Médico, Clínica Geral
Op-AA-13
Os aspectos médicos que envolvem a atividade de produção do açúcar e álcool estão fundamentalmente ligados à base da atividade produtiva, que inclui o trabalhador rural, e o reflexo no meio ambiente, cuja repercussão afeta a saúde de todos nós. A atividade desenvolvida pelo rurícola é extremamente cruel para o ser humano, que fica exposto aos eventos climáticos e, em geral, trabalha sob um sol forte, num ambiente nocivo, com poeira, insetos e animais peçonhentos no local de trabalho, exercendo uma atividade física que aumenta as suas necessidades nutricionais, em especial as necessidades calóricas e de hidratação, de alguns eletrólitos e de vitaminas.
Além disso, esses indivíduos não conseguem ter suas necessidades básicas, como saúde, educação e moradia, perto de adequadas, mesmo com os auxílios do governo, que são sempre paternalistas e, em geral, incompetentes. A atenção à saúde do rurícola requer uma equipe que inclua um clínico geral, ou outra especialidade que tenha formação na área clínica e experiência com saúde do trabalhador, pois o volume de pacientes é grande e o tempo para exame geralmente exíguo.
Mesmo que os trabalhadores tenham direitos a convênios particulares, procuram atendimentos nos postos públicos, porque não têm dinheiro para medicação; podem se deparar com um novo problema, pois a medicação fornecida pelo governo nem sempre é suficiente e com a qualidade desejável, considerando que o critério para escolha é o menor preço.
Esses indivíduos têm auto-estima muito baixa, por isso, muitas vezes, não valorizam suas conquistas. É necessário considerar o impacto que a migração e a conseqüente desestruturação familiar exerce sobre o trabalhador. A família constitui-se como um regulador importante no controle das emoções do indivíduo. Dessa maneira, o rurícola fica mais exposto a crimes e a condutas inadequadas, pela falta do lastro da família.
Como esses indivíduos vêm de outros estados para a região canavieira, costumam morar em cidades-dormitório, que não têm atividades de lazer adequadas, sendo estas feitas apenas em botecos. Como resultado, ocorre um aumento no índice de alcoolismo, como forma de mascarar a saudade e a ausência da família, que ficou para trás.
Como o ganho é por produtividade, os que trabalham mais costumam chegar aos postos de saúde com o que eles chamam de “cangari”, que nada mais é do que insolação. Geralmente têm câimbras e dores musculares, devido à depleção acentuada de eletrólitos, como sódio e potássio. Além disso, temos o envelhecimento precoce, devido à exposição intensa aos raios solares, e o risco da ocorrência das doenças que derivam desta exposição, como câncer de pele.
Para suprir suas necessidades calóricas diárias, o trabalhador necessita de uma alimentação capaz de atender suas necessidades de energia, equilibrada na oferta de nutrientes, em especial as vitaminas tiamina e riboflavina (envolvidas no metabolismo energético) e de água e eletrólitos, como sódio, potássio, para repor os nutrientes perdidos na sudorese.
Seria necessário lançar mão de medidas similares às utilizadas para atletas, que durante a prova recebem água e soluções isotônicas. Embora algumas usinas realizem a suplementação alimentar destes trabalhadores, não se pode afirmar que estas iniciativas aconteçam em todo o Brasil. Só para ilustrar, uma experiência realizada na Usina da Pedra, a oferta de três suplementos com aproximadamente 398 kcal, oferecidos às 5:00, 10:00 e 13:00 horas, em um intervalo de 8 meses, permitiu aumento de massa magra, água corporal e da albumina dos trabalhadores.
Do ponto de vista da população em geral, na época da aração para o plantio, há uma liberação de uma quantidade muito grande de fungos e outros elementos alergênicos que ficam no ar, juntamente com a baixa umidade, devido à realização de queimadas e a diminuição dos índices pluviométricos, nos últimos anos ligados à diminuição das florestas naturais, fazendo com o que as doenças alérgicas, como rinite, bronquite e asma, tenham sua incidência aumentada.
Existe também o problema causado pela contaminação dos lençóis freáticos, devido ao uso de agrotóxicos, assim como os acidentes com a sua manipulação, e a poluição do ar. Seria importante respeitar as áreas próximas às cidades, com culturas perenes e com controle natural de pragas, evitando os problemas acima relatados. O ideal seria o cultivo da cana em áreas, que tanto o plantio como a colheita pudessem ser feitos por máquinas, pois acho que esta atividade não é adequada, e sim muito nociva, para qualquer ser humano.
Acompanhamos nos últimos anos notícias sobre mortes de cortadores de cana, relacionadas ao excesso de trabalho. Enquanto for utilizada a colheita manual, esta atividade deve ser orientada por critérios de produção compatíveis com a capacidade humana, com regulação do volume de produção, descanso durante a jornada de trabalho, concomitante aos cuidados com hidratação e reposição de eletrólitos; utilização de equipamentos de proteção individual, incluindo vestuário adequado e os protetores solares.
A sustentabilidade de qualquer atividade econômica depende da manutenção de sua competitividade, mas deve ter como centro o homem e sua relação de equilíbrio com o meio ambiente. O agronegócio tem sido mola propulsora da economia de nosso país e, neste milênio, constitui desafio mantê-lo em ascensão, mas sem comprometer a qualidade de vida da população em geral e da expectativa de vida dos trabalhadores rurais.