Coautor: Mário Lúcio Lopes, Diretor Científico da Fermentec
A produção de biocombustíveis renováveis é uma das soluções para a redução de emissões de gases que causam o aquecimento global. E vem como uma alternativa sustentável ao substituir o uso de combustíveis fósseis pelos renováveis. Entre os principais biocombustíveis, temos o bioetanol, que é produzido a partir da fermentação do mosto de cana-de-açúcar ou milho, o biometano, que é produzido a partir da digestão anaeróbica da vinhaça, e o biodiesel.
Quando falamos na produção do biodiesel, logo associamos que sua produção é dependente de frutos, sementes oleaginosas ou mesmo de gordura animal. E é bem verdade que os maiores produtores de biodiesel do mundo utilizam-se de óleos vegetais, principalmente o de palma (Indonésia) e óleo de soja (Brasil e Estados Unidos). O que demanda terras cultiváveis, que, muitas vezes, ficam limitadas por não poderem expandir. Já a produção de biodiesel a partir da vinhaça, que é um resíduo das destilarias produtoras de etanol à base de cana-de-açúcar, não é dependente da produção de cultura alguma vegetal nem animal.
Por isso, não compete com áreas agrícolas. Trata-se do uso de um resíduo industrial como matéria-prima para a produção de um produto “nobre” como biodiesel. Essa tecnologia foi desenvolvida pela Fermentec em parceria com a Universidade do Minho. Essa tecnologia é inovadora e utiliza leveduras que são capazes de produzir e acumular ácidos graxos em seu interior, utilizando, nesse caso, os compostos orgânicos da vinhaça como sua fonte de nutrientes. Esse processo reduz a DBO em até 80%, remove 94% dos ácidos mono e dicarboxílicos (ácido acético, láctico, oxálico, málico e succínico).
Essas leveduras, além de baixar a DBO da vinhaça, ao consumir alguns ácidos orgânicos, também elevam o pH da mesma, o qual chega próximo da neutralidade, fazendo com que diminua o poder poluente e corrosivo da vinhaça e a torne pronta para o uso na produção do biometano, por conta da elevação de seu pH. Uma vez que as leveduras armazenam o óleo, as células são removidas para que os lipídeos sejam extraídos.
Esses lipídeos serão utilizados para a produção do biodiesel em reações de transesterificação. Assim como na produção de biodiesel à base de óleos vegetais ou gordura animal, há a formação de glicerol na reação de transesterificação. O glicerol formado é tido como uma das desvantagens da produção de biodiesel porque representa cerca de 10% do produto bruto, e nem sempre o mercado assimila essa grande quantidade de glicerol. Porém, o glicerol gerado na produção de biodiesel da vinhaça retorna aos reatores com as leveduras oleaginosas, porque elas são ávidas pelo glicerol e o transformam em lipídios novamente, fechando, assim, o ciclo.
Quando consideramos o CO2, sabemos que, na produção de biodiesel tradicional (à base de óleos vegetais), o balanço não é neutro, mesmo tendo menores emissões quando comparado à produção do diesel de petróleo, porque se considera a energia necessária para a produção de adubos e locomoção das máquinas agrícolas (irrigação, armazenamento e transporte dos produtos). Por outro lado, o balanço de CO2 na cadeia do biodiesel, que tem como matéria-prima a vinhaça da produção de etanol, apresenta um potencial altamente sustentável, uma vez que permite aproveitar melhor o carbono e reduzir o poder poluente da vinhaça. Ou seja, deixamos de gerar CO2 fóssil e melhoramos a eficiência de uso do carbono, sem aumentar o uso de área agrícolas e com menor impacto ambiental.
A produção de biodiesel de vinhaça está bem voltada às 368 usinas de todo o País, responsáveis pela moagem de 585,4 milhões de toneladas de cana por ano, produção de 29 milhões de toneladas de açúcar e 27 bilhões de litros de etanol. Essas usinas também produzem, anualmente, cerca de 335 bilhões de litros de vinhaça, cujo transporte e aplicação no campo tem um custo total estimado em R$ 2,29 bilhões por ano.
As usinas brasileiras dependem do consumo de diesel para movimentar uma frota de veículos usada na colheita e no transporte da cana, em tratos culturais, no transporte e na aplicação de vinhaça no campo, representando um consumo de 3 litros de diesel por tonelada de cana.
Isso significa que o setor sucroenergético consome, anualmente, 1,76 bilhão de litros de diesel, o que representa cerca de 3,3% de todo o consumo nacional de óleo diesel. Muitas usinas dependem de uma frota de caminhões para transportar a vinhaça a distâncias superiores a 20 km e que retornam vazios para as usinas.
Para diminuir os custos de transporte, uma solução tem sido o uso dos concentradores para diminuir os volumes de vinhaça. A vinhaça também é fortemente poluidora. Apenas 1 litro é suficiente para extinguir o oxigênio dissolvido em 25.000 litros de água corrente. Esse poder poluente é dado principalmente pela composição de compostos orgânicos. A vinhaça gerada nesses processos é suficiente para tornar essas destilarias autossuficientes em diesel.
Os processos tradicionais de produção de biodiesel utilizam-se de óleos vegetais e de gordura animal. Mas nenhum processo em escala industrial tem sido utilizado ou desenvolvido para transformar compostos orgânicos, poluentes da vinhaça de cana-de-açúcar em óleo e biodiesel. O biodiesel produzido a partir da vinhaça representa uma solução sustentável de combustível por ser obtido a partir do resíduo industrial de 368 destilarias brasileiras.
O biodiesel de vinhaça pode ser utilizado em substituição ao diesel de petróleo para gerar economia, reduzir as emissões de poluentes e de gases do efeito estufa, reduzir o impacto ambiental do poder poluente da vinhaça e melhorar a sustentabilidade em toda a cadeia de produção do setor sucroenergético. E esse é o único processo que descreve a possibilidade de se produzir biodiesel e biometano (produzido por várias usinas) a partir da mesma matéria-prima, vinhaça, além de reduzir sua capacidade poluente.
O Brasil passa a ter uma nova alternativa para aumentar a sua produção de biodiesel, com uma vantagem econômica por demandar menores importações de diesel; geraríamos mais empregos e diminuiríamos as emissões de gases de efeito estufa. Essa é uma tecnologia em que os benefícios econômicos estão alinhados aos objetivos ambientais e sociais.