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Pedro Robério de Melo Nogueira

Presidente do Sindaçúcar - Alagoas

Op-AA-40

Um cenário real demais

Quando, a partir do final de 2008, o setor sucroenergético nacional sinalizou estar enfrentando dificuldades para continuar mantendo o forte nível de crescimento dos anos anteriores, admitiu-se, numa primeira avaliação, que se tratava de um processo de aperto no fluxo de caixa das empresas, motivado, unicamente, pelo desaparecimento súbito das linhas de financiamentos externas, como consequência  do ambiente gerado pela crise financeira internacional de então.

Não era, de todo, singela essa  avaliação  preliminar, na medida em que o setor sucroenegético tem um forte vínculo com o mercado exterior, quer seja pelos negócios de exportação de seus produtos açúcar e etanol, como pelo expressivo nível de investidores externos no setor. Tudo levava a crer que se estava enfrentando uma conjuntural escassez de fluxos financeiros advindos de poupança do exterior.

Para suplantar essa escassez, foram disponibilizadas, à época, alternativas financeiras domésticas decorrentes de uma pronta ação governamental, as quais minorariam parte desse aperto no fluxo de caixa das empresas do setor e nos seus programas de investimentos. Permaneciam ativas as âncoras fundamentais do setor  representadas na existência de um mercado de etanol crescente e de um largo espaço de crescimento de produção, sem desconsiderar  a forte determinação empresarial de continuar investindo na expansão da atividade.

Contudo esse ambiente  turbulento da época,  que, aos poucos, ia sendo acalmado pelas atitudes empresariais, foi sucedido por três anos de safras consecutivos de adversidades climáticas e, por conseguinte, inibidores do processo de aumento da produção agrícola de cana-de-açúcar e, sobretudo, da produtividade geral da atividade agrícola e industrial de todo o sistema.

Em que pese a adversidade climática se caracterizar como um elemento  passível na atividade agrícola e, portanto, gerível pela experiência empresarial,  passou a  participar com uma ponderação muito forte nas dificuldades que o setor já vinha administrando pelo ambiente de financiamentos escassos, em função da intensidade desses atropelos climáticos persistirem por três safras seguintes. Estava, portanto, o setor sucroenergético diante do seu maior teste de resistência frente a um menu exagerado de dificuldades.

 Entretanto a sua dimensão nacional, seu peso social na ocupação de postos de trabalho, com significativa remuneração, e  interiorizada em quase todos os estados da federação, a expressiva renda gerada para os estados e municípios onde se localiza essa atividade, o alcance sustentável de uma atividade produtiva com inesgotáveis externalidades para o bem-estar do homem e do planeta sugeriam que seria proporcionado aos empresários e aos milhares de agricultores comprometidos com esse segmento o ambiente econômico adequado para que, no regime de livre mercado, pudessem visualizar a continuidade plena e progressiva de seus esforços para continuar produzindo e expandindo.

Essa expansão continuada do setor só se visualiza e só se concretiza se for restabelecida a âncora fundamental da receita que suplante custos operacionais e restaure a margem para investimento. Nesse capítulo, vem se constatando o maior abandono a que uma atividade empresarial privada vem se submetendo na história econômica recente do nosso país, tendo como vetor principal a administração da política governamental federal com a formulação de preços para a energia, inclusive os combustíveis no nosso país.

Não é inusitado associar a política do Governo Federal  de congelamento  do preço da gasolina como causa para a redução drástica de receita para o etanol combustível de produção privada, na medida em que o etanol é o principal concorrente da gasolina na vertente do consumidor. Na medida em que se mantém

artificialmente baixo o preço da gasolina, impõe-se ao etanol a prática de um preço abaixo da linha de custo, em função da competitividade energética entre os dois combustíveis. Essa assimetria na competição econômico-energética entre esses combustíveis em desfavor do etanol, além de subtrair a capacidade de geração de margens empresariais para continuar investindo na expansão, proporciona uma ocupação de espaço no mercado do etanol pela gasolina.

Essa competição artificial favorecendo a gasolina em detrimento do esforço empresarial pela manutenção do etanol e de seu mercado natural está expressa na  eliminação da Cide sobre  a gasolina como opção governamental  para esse artificial ambiente competitivo desfavorável ao etanol, desconsiderando todas as externalidades e a importância na produção e na expansão da oferta desse combustível para o Brasil.

Como se pode continuar a desenvolver investimentos para a necessária expansão horizontal da produção de etanol e o aprofundamento do aumento da produção pela sua verticalização, com aumento de produtividade e inovação de processos, sem que não esteja definida, de forma estável e clara, a participação do etanol na matriz de combustíveis, bem como o  restabelecimento do mecanismo tributário que assegure ao etanol o diferencial de alíquota necessária e suficiente para a sua convivência econômica com a gasolina?

Vale lembrar que esse mecanismo tributário expresso através da Cide incidente sobre a gasolina teve a sua eficácia comprovada enquanto foi praticado e teve seus reflexos negativos sobre o setor sucroenergético evidenciados a partir da sua redução até a sua completa eliminação. A opção nacional pelo etanol  é uma assertiva desde a sua implantação, em 1975, e, mais recentemente, ratificada na adoção e no estímulo na oferta e na circulação dos veículos flex, na opção de uso do etanol como combustível.

Por que razão retirá-lo da política oficial de incentivos aos combustíveis limpos, cujo espaço foi duramente conquistado pelo esforço de tantos? Por que inibir a vontade empresarial privada de investir nesse segmento, com sinalizações governamentais de incertezas quanto ao seu futuro? Não é desconsiderável o que já foi realizado pelo governo através de ações como o retorno da mistura do etanol anidro na gasolina para 25%, a implantação do programa de financiamento para renovação de canaviais – Prorenova – e para a formação de estoques de etanol e a parcial desoneração do Pis e da Cofins.  

Acontece que o ambiente econômico de baixa remuneração ao produtor e a eliminação de qualquer margem para  cobertura de custos, de amortização e para formação de capital próprio para investimento transformaram essas medidas em ações pontuais, haja vista que não alcançaram, de forma universal, todos os produtores, ou mesmo a sua grande maioria.

A permanência desse ciclo virótico asfixia o fluxo de caixa das empresas, reduz a sua capacidade de operação e de desenvolvimento pleno de suas regulares atividades e projeta para o futuro o cenário de instabilidade para a viabilidade do etanol como combustível alternativo e complementar à gasolina, num ambiente de livre mercado, considerando, porém, de forma clara e permanente, as externalidades positivas já reiteradamente demonstradas.

Não  é razoável e não há mais espaço para postergar uma atitude clara e definitiva para a inserção do etanol na matriz dos combustíveis e transferir aos empreendedores e ao mercado a sua natural evolução, mas a eles sinalizando e apresentando o arcabouço institucional que transmita aos investidores e aos agentes econômicos da cadeia produtiva a tranquilidade para continuarem gerindo os seus negócios, grandes e pequenos, com a certeza de que não haverá mudança de regras que substituam, intencionalmente, a opção do etanol pelo concorrente gasolina de forma subsidiada.

Dessa forma, virão os investimentos que tanto se cobram do setor e a retomada da normalidade das operações de produção, e, assim, estaremos reencontrando o caminho da produção e do desenvolvimento sustentável e a evidência do compromisso desses milhares de empreendedores que não querem ser heróis, mas protagonistas do maior negócio sustentável de combustíveis do planeta.