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Julio Maria M. Borges

Diretor da JOB Economia e Planejemanto

Op-AA-23

Obstáculos à globalização: a inconsistência da política de comércio exterior

O Discurso: O produtor e o governo brasileiro têm defendido, nos últimos anos, a queda das barreiras e subsídios que vão contra as exportações brasileiras de açúcar e etanol. Em função dessa postura brasileira, a União Europeia foi obrigada pela OMC (Organização Mundial do Comércio) a reduzir vultosos subsídios à produção e exportação de açúcar.

No caso do etanol, existe uma tarifa de importação nos EUA de, aproximadamente, US$ 143/m3 (US$ 0,54/galão), que o governo brasileiro e os produtores têm buscado eliminar. Essa tarifa representa, atualmente, cerca de 30% do preço do etanol nos EUA e 20% do preço do etanol na região Centro-Sul do Brasil.

O que temos percebido dessas ações brasileiras relacionadas ao comércio internacional de commodities agrícolas é uma intenção economicamente saudável de liberalização do comércio, em busca de maior competição do lado da oferta e de benefícios ao consumidor final.

A Prática: Estamos assistindo, nos últimos meses, a manifestações brasileiras contraditórias com as ações anteriormente referidas.

1. No caso do álcool combustível, por exemplo, desde setembro do ano passado, já se sabia que a safra seria menor que a esperada, que a produção de álcool seria menor que a de 2008 e que o consumo do produto no mercado interno estava crescendo a uma taxa significativa devido ao aumento da frota de carros flex. Sabia-se também que as condições compensatórias de redução de estoques e as menores exportações do produto não seriam suficientes para eliminar o déficit entre produção e consumo.

Naquele momento, a elevada tarifa brasileira de importação de álcool de 20% poderia ter sido reduzida ou mesmo zerada, criando as condições para que as importações de etanol fossem feitas, no caso de altos preços internos justificarem tais importações. Os benefícios dessa medida seriam importantes: o abastecimento do mercado interno poderia ser feito com álcool a preços competitivos com a gasolina na bomba, e, ainda mais importante do ponto de vista estratégico, o álcool americano teria a oportunidade de ser exportado para o Brasil, criando o clima desejado por todos (assim parece) de que esse produto pode ser uma commodity internacional.

Aprovar neste momento a redução da tarifa de importação do álcool no Brasil é uma medida que pode ser inócua, pois estamos a, no máximo, dois meses de início da nova safra. Esta deverá representar um novo recorde de produção (se o clima o permitir) e, consequentemente, acarretará preços declinantes para o álcool, o que tira a viabilidade de sua importação. Ou seja, existe um risco de preços de mercado que pode inibir o negócio.

2. No caso da exportação de 500.000 toneladas de açúcar pela União Europeia, além do limite máximo anual, acordado junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro está se posicionando contrário à exportação. Cabe lembrar que o mercado de açúcar está passando por um momento de estresse, o que não víamos há 29 anos. A oferta do produto é restrita. Temos déficit de oferta no mercado mundial e estoques baixos.

O preço do açúcar, neste momento (cerca de 30 centavos de dólar americano por libra/peso em Nova York), é aproximadamente o dobro do preço requerido para viabilizar um novo projeto de usina de açúcar no Brasil. Para o resto do mundo, principalmente para quem compete com o Brasil, o estímulo para aumento de produção é enorme. Ou seja, o potencial de preços exageradamente baixos em futuro próximo não é desprezível.

No caso de o clima continuar chuvoso na região Centro-Sul do Brasil, impedindo a moagem de cana a partir de Abril/2010, teremos instalado o caos no abastecimento de açúcar e álcool no Brasil e no mundo. Nessas condições, não é possível falar em teto para preços do açúcar no mercado internacional. As consequências desse cenário podem ser dramáticas do ponto de vista político, social e econômico. Do ponto de vista de comércio internacional, não podemos descartar o retorno de políticas nacionais de autossuficiência, como já ocorreu no passado.

Nesse ambiente de oferta e demanda, a exportação adicional de açúcar pela União Europeia é bem-vinda. Primeiro, porque alivia no curto prazo a restrição de oferta do produto. E só alivia sem mudar as condições fundamentais do mercado, pois 500.000 toneladas em um mercado de 50 milhões é muito pouco para derrubar preços. Dessa forma, do ponto de vista de comércio exterior, o Brasil, sendo a favor da medida, estaria demonstrando uma atitude solidária com o melhor abastecimento mundial de uma commodity que embute riscos políticos e sociais elevados em situações de escassez.

Finalmente, é razoável aceitar que a sustentação de qualquer atividade econômica requer que o produtor tenha condições de ter um retorno adequado para os investimentos feitos. O produtor de açúcar e álcool no Brasil foi duramente penalizado por preços baixos em 2007 e 2008. Os preços altos desta safra 2009-10 são necessários para compensar prejuízos do passado e repor margens de lucro necessárias à continuidade do negócio.

Por outro lado, é necessária a adoção de uma estratégia comercial, entre outras, que tenha coerência no curto e médio prazo. Atuar na prática em prol do desenvolvimento dos mercados e agir com eficácia em defesa do comércio internacional mais livre deve ser a postura brasileira no negócio de açúcar e etanol, pois estamos entre os mais competitivos do mundo e temos o maior potencial de crescimento da oferta em escala mundial.

Proteções comerciais desnecessárias ao produtor brasileiro de açúcar e etanol podem ter consequências estratégicas no médio e longo prazo que redundem em redução do comércio internacional, menor globalização da economia e, consequentemente, menor internacionalização da propriedade das usinas brasileiras.