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Luiz Gustavo Junqueira Figueiredo

Diretor Comercial da Usina Alta Mogiana

Op-AA-67

Voo cego
Em um acidente que ficou famoso pela sua dramaticidade, uma aeronave Boeing 757, da companhia aérea AeroPerú, caiu na noite de 2 de Outubro de 1996, após decolar de Lima, vitimando todas as 70 pessoas a bordo. Os pilotos tentaram retornar ao aeroporto após a falha de alguns instrumentos vitais de navegação e de atitude de voo. Sem conhecer a verdadeira altitude e velocidade, a tripulação foi bombardeada com informações errôneas e falsas dos instrumentos vitais para manter a aeronave em voo reto horizontal. Foi identificada como causa do acidente o bloqueio dos tubos de pitot com fita adesiva, que não foram retirados após um serviço de pintura na fuselagem, desta forma enviando dados incorretos para os instrumentos a bordo.
 
Assim como os pilotos do voo 603 da AeroPerú, podemos afirmar que os gestores de usinas passaram os últimos meses no escuro, com informações erráticas sendo bombardeadas a todo momento pelas telas de seus computadores e de suas televisões. Ainda hoje, passados vários meses após a eclosão do grande surto de Covid-19 em nível global, pairam sobre nossas cabeças mais dúvidas do que respostas.
 
A cada dia, surgem novas consequências advindas da pandemia, como novas cepas do vírus e a dificuldade de lidar com elas. O desafio da vacinação em massa torna a solução do problema um grande desafio logístico e operacional. Somam-se a isso os crescentes ruídos e incertezas políticas que rondam o Brasil, e temos uma receita perfeita para que as decisões estratégicas se tornem mais arriscadas e imprevisíveis. 

Isso explica, em grande parte, porque as usinas avançaram tanto nas suas fixações de açúcar para as próximas safras. Diante de um quadro tão nebuloso, o senso comum pedia cautela e a garantia de boas margens para uma parte expressiva da produção. Ocorre que, como em muitos filmes de suspense, reviravoltas começaram a acontecer, como a forte alta dos grãos e do petróleo nos últimos meses. Além de surpreendentes, esses movimentos abruptos foram acompanhados por um regime de chuvas muito abaixo do esperado em boa parte do Centro-Sul do País.

O resultado dessa equação é uma forte onda de alta nas cotações internacionais de açúcar, a despeito da oferta abundante da safra indiana, que mal se iniciou e já conta com revisões para baixo do seu tamanho e que enfrenta entraves logísticos para poder escoar suas exportações. Além de todos os fatores mencionados, podemos acrescentar um outro, igualmente relevante: a fuga do dólar em nível global e a busca de proteção contra uma possível onda inflacionária, através da aquisição de commodities por parte de traders e gestores de fundos de investimento mundo afora.

Alguns analistas se questionam se estamos diante de um grande e longo ciclo de alta de produtos básicos, alimentícios e minerais. Existem bons argumentos para isso: o crescimento das grandes economias está sendo impulsionado por gigantescos programas de estímulo monetário, ao mesmo tempo em que as taxas de juros encontram-se extremamente baixas. Além disso, as cadeias de investimento foram prejudicadas pela pandemia, o que impediu a normalização da oferta de diversos produtos, desde o petróleo até o minério de ferro. 

Apesar do cenário de juros baixos, não temos visto um crescimento relevante no aumento da capacidade de produção de açúcar no Brasil e em outros países. Pelo contrário: na Europa, prevê-se que a área plantada de beterraba no próximo ciclo seja menor do que na última safra. No Brasil, existe uma dificuldade enorme em se conseguir avançar o plantio de cana sobre áreas de grãos, diante da expressiva valorização de preços da soja e do milho.

Para completar o quadro, os preços do aço subiram mais de 50% desde o início da pandemia, sem perspectivas de queda para os próximos meses. Isso indica que qualquer tentativa de expansão de moagem se dará por meio de áreas de custo mais alto, tanto em termos agrícolas como industriais. A única forma de viabilizar uma futura expansão será através de preços mais remuneradores de açúcar e de etanol, que possam dar a tranquilidade necessária aos gestores para encaminharem seus programas de investimento.
 
Isso vale também para futuros projetos de etanol de milho, que somente serão viabilizados se os preços do etanol forem bons o bastante para se justificar a compra de uma matéria-prima cada vez mais valorizada e demandada no mercado internacional.

Podemos concluir, portanto, que os custos mais altos vieram para ficar e que preços mais elevados das nossas mercadorias serão necessários por alguns anos, a fim de encorajar produtores, desde a Tailândia até a Europa, a retomarem seus planos de expansão. Além disso, alguns países irão concentrar seus esforços no aumento da oferta de etanol, como é o caso da Índia, e, assim, limitarão o potencial de crescimento da produção de açúcar. 

O risco de qualquer onda de investimento, contudo, está na sua velocidade: bastam alguns excessos no ânimo expansionista que os bons preços irão trazer para que a fase pujante de hoje se torne novamente uma depressão de preços, como a que tivemos há poucos anos. 

Entretanto, dado o recente histórico de fracasso de muitos grupos sucroenergéticos que se excederam em sua alavancagem expansionista nos últimos anos, acredito que, desta vez, o setor poderá crescer de forma mais harmônica e inteligente. O futuro parece ser cada vez mais promissor, com o mundo procurando fontes limpas de energia e o Brasil sendo um dos países mais bem posicionados para poder se aproveitar desse ambiente favorável. Desta vez, os executivos do setor, a exemplo dos desejos de pilotos de uma aeronave comercial, estarão diante de um grande céu de brigadeiro.