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Humberto César Carrara Neto

Diretor Executivo Agrícola da Usina São João de Araras

OpAA66

O encantamento do novo
Eu me considero um “sobrevivente”, algo como um passageiro de uma nave que se perde no tempo e reaparece num outro século, num outro lugar... no futuro, nos bancos universitários ou nas bancadas de laboratórios escolares, ainda “embriagado” com as calculadoras de 4 funções, tomando contato com as ”científicas”, saindo dos cartões perfurados e olhando, de longe, os primeiros XP.

Tratores cabinados eram um luxo, e ela própria, a cabine, um acessório opcional, muitas vezes não oferecido pelo fabricante. Ao que assistimos, hoje, olhando do passado recente, é mesmo uma revolução tecnológica que nos faz sentir em outro mundo, outro tempo.

A revolução tecnológica, que trouxe, em seu vórtice, a tecnologia digital nos equipamentos mecanizados, tratamento de imagens captadas nos diversos espectrais, velocidades assombrosas de processamento e de comunicação, proporcionou a criação das mais diversas ferramentas inteligentes, e eu inicio a análise estruturando o raciocínio pelos softwares de gestão agrícola que, diferentemente do que se propunha no passado, um acumulador de informações, hoje “trabalha” e “processa” dados para oferecer informação, conecta-se a outras ferramentas de controle de fertilidade do solo, de análise climatológica, de produção para oferecer parâmetros para controle de processos e tomada de decisões, em tempo suficiente para se alterar a dinâmica do processo produtivo e trazer soluções vantajosas; em resumo, antecipar e otimizar resultados.
 
É natural do ser humano se encantar com novidades; o mercado nos estimula a possuir o que é novo ou o que poucos ainda possuem, sob pena de sermos excluídos, ou, como se diz agora, cancelados. Não é diferente com o mercado de tecnologia, com um grande volume de startups produzindo uma infinidade de ferramentas, fornecedores de equipamentos cada vez mais inteligentes, inundando o mercado com “novidades tecnológicas”, muitas delas com custos realmente baixos ou inseridas num produto, de forma indelével, de maneira que nos sentimos impelidos a perguntar: 
 
“Como eu não tenho isso ainda”?
Eu penso que a pergunta correta a fazermos seria:
“Para que eu preciso dessa ferramenta”?
“O que ela poderá agregar aos meus processos, em economia, produtividade, produção”?
“Tenho infraestrutura (pessoas, conhecimento, processamento) para suportar essa 
ferramenta”?
 
Tenho certeza de que, caso fiquemos só na primeira pergunta, “como não tenho isso ainda?”, estamos prestes a adquirir uma pirotecnologia, ou seja, uma ferramenta que impressiona à primeira vista, mas é fugaz e pobre em resultados, porém, se passarmos às respostas seguintes e aplicarmos a visão do planejamento de gestão de mudanças, olhando todos os impactos periféricos na organização que sua implantação pode causar, certamente estaremos adquirindo uma ferramenta correta, e essa tecnologia será efetivamente útil.

Creio que podemos entender melhor com exemplos e vou trazer um que a maioria dos leitores devem ter percebido, a do piloto automático, uma ferramenta inteligente, advinda da tecnologia de GPS, que foi amplamente oferecida pelos fabricantes de equipamento como algo agregado ao seu produto e que o diferencia dos demais.

Vendeu como pipoca!

E nós, tupiniquins, fazíamos o que com ele? Copiávamos linha imaginárias A/B e nos sentíamos num traje espacial. Hoje, sabemos que não faz nenhum sentido o piloto automático, se não tivermos software de planejamento de plantio que otimize a sistematização, a conservação de solo, que simule e desenhe as linhas de plantio, de forma que essas informações possam ser lidas, entendidas e executadas pelo piloto automático.

Da mesma forma, esse software precisa conversar com qualquer modelo de piloto automático, já que os fabricantes individualizaram suas tecnologias de forma a se tornarem exclusivas, uma forma de “fidelização escravocrata”. Não basta isso, o software de gestão agrícola precisa estar pronto para receber informações desse piloto para armazenar dados durante a execução do projeto produzido pelo planejamento, pois, nas operações subsequentes, que também serão executas por pilotos automáticos, podem ocorrer desvios ou obstáculos que só a primeira operação percebeu, inclusive com armazenamento e compartilhamento de imagens. 

Não fica por aí.

Essa tecnologia é fundamentada em GPS; pois bem, minha área tem cobertura de sinal? Com que intensidade? Depois da implantação dessa tecnologia, a fórceps, tomamos conhecimento da “cintilação”, fenômeno tropical, causado pelas explosões solares que ocorre em locais com baixa cobertura satelital, que causa perturbações no sistema GPS, perturbações essas que não são percebidas pelo GPS de nosso veículo, encarregado de nos levar a um endereço, ou próximo dele, mas que é fatal para uma tecnologia que se propõe a realizar operações com centímetros de precisão. 

Ainda poderíamos prosseguir nesse exemplo, perguntando se meus operadores estão em condições de operar essa ferramenta, se tenho equipes de campo para sua manutenção, porque comprar e instalar uma tecnologia é relativamente fácil, mas capacitar a equipe de usuários para operá-la efetivamente requer um pouco mais de esforço.

Esse foi só um exemplo, para fundamentar o que estou propondo na matéria, de que precisamos ser cautelosos na decisão e aquisição de ferramentas de inteligência, pensar no todo, na organização, na gestão de mudanças que essa ferramenta pode causar, na integração dela com outras ferramentas e/ou sistemas.

Estamos vivendo a era da Inteligência Artificial...    

Muito se está falando sobre ela e pouco se conceituando. Eu entendo inteligência artificial através do velho caipira encostado na porteira, picando o fumo do palheiro, quando ele fala para o cidadão: “É sô... hoje vai chuvê”. Para “soltar” essa previsão meteorológica complexa, ele certamente decifrou o cantar do galo, a direção do vento, o balançar do rabo da novilha, a temperatura e, correlacionando tudo com acontecimentos históricos, soltou sua previsão.
 
Isso se chama inteligência cognitiva. Pois bem, seu paralelo com a inteligência artificial nada mais é do que um sistema que correlaciona infinitos dados e informações, infere acontecimentos, baseados em históricos correlatos, sugere prováveis resultados e pode até tomar decisões, interferindo em processos.

A diferença com o velho da porteira é a capacidade de processamento e, com certeza, o tamanho do banco de dados que acessa, portanto, leitores, para que a inteligência artificial venha a ser efetivamente uma ferramenta inteligente, é fundamental que nossas ferramentas digitais acumulem dados e que conversem entre si, pois, se minhas estações meteorológicas não tiverem na memória dados históricos, se meu software de gestão não acumular dados de produtividade e de nutrição, se meu sistema de qualidade não acumular informações detalhadas do material processado, se minhas máquinas não se lembrarem dos rendimentos obtidos naquela fazenda, com aquelas condições, se ela não se comunicar com o software de gestão de pessoas para identificar quem a estava operando e quais treinamentos recebeu, se tudo isso não se conectar com o software financeiro para saber quanto custou e qual resultado econômico produziu, teremos, no máximo, um amontoado de informações que, se analisadas por algum bípede com bastante tempo disponível, poderemos chegar a decisões “pós morte”, pois o fato em questão já ocorreu e faz parte da história.
 
Meu conceito de inteligência artificial começa por isso: sistemas integrados e conectados e termina com: histórico de informações/banco de dados. Só assim poderemos ter velocidade e capacidade para que o próprio sistema, entendendo meu negócio, consiga até tomar decisões a tempo de interferir ativamente nos processos produtivos, antecipando-se ao fato, apontando direções a tempo de manobras.
 
Já existem muitas ferramentas disponíveis que estão voltadas para essa direção, porém os executivos do agronegócio precisam ficar atentos para a infraestrutura que estão montando para que essas ferramentas possam lhes entregar o resultado esperado. É extremamente importante atentar para a conectividade destas ferramentas e a capacidade do banco de dados.

É frustrante e contraprodutivo chegar à fase final de implantação de um ERP e descobrir que o RH e o financeiro não se falam, ou que a agrícola e a indústria estão em bases diferentes e seus dados precisam ser transferidos vias tabelas.

Porém, particularmente no ramo do agro, é fundamental para o sucesso de ferramentas inteligentes conhecer a área de cobertura e velocidade de transmissão de duas redes de Wi-Fi ou de telefonia digital, pois não há chance de sucesso sem o monitoramento on-line, com transmissão de dados e imagens em tempo real. Isso em uma indústria ou ambientes fechados em áreas urbanas é realmente fácil, mas pensar em milhares de hectares a centenas de quilometros de distância torna o processo mais complicado, ainda mais sabendo que essa infraestrutura não será oferecida por aqueles que recolhem nossos impostos.