Me chame no WhatsApp Agora!

Ana Paula Malvestio

Sócia da PricewaterhouseCoopers

Op-AA-25

Mudanças pela crise X mudanças pelo mercado

A resiliência do atualmente denominado setor sucroenergético a períodos de crise é algo que merece nossa reflexão. Conceito oriundo da física, resiliência refere-se à propriedade de que são dotados alguns materiais, de acumular energia quando exigidos ou submetidos a estresse sem ocorrer ruptura. Após a tensão cessar, poderá ou não haver uma deformação - como um elástico ou uma vara de salto em altura.

Aplicando-se à área de negócios, pode-se definir como a capacidade de alguém ou empresa se adaptar às mudanças. É exatamente isso que se constata no setor quando olhamos para o que aconteceu nas duas últimas grandes crises vividas em 1998-99 e em 2008-09 e suas respectivas causas. A primeira delas iniciou-se pelo mercado de preços baixos do açúcar e do álcool, agravada pela liberação da taxa de câmbio.

Incrível é pensar que, dez anos mais tarde, a história se repete e, após dois anos de preços do açúcar e do álcool pouco remuneradores dos custos envolvidos, a crise foi agravada pela crise financeira mundial que resultou no descolamento da taxa de câmbio e escassez de crédito. A resilência foi claramente demonstrada por toda a cadeia do açúcar, álcool e energia, mas, definitivamente, nenhum dos elos saiu ou sairá como entrara na crise.

Focando-se nos produtores, em 1998-99, o caminho que as usinas encontraram para sobreviver à crise foi se estruturar e buscar eficiência. Verificou-se nessa época, o início das sucessões familiares, da profissionalização, da busca por redução de custos, do investimento em pessoas e em produtividade. Como resultado, usinas despontavam como referência no setor, valendo citar, apenas para exemplificar, Usina São Martinho, Usina Santa Elisa, Usina Vale do Rosário, Usina Moema, Usina Nova América, o início da atual Cosan, dentre muitas outras.

Contudo esse movimento não chegou a atingir todas as usinas/grupos produtores e verificam-se ainda nos dias de hoje, carências relativas a controles, transparência, orçamentos, estratégias, separação dos patrimônios de empresa e sócio, dentre outros aspectos que podemos denominar como governança corporativa. Já a crise de 2008-09 que pegou muitas usinas/grupos tradicionais e muito entrantes do setor alavancados numa incrível onda expansionista, motivados pelas perspectivas para o etanol no mundo, representa um divisor de águas e ocasionou uma mudança radical na cara do setor.

Com movimentos de fusões e aquisições, o Setor Sucroenergético caminhou aceleradamente para sua 1.  concentração, 2. verticalização, e 3 internacionalização, o que exigirá dos “sobreviventes”, dos “resilientes”, total disponibilidade para mudanças. Sob outro enfoque, pode-se dizer que a resiliência dos participantes do setor sucroenergético após a crise de 2008-09 dependerá da agilidade para identificar, entender, aceitar e implementar mudanças que passarão a ser ditadas não mais por crises sazonais, mas sim por um mercado dinâmico e competitivo.

Portanto, o excelente cenário que se desenha para o futuro do açúcar, do álcool e da cogeração de energia dependerá da aptidão daqueles que desse setor participam em se preparar para essas mudanças de mercado que impulsionarão fortemente o setor, valendo citar:

 

  • maior competitividade, marcada pela participação de players onde seus investimentos não mais serão financiados pelo fluxo de caixa da safra anterior, mas, sim, por recursos especialmente oriundos do acesso aos mercados de capitais e a linhas de créditos internacionais;
  • acesso aos mercados internacionais, com eliminação dos intermediadores, que viabilizarão fidelização e maior remuneração por seus produtos. Nesse contexto, veremos Louis Dreyfuss, Bunge, Renuka, Shell, BP, Petrobras, dentre outras;
  • acesso à estrutura logística que será essencial para escoamento da produção nas novas fronteiras da cana, bem como nas tradicionais, por intermédio de dutovias, multimoldais, terminais portuários, etc;
  • adaptação às normas relacionadas ao desenvolvimento sustentável do Brasil e do mundo, especialmente quanto às questões ambientais e trabalhistas; e
  • gestão cada vez mais transparente e eficiente de custos e de riscos, com busca para ganhos de escala, nos mesmos moldes que alguns grandes grupos atualmente já dispõem.

Diante desse enorme desafio de adaptação às mudanças antes mencionadas, cuja lista está longe de ser exaustiva, pode-se antecipar, sem sombra de dúvidas, a enorme dificuldade que enfrentarão pequenos grupos e/ou usinas. Assim, face ao cenário de recuperação que desponta para 2010/11, por que não buscar uma nova ordem onde não se tenham compradores e vendedores, mas, sim, parceiros que irão se unir em busca da resiliência nesse setor de “cara nova”.

A reflexão que se propõe é que existe hoje muito mais a unir grupos/usinas do que os separar. Fazer face a tantas mudanças é razão suficiente para buscar uma união, uma aglutinação, que, cercada pelas melhores práticas de governança corporativa hoje disponíveis, proporcionará a perenidade e sustentabilidade de seus negócios.

Diferente de uma operação de fusão, onde duas partes normalmente desaparecem para surgimento de outra, ou de uma aquisição, onde uma parte normalmente desaparece para prevalecer outra, o que se propõe é a união, a aglutinação em busca de objetivos comuns – é estar preparado para gozar dos benefícios de um etanol como commodity, de um açúcar com excelente mercado externo, de energia abundante ainda não explorada, o diesel da cana que se desponta e tantas outra excelentes perspectivas para o setor sucroenergético. Enfim, por que não “dar as mãos”?