Entendendo as Bioenergias
Nas últimas décadas, as fontes de energia que utilizam da biomassa, ou também chamadas de bioenergia, têm sido amplamente utilizadas e incentivadas, em vista do seu menor (ou quase nulo) impacto ambiental e por serem altamente sustentáveis. Biomassa refere-se a toda matéria orgânica de origem vegetal ou animal que pode ser utilizada para a produção de energia, tais como resíduos agrícolas, florestais, animais, urbanos (lixos) e outros.

Entre as bioenergias, existem dois grupos, segmentados conforme finalidade:
a. os biocombustíveis: utilizados predominantemente como fonte energética para movimentação de veículos (inclui o etanol, biodiesel, biometano, SAF e hidrogênio), e
b. as bioeletricidades: destinadas a alimentar áreas urbanas, indústrias, residências e outros setores (biogás e bioeletricidade da biomassa).
De acordo com dados da Agência Internacional para as Energias Renováveis – Irena, 82% do consumo energético global advém de fontes não renováveis, ou seja, de combustíveis fósseis, enquanto 18% correspondem às fontes renováveis. Entre as renováveis, os tipos predominantes de fontes são: a biomassa (67%), a hidrelétrica (20%), eólica (5%), solar (5%), geotérmica (2%) e outras (1%).
O Brasil se destaca por ter uma matriz energética mais limpa e sustentável do que quando comparado à realidade global e de países desenvolvidos.
O Brasil utiliza 48% de fontes renováveis e 52% de não renováveis. Entre renováveis, a biomassa é a principal fonte (31,3%), seguida da hidrelétrica (27,0%), lenha e carvão vegetal (18,8%) e outras (22,9%). Outro destaque interessante é o fato de entre 5% a 10% de toda a eletricidade do País ser gerada por meio da biomassa da cana-de-açúcar.
Principais Tipos de Bioenergia em Ascenção
Os sete principais tipos de bioenergias geradas por meio de biomassa estão detalhados a seguir, sendo que as cinco primeiras são utilizadas como biocombustíveis e as duas últimas como bioeletricidade. São elas:
1. Etanol: biocombustível mais produzido no mundo, feito por meio do processo de fermentação de matérias-primas vegetais como a cana-de-açúcar, o milho e a beterraba. Calcula-se que atualmente o etanol é capaz de diminuir entre 60% e 70% as emissões de carbono em relação à gasolina.
2. Biodiesel: tem a soja como principal matéria-prima, mas pode também utilizar gordura animal e outros vegetais. Estudos apontam que o biodiesel é capaz de diminuir entre 70% e 90% as emissões de carbono quando comparado ao diesel.
3. Biometano: produzido por meio do processo de digestão anaeróbia da matéria orgânica, o biometano é gerado após um processo de upgrade que purifica o biogás e eleva a sua concentração de metano para mais de 90%. O biometano é um biocombustível capaz de substituir o gás natural de transporte (GNV) para veículos pesados, mas também possui aplicações na indústria, residências e produção de fertilizantes nitrogenados para a agricultura. É capaz de reduzir em até 95% as emissões.
4. Sustainable Aviation Fuel (SAF): produzido a partir de material orgânico de origem vegetal ou animal, destaca-se pela aptidão no uso de subprodutos, tais como o óleo de cozinha usado, resíduos urbanos, gases residuais, resíduos agrícolas, outros óleos vegetais e o etanol. Estima-se que o SAF possa reduzir em até 80% as emissões de gases para a atmosfera.
5. Hidrogênio Verde: produzido por meio da eletrólise da água. Sua produção acontece por meio da separação de hidrogênio e oxigênio da molécula de H2O, através de correntes elétricas de fontes como a eólica, hídrica ou solar. O hidrogênio verde não emite gases poluentes (100% sustentável) e pode ser facilmente armazenado e transportado.
6. Biogás: produzido por meio da digestão anaeróbia da matéria orgânica, tais como a vinhaça, torta-de-filtro, o bagaço da cana-de-açúcar. Há grande potencial também da utilização de resíduos da produção animal e resíduos sanitários. O potencial de geração no Brasil pode chegar a 44,1 bilhões de metros cúbicos (m³) ou 10,5% da capacidade instalada de eletricidade.
7. Eletricidade da Biomassa: gerada em sua maior parte no setor sucroenergético (80%), a bioeletricidade é produzida em grande escala por meio da utilização do bagaço da cana-de-açúcar e do licor negro, subproduto da indústria de papel e celulose. Outros produtos incluem restos de madeira, carvão vegetal, casca de arroz e plantas forrageiras.
O Brasil é um dos principais produtores globais de bioenergias e um dos mercados com maior potencial de crescimento, especialmente atrelado a atividades e cadeias produtivas do agronegócio. Atualmente, o País é o 2º maior produtor global de biocombustíveis (~38 bilhões de litros, somando etanol, biodiesel e diesel renovável), atrás apenas dos Estados Unidos.
Ainda no ramo de biocombustíveis, o Brasil é o país com maior percentual de mistura de etanol (na gasolina) e biodiesel (no diesel) em escala global e tem planos de ampliar ainda mais esses mercados com o “Programa Combustível do Futuro”, política energética do governo federal sancionada em 2024.
Outro programa que merece destaque e é referência global quando o assunto é bioenergias e sustentabilidade é o “Programa Renovabio”.
O RenovaBio é uma política pública brasileira criada em 2017 com o objetivo de expandir a produção e o uso de biocombustíveis na matriz energética nacional, promover a redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e contribuir para o cumprimento dos compromissos assumidos pelo País no âmbito internacional do Acordo de Paris.
A Diversificação da Produção de Bioenergias nas Usinas de Cana
Nos últimos anos, as usinas de cana-de-açúcar têm passado por uma grande transformação nos processos produtivos, visando o melhor aproveitamento da matéria-prima (cana), dos subprodutos e, até mesmo, da integração com outras fontes produtoras de bioenergia.
Para melhor entendimento dessas transformações, vamos avaliar o processo produtivo nas usinas. Após a recepção da cana-de-açúcar, a matéria-prima passa pela moagem. Como resultado, temos os seguintes produtos e/ou coprodutos:
1. Caldo líquido: é a principal matéria-prima para a indústria. A partir dele, a usina poderá decidir se irá produzir açúcar ou etanol, em rotas industriais diferentes (chamamos isso de “mix de produção”). No caso do etanol, são fabricados dois tipos, o anidro e o hidratado.
2. Bagaço: o coproduto da extração do caldo da cana-de-açúcar é o bagaço. Ele é utilizado, principalmente, para a produção de bioenergia da biomassa, por meio de sua queima em caldeiras industriais. No entanto, ele pode servir, ainda, para a produção do etanol de 2ª geração (extração de resíduos lignocelulósicos da biomassa) ou ser comercializado como composto para alimentação animal na pecuária.
3. Coprodutos: durante o processo industrial de tratamento do caldo são gerados os seguintes coprodutos:
a. Torta de filtro: pode ser utilizada como biofertilizante, retornando para as lavouras (economia circular), ou servir como insumo para a produção de biometano.
b. Vinhaça: amplamente utilizada como biofertilizante líquido nas lavouras, mas também pode ser utilizada como matéria-prima para biodigestão e fabricação do biometano.
c. Levedura: resultado do processo de fermentação do caldo para produção de etanol. É um valioso coproduto, destinado principalmente para a alimentação animal (ração).
A sustentabilidade da cadeia de cana-de-açúcar, incorporada no sistema de produção e na redução das emissões por meio dos biocombustíveis produzidos, torna possível um produto complementar ao setor, que são os créditos de carbono (CBIOs). Eles são comercializados pelas usinas na bolsa de valores brasileira (B3), como parte do “Programa Renovabio”.
Um aspecto bastante relevante no que se refere ao parque industrial de uma usina de cana-de-açúcar é a possibilidade de integração dos processos/equipamentos com outras cadeias de biocombustíveis, criando um ciclo de economia circular. Isso torna possível a fabricação de outros produtos na mesma planta; a exemplo do etanol de milho, etanol de 2ª geração, biogás, biometano, bioeletricidade, bio-óleo, polietileno verde e outros produtos.
O que antes era uma usina de açúcar (1) e etanol (2), hoje se transforma em um parque que também produz eletricidade da biomassa (3), biogás (4), biometano (5), etanol de 2ª geração (6), etanol de milho (7), combustível de aviação (8) créditos de carbono (9), biofertilizantes (10), bio-óleo (11) e outros produtos.
É claro que algumas dessas tecnologias ainda têm sido integradas aos parques fabris, e outras ainda são tendências em estudo. Ainda assim, demonstram a sustentabilidade (rentável) que cada vez mais é trazida pelo agronegócio brasileiro, fortalecendo nossa matriz energética e contribuindo para um futuro mais “verde”, rentável e de oportunidades aos brasileiros.