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Elio Neves

Presidente da Feraesp, Fed. dos Empregados Rurais Assalariados de SP

Op-AA-33

Uma construção de muitos

Após muitas reuniões impulsionadas por iniciativa do ex-presidente Lula, reuniram-se no Palácio do Planalto, em Brasília, representantes do governo federal – com sete ministérios –, dos trabalhadores e das usinas de cana-de-açúcar abrangendo todo o País.

Nessas reuniões, que se convencionou chamar Mesa de Diálogo, pela primeira vez na história, debatem-se condições de trabalho na lavoura de cana-de-açúcar, primeira dentre muitas atividades produtivas das quais o Brasil se orgulha; contudo, seus trabalhadores, desde os idos da escravidão oficial nos engenhos do Nordeste ou nas usinas do Sudeste, seguem marginalizados da inclusão social e da participação efetiva na geração dessa riqueza nacional que tanto nos engrandece.

A velha e boa Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, editada por Getúlio Vargas nos anos 1940, não incluiu essa massa de brasileiros, e a primeira Lei do trabalho rural, de 1963 (Estatuto do Trabalhador Rural), trouxe poucos direitos e muitas lacunas de discriminação aos homens e mulheres que, ao longo do tempo, fazem do Brasil um dos maiores produtores de cana-de-açúcar do mundo.

Mesmo a Lei nº 5.889, de 1973, em que pese seus avanços à época, também manteve lacunas discriminatórias entre o trabalho urbano e o trabalho rural. Somente a Constituição de 1988 garantiu, em seu texto, tratamento igual, porém as discriminações seguem até hoje no mundo real.

Nesse processo histórico, os trabalhadores fizeram muitas lutas, muitas vezes pagando com a própria vida, mas a fúria do capital aliada à conivência do Estado jamais permitiu efetivo espaço de construção da cidadania.

Observo que a norma regulamentadora número 31, do Ministério do Trabalho e Emprego, cujo objetivo é regular as condições de saúde e segurança no trabalho rural inaugura essas preocupações apenas a partir de março de 2005 – e, mesmo com significativos avanços, está longe de alcançar o mínimo a assegurar aquilo a que se propõe: saúde e segurança no trabalho rural.

O Brasil, especialmente na atual ordem constitucional, se propõe o cultivo permanente da igualdade entre homens e mulheres, entre todos os trabalhadores, sem distinção de qualquer natureza (artigo 5º, da Constituição Federal).

Preconiza, ainda, o compromisso republicano de erradicar a pobreza e a miséria, combater as desigualdades sociais e regionais, construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, da Constituição Federal). Esse é nosso maior Tratado econômico, social, político e jurídico, cabendo a cada um de nós zelar por sua conquista efetiva.

Nos resultados advindos da Comissão Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar e seus compromissos firmados, espera-se mais uma contribuição positiva para inclusão social de trabalhadores e trabalhadoras desse setor.

Obviamente, assim como em outros compromissos, desde a CLT dos anos quarenta, nenhuma lateralidade impõe o respeito, este é sim resultado de uma evolução da consciência, de uma melhoria nas condutas e nas relações, cujo bem comum jamais se construiu ou se constrói por imposição, daí porque relevante à alma de livre adesão, pilar dessa construção chamada de Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar.

Por mais revolucionário que se proclame um regime político ou de Estado, ou mesmo de governo, o império do Estado não se mostrou na humanidade capaz de amenizar o flagelo das massas trabalhadoras.

Nesse contexto, há que se reconhecer os enormes esforços de várias instituições de movimentos sociais e religiosos, de muitas lideranças políticas e, especialmente, do sindicalismo camponês nessa luta incessante por justiça de verdade.

Por outro lado, e para além das boas intenções do Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-açúcar que envolve sete Ministérios, duas representações de empresários e duas de trabalhadores, está o dever de cada uma das partes, como pré-condição à construção permanente da cidadania, tanto por parte das pessoas físicas quanto jurídicas, de todos os lados, o cumprimento das normas e convenções coletivas, legislação geral, ambiental e trabalhista, normas nacionais e internacionais de segurança e saúde ocupacionais.

O Compromisso, que podemos ter como mais uma ferramenta à construção de uma sociedade mais justa, não substitui em hipótese alguma, nem pode substituir, direitos e deveres de cidadãos, trabalhadores, empresários e de entes do Estado.

É preciso, sim, que cada agente social, seja de um simples trabalhador ao mais alto escalão das empresas, seja das entidades de classe ou do Estado brasileiro, siga seus papéis, dando efetiva contribuição para a construção permanente de uma sociedade mais justa, onde a base da pirâmide social, cujo labor, muitas vezes sob sol e chuva, faça calor ou faça frio, tendo alimentação ou não, segue doando suas vidas à manutenção de farto abastecimento de tanques de automóveis, de açúcares adoçando o planeta e de energia elétrica acendendo as lâmpadas dos lares de todos, sem que tenham o devido reconhecimento com o retorno minimamente da riqueza que produzem com as suas forças de trabalho a lhes garantir dignidade nessa nossa Pátria, Brasil.