Na maioria das vezes que somos convidados a apresentar nossa visão de curto e médio prazos sobre o mercado mundial de açúcar, nós, analistas, costumamos nos concentrar na oferta nos principais países produtores e exportadores e analisamos o consumo de forma generalizada. É muito comum nos depararmos com afirmações do tipo: “para o próximo quinquênio, o consumo deve continuar crescendo, à razão de aproximadamente um ponto e alguns décimos percentuais ao ano”.
Considerando que a produção e os excedentes exportáveis estão concentrados em poucos países, que alguns deles são praticantes do modelo de economia planificada, que o consumo está pulverizado ao redor do globo e, consequentemente, muito difícil de ser quantificado, ainda mais quando se tenta projetar os números do setor industrial e do varejo, é natural que tenhamos essa postura.
Contudo essa questão me intriga bastante e, mesmo ciente do risco de incorrer em análises equivocadas, resolvi tentar divagar sobre o tema com uma abordagem fora do convencional.
Em seu livro Factfulness - O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos, Hans Rosling nos ensina, através de estatísticas compiladas pelo Banco Mundial e pelas Nações Unidas, a enxergar o mundo de uma forma menos dramática e mais positiva. Um dos dados que mais surpreende a maioria das plateias de suas apresentações mundo afora é que, ao longo dos últimos 20 anos, a proporção da população global vivendo em pobreza extrema caiu pela metade.
Basicamente, ele demonstra que, ao dividirmos o mundo em duas categorias, sejam elas ricos e pobres ou desenvolvidos e em desenvolvimento, distorcemos completamente todas as proporções globais na cabeça das pessoas.
Na análise do autor, a maioria das pessoas (cerca de 75% da humanidade) não vive em países de baixa renda nem em países de alta renda, mas em países de renda média. Juntando-se os países de média e alta rendas, temos 91% da humanidade, com a maioria integrada ao mercado global e com condições de vida decente.
Se aplicarmos esses dados a dois dos países que têm participação representativa no mercado de açúcar, vemos que, enquanto, em 1997, 42% da população da Índia e da China viviam em extrema pobreza, em 2017, esse percentual caiu para 12% na Índia e para impressionantes 0,7% na China. Só nesses dois países, tivemos 770 milhões de pessoas saindo, nos últimos 20 anos, das condições de extrema pobreza.
Normalmente, associada a essa primeira melhora da renda, está a demanda por açúcar e por caloria. Isso provavelmente explica o fato de a China ter se tornado, nos últimos anos, o maior importador de açúcar brasileiro, e tudo indica que esse processo de melhores condições de vida deve continuar, apesar, infelizmente, do retrocesso causado por uma pandemia de consequências tristes e desastrosas.
O autor chama também nossa atenção para o crescimento da população mundial nos próximos anos. De forma aproximada, ele cria um código PIN para o mundo 1-1-1-4, indicando que, atualmente, temos cerca de 1 bilhão de habitantes nas Américas, 1 bilhão na Europa, 1 bilhão na África e 4 bilhões na Ásia.
Segundo as projeções da ONU por ele citadas, no final deste século, esse código PIN passará a ser 1-1-4-5, ou seja, 3 bilhões de pessoas a mais na África e 1 bilhão a mais na Ásia. “Mais de 80% da população mundial viverá na África e na Ásia. ”
Indo um pouco além, se as rendas asiáticas e africanas mantiverem a atual expansão, o centro de gravidade do mercado global mudará durante os próximos 20 anos do Atlântico para o oceano Índico. Estima-se que, a partir de 2040, tenhamos mais 2 bilhões de pessoas com maior consumo de alimentos, energia elétrica estável, saneamento básico e com condições até de adquirir uma motocicleta ou um carro popular.
Porém não podemos esquecer que essa melhora nas condições de vida gera, em contrapartida, aumento nas emissões de CO2. Embora suas emissões per capita ainda sejam menores, China e Índia, por exemplo, já emitem mais dióxido de carbono que Estados Unidos e Alemanha, respectivamente. Em outras palavras, esses dois gigantes mundiais também precisarão encontrar urgentemente soluções para as questões ambientais, principalmente para suas grandes metrópoles, onde a péssima condição do ar está causando muitas mortes.
Nesse contexto de aumento de demanda por alimentos e por energia limpa, não existe outro país tão bem posicionado para suprir as necessidades do mundo quanto o Brasil. Qual país pode, por livre arbítrio, colocar ou retirar, em um único ano, 12 milhões de toneladas de açúcar no mercado global de açúcar? Qual país tem uma matriz energética tão limpa quanto a nossa, fortalecida por uma geração de energia a partir da biomassa sem precedentes no mundo? Qual país gerador de excedentes significativos de açúcar exportável tem padrões de ESG e um programa de geração de créditos de carbono tão desenvolvidos?
A avaliação que faço acerca das perspectivas do mercado sucroalcooleiro mundial, no curto e no médio prazo, é que a demanda vai continuar crescendo e que, dificilmente, outro player terá condições de competir com a nossa indústria.
Temos inúmeros problemas internos a serem vencidos (políticos, fiscais, trabalhistas, etc.), mas também temos recursos naturais, tecnológicos e financeiros que nos colocam na vanguarda da produção de açúcar e etanol e, se continuarmos aumentando nossa eficiência, dificilmente vamos perder essa posição.
Por último, considero que o setor sucroenergético, tão vitorioso, carece da implementação de um projeto de marketing, capaz de disseminar interna e internacionalmente a valiosa contribuição que a atividade vem desempenhando nos campos tecnológico, socioeconômico e ambiental.