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Luiz Carlos Corrêa Carvalho, Caio

Diretor do Grupo Alto Alegre

OpAA66

Um novo alvorecer
Em pleno verão brasileiro, 2020, com as temperaturas elevadas e os dias longos, bons indicadores de produtividade agrícola e preços animadores, um raro cenário de encontro de ótimas notícias desenhava um “céu de brigadeiro” ao setor sucroenergético. Um ano pintado excepcional, com o lançamento do RenovaBio, carregava as tintas de otimismo e ânimo para seguir com os fundamentais investimentos já efetivados em 2019.

Houve grande renovação de áreas em 2019, além do maior uso dos insumos modernos e importante renovação da frota de máquinas e carros. Em suas reuniões de 2019, de abril e de outubro, a Canaplan lançava o que chamava de um “um novo ciclo setorial” iniciado. Na esteira da usina, o verde dos colmos era a esperança de uma safra 2020/2021 relevante, para deixar marcas do progresso esperado.

Em pleno carnaval brasileiro, começaram a surgir notícias de um vírus na China, que, em poucas semanas, se transforma em pandemia, sem defesa inicial, sem noção de tempo, somente reclusão, máscara e lavar as mãos... despencam o consumo de combustíveis e, até, do açúcar.

Esse cenário kafkiano (derivado de Franz Kafka, classificando situação desesperadora, claustrofóbica e traumática) travou, literalmente, as ações dos produtores, que viram preços do petróleo WTI negativos. Entre o céu de brigadeiro e o mundo de Kafka, o setor sucroenergético conviveu com dias negros, escurecidos com a revoada dos cisnes negros de Nassim Taleb (acontecimento de impacto desproporcionado).
 
À queda da demanda de petróleo e dos seus derivados se juntou a do etanol; além da queda média histórica do consumo do açúcar, se somou, mais negativamente, a pandemia. Passadas algumas semanas do trauma, o mundo real foi se restabelecendo, e o bom senso se firmando: os fundamentos que geraram a perspectiva de céu de brigadeiro continuavam... claro que com as limitações da Covid-19, mas continuavam... o mundo de juros baixíssimos continuava, e as commodities seguiam alimentando as ações dos Fundos Especulativos... pouco a pouco os preços do petróleo voltavam aos US$ 30/barril, aos US$ 40/barril, e os do açúcar aos US$ 11-12 c/lb... Em nov/20, US$ 15 c/lb.
 
A moeda real brasileira se desvalorizou frente ao dólar, e um milagre se processou: açúcar vendido a R$ 1.500,00/tonelada a um custo cheio de R$ 1.200,00/tonelada, e o etanol subindo e acompanhando a recuperação dos preços do petróleo. À mágica da confiança, com as fixações dos preços e hedge do dólar, por um lado, se somava a colheita com boa produtividade agroindustrial. Isso aconteceu em todo o Centro-Sul brasileiro, com todas as cores da dispersão de dados típica da região e entre os produtores.
 
À forte queda da demanda de etanol, o modelo flexível das indústrias brasileiras permitiu a arbitragem pelo açúcar, que remunerava bem... o etanol agradeceu, e os preços recuperaram ainda em maior velocidade. O fato é que a safra 2020/2021 está desenhada como uma das melhores até então, o que é algo realmente impressionante. Nesse momento, é fundamental rever os comentários iniciais:

a) Os bons investimentos, no ano de 2019, em tecnologia e no porcentual de renovação da área plantada, foram a base de sustentação da boa safra 2020/2021;
b) O bom verão e um canavial “alimentado e defendido” como uma base estrutural para uma boa produtividade agrícola;
c) A seca forte e a melhoria da qualidade da matéria-prima, o que leva, com boa produtividade agroindustrial, à redução dos custos; com bons preços, à redução do endividamento.

Após um longo período, quando o Centro-Sul canavieiro, na média, perdeu 2 toneladas de ATR/hectare, há, nas últimas safras, um real movimento de recuperação da produtividade, que, na safra 2020/2021, atingirá 11 a 11,2 ton ATR/ha, ou o mesmo que dizer que recuperou 50% do que já teve na entrada da década de 2010.
 
Esse processo se deu como citado, pelo claro aumento no uso das tecnologias disponíveis e na renovação dos canaviais. O processo de recuperação da produtividade agroindustrial “casa” com o lançamento do RenovaBio, que transmite confiança pela visão prospectiva decenal da matriz energética brasileira, pela lógica do estímulo à eficiência, na produtividade agrícola, na longevidade do canavial, na qualidade da matéria-prima processada e, agora, na redução das emissões de CO2. Trata-se de um momento ímpar:

a) Eleição de um democrata como Presidente norte-americano, que deverá retornar os EUA ao Acordo de Paris (descarbonização); deverá fortalecer a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a OMC (Organização Mundial do Comércio – essencial ao Brasil nas questões relativas aos subsídios, tipo Índia e açúcar);
b) Fortalecimento global da chamada bioeconomia, nela salientando-se os biocombustíveis;
c) Crescimento das exigências ambientais no mundo, valorizando o etanol em países como a Índia e a China, expandindo, assim, o mercado internacional de biocombustíveis;
d) Retorno do capital externo ao Brasil, em parceria com o capital local na expansão setorial e na agregação de valor aos produtos açúcar, etanol, bioenergia elétrica e biogás.

O Brasil tem, na cana-de-açúcar, uma das mais ricas cadeias produtivas do seu agro. Afinal, as principais desenvolvedoras globais de moléculas para a defesa vegetal (pragas/doenças) da cana estão no Brasil; as grandes empresas globais de máquinas e caminhões, trazendo o excepcional desenvolvimento das tecnologias de informação ao setor também estão aqui; várias competentes empresas de fertilizantes, corretivos de solo e biotecnologia estão alimentando pipelines de tecnologia ao produtor canavieiro brasileiro.

Ao mesmo tempo, há o CTC – Centro de Tecnologia Canavieira e as variedades transgênicas, além dos competentes IAC-SP e a rede Ridesa das universidades federais, sem contar as universidades estaduais e suas pesquisas e o crescente número de startups atuando em novas ferramentas técnicas ao setor.

Essas ferramentas tecnológicas, já muito utilizadas nas culturas como a soja e o milho, estarão ganhando escala na cana-de-açúcar, por um lado. De outro lado, promovendo sinergia da cana, tanto com o milho, em planta de etanol com ambas as culturas como matéria-prima, como com o amendoim, a soja e outras leguminosas.

Essa forma de utilizar intensivamente o solo em rotação de culturas traz vida à biodinâmica dos solos pobres quimicamente e com baixos teores de matéria orgânica. Não há dúvidas de que a tendência, nesta década, é a de ganhos de escala industrial e produtores agrícolas mais capacitados, assim como a profissionalização das cooperativas e associações de classe.

O momento setorial é novo e brilhante! A região Nordeste acompanhará esse processo, e a sua localização geográfica é relevante, assim como sua estrutura logística setorial. A cada ano que o processo de descarbonização avance, que os biocombustíveis como o etanol, o biodiesel, o biogás e o bioquerosene avancem, ainda muito se verá na ponta da cadeia produtiva, onde os produtores de veículos estarão olhando, além dos carros elétricos, às misturas (blends) dos combustíveis fósseis e os renováveis, seja em veículos híbridos ou mesmo no encaminhamento dos esforços na célula de combustível. Isso sem contar os avanços de sucroquímica e da alcoolquímica.

É claro que será preciso trazer a bordo desse movimento os grandes conglomerados de energia, assim como os dos motores e veículos - aliás, até nesse sentido, o Brasil está à frente: a Raízen (Shell+Cosan) e a BPBunge são grandes produtores canavieiros, do etanol e da bioenergia, já respondendo por quase 20% da oferta de produto no País; a Toyota lançou, no Brasil, o FFV híbrido.

Muitos países estão na fase de transição de 
energia,  no século XXI. O Brasil já fez isso e somente aperfeiçoará o seu modelo. O Brasil seria a máquina que moverá o mundo, no sentido dos biocombustíveis, e o fará com bioenergia. As políticas públicas, se não corrompidas, permitirão isso.

O que não pode acontecer é um tipo de retrocesso em que o RenovaBio seja perturbado por judicialização de explícita má vontade de alguns agentes da cadeia produtiva ou por medidas antigas de um momento autoritário, como a redução dos níveis de mistura (blends), seja do etanol na gasolina ou do biodiesel no diesel, por exemplo. Tem-se que acreditar no mercado.

Ele resolverá questões que a intervenção do Estado somente as complica. Entre as grandes questões que são conquista setorial, a valorização das externalidades dos biocombustíveis somente melhorará ainda mais com os ganhos de produtividade do uso das ferramentas técnicas à disposição dos produtores.