos, que gastam US$ 36 para levar a tonelada de grãos de Córdoba até o porto de Rosário.
Tal realidade é fruto do nosso baixo investimento em rodovias. Segundo estudos recentes, enquanto nosso investimento médio anual na construção de rodovias não passa de 0,35% do PIB, os Estados Unidos investem 0,77%, e a China tem aplicado uma média anual de 3,12% do PIB em rodovias. No Congresso da Abag do ano passado, os vários especialistas chamados para analisar exatamente a questão da infraestrutura disseram que estamos investindo anualmente cerca de 2% do PIB em obras de infraestrutura, aqui considerando transporte, energia e saneamento.
Nos anos 1970, nosso investimento anual chegou a atingir a marca de 5,5% do PIB. Com todos esses dados e exemplos, sei que não estou dizendo nada de novo: os principais empecilhos a um crescimento ainda mais expressivo do agronegócio brasileiro estão fora das possibilidades do empresário rural.
Não há nada que impeça o Brasil de responder ao aumento de produção de alimentos e energia que o mundo espera de nós. Nem governo ruim, nem falta de crédito. Fazemos bem nosso trabalho e somos competentes. Afinal, nosso agronegócio cresceu nesses anos todos em um ambiente até hostil a ele. O diagnóstico para alavancar investimentos que acabarão com os gargalos logísticos que impedem um crescimento ainda mais expressivo da produção brasileira de grãos é bem conhecido e passa, necessariamente, por um maior envolvimento do setor privado na construção, na operação e na manutenção de rodovias, ferrovias, hidrovias e sistema portuário.
Para tanto, é preciso que parte expressiva do Governo Federal abandone uma agenda econômica pautada pela aversão aos investimentos privados em determinadas áreas. Mais do que isso: é fundamental que, além de privatizar ou fazer uma Parceria Público-Privada (PPP), haja um valor competitivo das tarifas para estimular os investidores a entrar na área de construção de estradas, ferrovias e aeroportos. Paralelamente às ações governamentais na infraestrutura, o produtor precisa intensificar esforços para criar, internamente, condições para armazenagem de parte de sua safra.
É sabido que isso também demanda uma política governamental em relação à concessão de crédito, por exemplo, mas temos de fazer nossa parte, afinal de contas, hoje, temos uma capacidade de estocagem nas fazendas de 30 milhões de toneladas, quando estamos colhendo 180 milhões de toneladas. Temos de nos conscientizar de que a boa logística começa dentro da fazenda.
De toda forma, a maior perda do agronegócio brasileiro acontece efetivamente devido às condições inadequadas da malha de transporte, especialmente a rodoviária. Estudo recente da Fundação Dom Cabral estima uma perda, a cada ano, de R$ 80 bilhões, em função da infraestrutura rodoviária capenga.Só para se ter uma ideia do avanço que seria possível, apenas a duplicação das rodovias Belém-Brasília e Brasília-São Paulo proporcionaria um ganho de velocidade média de 44 para 60 quilômetros por hora nos veículos que fazem esse trajeto. Uma viagem nesse trecho, que, hoje, é feita em seis dias, ao custo de R$ 9 mil, poderia passar a ser feita em apenas quatro dias, por um custo médio de R$ 7,2 mil.
Considerando ainda a economia de combustível e menor desgaste dos veículos, além da possibilidade de se fazer mais viagens com o mesmo veículo, se conseguiria um ganho de produtividade da ordem de quase 12%. Em razão de todos esses fatores, entendemos que está mais do que na hora de melhorar nossas estradas, ferrovias, hidrovias, aeroportos e portos para pararmos de perder riqueza pelo caminho.