A locomotiva da eletrificação veicular já se move em alta velocidade impulsionada por movimentos ambientalistas há mais de duas décadas. Acordos internacionais, como os de Paris, criaram as diretrizes de demanda por carbono zero, vinculando a emissão de CO2 ao chamado aquecimento global, onde se debita ao motor a combustão de combustíveis fosseis parte das grandes mudanças climáticas do planeta e suas consequências.
Esse movimento, que transforma sem precedentes toda a indústria da mobilidade no mundo, parece que atualmente começa a entrar em rota de colisão econômica na maioria dos mercados que apostaram seus investimentos na mobilidade elétrica sobre fortes subsídios e incentivos governamentais.
A China, nos anos 90, com sua forte política de estado para mobilidade veicular, soube muito bem gerar uma escala de consumo e produção de veículos para um mercado interno e de exportação chegando atualmente a 27 milhões de veículos/ano. Soube também se diferenciar e criar um novo mercado tecnológico promovendo a corrida para soluções de propulsão elétrica em todas as suas configurações, seja veículos com motores híbridos, híbridos plug-in e puramente elétricos.
Também nos anos 90, em parceria com os tradicionais fabricantes automobilísticos europeus e americanos, os chineses desenvolveram tecnologias eficientes de motores elétricos e a combustão, produzindo em alta escala para seu mercado interno toda a cadeia de fornecimento tecnológico de autopeças, incluindo as baterias de lítio íon que dominam hoje o mercado de baterias para eletrificação veicular.
Mais tarde, os altos investimentos internos da China em modernas e novas fábricas geraram novas marcas próprias e catapultaram a indústria chinesa automobilística a uma vantagem competitiva que impõe hoje à indústria automotiva tradicional do Ocidente um desafio sem precedentes. Hoje, a China tem uma capacidade produtiva de 40 milhões de veículos por ano e tem um dos parques industriais mais modernos do mundo em toda a sua cadeia de valor. Investiu o estado da arte em processos robotizados e capacitação tecnológica que vai muito além dos conceitos da conhecida Indústria 4.0.
Porém, a China, nessa corrida tecnológica, passa longe do apelo ambiental da descarbonização por não ter fontes de energia limpa e renovável que compensem o enorme prejuízo ambiental que está causando, principalmente na sua produção de baterias de lítio íon.
A indústria automotiva americana, por sua vez, com 17 milhões de capacidade produtiva, fez grandes investimentos na transformação, se destacando principalmente com a inovadora Tesla, que trouxe novos conceitos veiculares que vão além da eletrificação.
Com a troca de governo nos Estados Unidos e sua saída do acordo de Paris, provavelmente teremos novos rumos para a transformação veicular dos EUA. A proteção tarifária da indústria local frente à competição chinesa deve frear a corrida para a eletrificação e trazer os motores a combustão de volta para a mesa das engenharias.
A Europa, com 15 milhões de capacidade produtiva, se desestabiliza com suas metas ambientais para carbono zero, criando uma disrupção sem precedentes em sua tradicional indústria automotiva que tanto ditou as tendências da mobilidade das últimas décadas.
Já podemos perceber nas discussões políticas atuais que a União Europeia deu um tiro no próprio pé com a regulamentação de carbono zero no Green Deal, eliminando dos seus mercados os motores a combustão movidos a combustíveis fósseis e subsidiando os veículos elétricos como única solução para evitar emissões locais, sem clareza de onde obter energia limpa sustentável e sem dar muita opção sustentável para sua tradicional indústria automotiva.
Com as recentes mudanças de governo nos EUA, a redução de subsídios aos veículos elétricos e o aumento de barreiras tarifárias, o futuro do mercado automobilístico europeu vai ser ditado pela sua capacidade competitiva de reagir e se adaptar à demanda do consumidor, que não parece renovar seus votos nos veículos elétricos.
Porém, mesmo com a diminuição recente na procura por veículos elétricos que ocorre nos EUA e na Europa, dificilmente essa locomotiva tecnológica impulsionada já em alta velocidade pela gigante competitividade chinesa será fácil de desacelerar. Dentro deste contexto global, temos o mercado automobilístico brasileiro com pouco mais de 2,6 milhões de unidades vendidas em 2024 e já com 7% de propulsão elétrica, seja na configuração hibrida, seja puramente elétrica.
As marcas chinesas BYD, GWM, entre outras, já são marcas consolidadas na mobilidade brasileira que ganharam espaço nos últimos 5 anos, resultado da política do governo federal de subsidiar com imposto de importação zero implantada em 2019 na primeira fase do programa Rota 2030.
O ganho de mercado dessas marcas está principalmente na estratégia em trazer para o mercado brasileiro a novidade do veículo elétrico em seu estado da arte com as mais modernas tecnologias de segurança, conectividade, design e conforto veicular aproveitando o subsídio de imposto para importação. Parece-me que a retomada do imposto escalonado para 35% até julho de 2026 não irá desacelerar muito este crescimento.
É notório que quem sustenta essa venda de veículos BEV, híbridos e plug-in são as classes A e B de consumidores brasileiros em função do alto ticket médio desses veículos e que têm ajudado a consolidar essas novas marcas no mercado. A tradicional indústria local, que há anos desenvolveu localmente motores a combustão para o uso de combustíveis renováveis como o etanol de cana e que domina há décadas o parque fabril brasileiro, vem se reinventando lançando já este ano vários modelos na configuração híbrida flex para fazer frente à tendência do consumidor brasileiro em buscar cada vez mais uma maior autonomia e flexibilidade na sua escolha de mobilidade.
O uso dos biocombustíveis na combustão traz já há anos para o Brasil uma vantagem na corrida de descarbonização graças ao desenvolvimento e implementação em larga escala das tecnologias de motores a etanol, incluindo a revolucionária tecnologia do flex fuel.
Essa vantagem já está ditando o futuro do mercado brasileiro que terá o motor a combustão com a tecnologia flex ainda por muitas décadas, seja para queimar nosso etanol hidratado ou gasolina com 27% de álcool anidro, seja para compor com a eletrificação principalmente na versão híbrida plug-in, versão essa que dá ao consumidor a autonomia desejada sem necessariamente depender de grande infraestrutura para recarga de baterias.
Teremos espaço também para os veículos puramente elétricos BEV que, no uso urbano, já se mostram eficientes. Importante aqui são investimentos em infraestrutura de recarga suficientes e, principalmente, se a vantagem competitiva da energia elétrica frente à versão a combustão será sustentável.
Enfim, teremos espaço para todas as tecnologias, porém sua escala vai depender da previsibilidade econômica do país e do poder de compra do consumidor brasileiro em absorver essas tecnologias.