Me chame no WhatsApp Agora!

Sizuo Matsuoka

Geneticista e Patologista de cana-de-açúcar

OpAA69

Produção de bagaço como uma inovação
Especialistas têm demonstrado muita preocupação com a reduzida ocorrência de chuvas no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do País neste corrente ano, com prenúncios nada animadores de racionamento de energia elétrica e de água, e que certamente resultará em impacto no campo. A ANEEL já colocou em funcionamento as termelétricas e estabeleceu a bandeira tarifária vermelha com reajuste muito elevado na taxa adicional.

Contudo todos sabem que esse não é um problema deste ano apenas, e sim recorrente por vários anos. E o pior é que a nossa matriz energética, dependente ainda em grande parte das hidrelétricas, continuará sofrendo desse mal por vários anos vindouros, ainda que alternativas de outras fontes de energia, eólica e fotovoltaica, por exemplo, estejam aos poucos sendo incrementadas. Porém uma outra fonte que já há bastante tempo vem dando valiosa contribuição àquela matriz energética é a biomassa. Ela é uma fonte de pouco apelo midiático, não despertando tamanha atenção como aquelas duas que, aos olhos da mídia e do público em geral, são tecnologias inovadoras.
 
A maioria dos cidadãos desconhece que a bioeletricidade gerada a partir de biomassa representa quase 10% da capacidade instalada no Sistema Interligado Nacional e cerca de 80% dela vem com bagaço de cana nas usinas/destilarias. Além disso, essas indústrias geram com o bagaço toda a energia elétrica que necessitam para sua própria operação industrial: a indústria, suas oficinas, os escritórios, as residências, etc. É, portanto, uma contribuição muito significativa.
 
Ninguém em sã consciência nega que o pilar de sustentação do complexo industrial canavieiro é a produtividade dos canaviais. Mas sempre estava implícita que a produtividade de sacarose, mesmo quando não se pagava por ela, era efetivamente o pilar, pois o produto que a usina busca é a sacarose. 

O bagaço que resulta da moagem da cana foi, antes dos tempos modernos, um mal necessário. Hoje, ele é bastante valorizado, tanto para queima em caldeiras industriais, especialmente de indústrias alimentícias, como para a geração de bioeletricidade nas próprias usinas. A perspectiva é a de que ele venha a assumir ainda maior importância quando a produção de etanol 2G vier a ser amplamente adotada. 

O anúncio da instalação de novas unidades desse etanol no País é um bom prenúncio disso. Fazendo uns parênteses, nessa questão, vale o debate sobre o uso ou não da palha de cana nessas finalidades. À parte os problemas operacionais do recolhimento da palha e, posteriormente, no pátio e na indústria, estudos têm mostrado que, na maioria das situações, há vantagem em médio e longo prazos em deixá-la no campo como cobertura orgânica. 

Voltando ao tema, o bagaço como biomassa atende também à preocupação mundial com as mudanças climáticas, pois, na sua produção, a planta de cana absorve o gás carbônico (CO2) do ar, propiciando balanço positivo desse agente do efeito estufa, razão por que o etanol é considerado ambientalmente mais “limpo” do que a gasolina.

A seca, que preocupa pelas razões ditas inicialmente, também tem trazido uma outra preocupação, como levantado por um articulista: ela causa queda de produtividade dos canaviais e, consequentemente, redução na produção de bagaço, o que acaba levando a um déficit de matéria-prima para a cogeração. Tal constatação nos leva a uma pergunta: como aumentar a produção de bagaço?

A cana-de-açúcar foi, por todo o sempre, explorada pelo homem por causa da sua capacidade ímpar de produzir sacarose, o que a levou a se tornar uma das culturas de maior valor econômico do mundo. Essa sua contribuição prosseguirá, obviamente, mas a moderna valorização da biomassa como fonte de energia limpa, renovável, induz a se pensar numa solução inovadora de uma agroindústria que passe a produzir simultânea e complementarmente sacarose e fibra, ao mesmo tempo que solucionando a questão da baixa produtividade dos canaviais atuais.

São recorrentes a discussão e o debate sobre como aumentar a produtividade dos canaviais. Além da esperança na disponibilidade de novas variedades mais produtivas, muitas questões agronômicas são discutidas, e, sem dúvida, o bom manejo agronômico é um fator crucial para tal aumento. Porém, não obstante os esforços, invariavelmente, todo ano há frustração com a produtividade: ora é a seca (o fator mais prevalente), ora é uma doença ou praga, ora o clima de modo geral, ora o florescimento (que é função do clima), etc. 

E a produtividade média do País está estagnada há mais de duas décadas, ainda que haja produtores com médias bastante altas. Uma alternativa para melhorar a produtividade seria dar ênfase à produção de fibra, ao contrário da sacarose. Isso soa como sacrilégio, pois, milenarmente, se buscou na cana-de-açúcar, como o próprio nome diz, o açúcar. 

Porém chega um momento em que se há de analisar a situação e se quebrar um paradigma. Isso é inovação. Obviamente que a inovação tem de trazer benefício. Muitas vezes, se tem percalços na implantação da inovação. Mas se ela se mostrar apropriada, acaba prevalecendo. Produzir uma cana com mais fibra obviamente que requer uma adaptação industrial na sua moagem. Porém, se a inovação traz vantagem na empresa como um todo, a adaptação há que ser perseguida. 

A vantagem vem daquela produtividade no campo antes mencionada. Além de produzir mais biomassa seca por área, a cana-energia (assim é chamada essa cana com mais fibra), produz maior número de socas. Isso é muito significativo para a rentabilidade agronômica.

Como dito anteriormente, a cana-energia é aquela que produz mais fibra do que a cana convencional. Uma pequena explicação, para melhor entendimento. A planta de cana, ao realizar a fotossíntese, absorve o CO2 do ar e, reagindo ele com o oxigênio e a água, sintetiza carboidrato. Esse é armazenado como sacarose, porém, simultaneamente, também como fibra (celulose, hemicelulose e lignina), essencial para estruturar a planta. 

E esse trabalho é feito como numa gangorra: um balanço entre sacarose de um lado e fibra de outro. Aumentado se a sacarose diminui a fibra e vice-versa. Para satisfazer suas necessidades, o homem selecionou tipos em que a sacarose estivesse no alto e a fibra no baixo (10%). 

A cana-energia, então, é uma planta em que se altera essa posição, aumentando a fibra e diminuindo a sacarose. Esse tipo, entretanto, seria o tipo extremo que se convencionou chamar de tipo 2, um tipo de muito alto teor de fibra, acima de 20%, e teor de sacarose baixíssimo, de 5%, ou  menos. 

Ocorre que a cana é uma planta de múltiplas possibilidades e, através do melhoramento genético, se podem produzir plantas que têm um teor intermediário de fibra entre aqueles extremos (10–20%), porém sem comprometer o teor de sacarose (chamado tipo 1), de forma que é uma matéria-prima que permite a produção de etanol, e até de açúcar, mas aumentando o volume de bagaço. 

Ao contrário das primeiras canas-energia que surgiram no Brasil (tipo 2), esse de teor intermediário de fibra está agora sendo estudado e poderá ser brevemente apresentado às usinas. Espera-se que essa nova cana-energia possa contribuir para a maior produção de bioeletricidade e de etanol 2G, colaborando, assim, para o País na sua meta de redução dos gases de efeito estufa compromissado com a Convenção do Clima.