Superintendente de Pesquisa e Pós-graduação do ITEP e Professor da Universidade de Nebraska, EUA
Op-AA-35
Nos últimos dez anos, o País tem vivido sobressaltos quanto à produção e ao suprimento de energia elétrica para as necessidades domésticas, comerciais, agrícolas e industriais. Em 2002, o sistema foi a colapso, fazendo com que várias medidas fossem tomadas para atenuar o famoso apagão. Entre 2003 e 2010, imaginou-se que o suprimento de energia elétrica havia sido resolvido e que as iniciativas tomadas e os investimentos realizados seriam suficientes para fazer o montante de quilowatts/hora crescer em compasso com a demanda.
Mero engano. A partir de 2011, uma série de black-outs voltou a ocorrer, deixando milhões de brasileiros e milhares de empresas sem energia por horas ou dias. As desculpas, sempre pouco verossímeis. Em um momento, faltou manutenção às torres; em outra, um raio que atingiu uma linha de transmissão; por último, falha humana. Na realidade, o que poucos se encontram dispostos a reconhecer é que o Brasil conta com um sistema de produção e distribuição envelhecido e uma gestão questionável.
Daí, não é de se esperar que haja a energia suficiente a um país que deveria estar crescendo a uma taxa de 5% ao ano. Os problemas conseguiram ser atenuados, por incrível que pareça, pelo fato de a economia nacional haver dado sinais de cansaço nos últimos dois anos.
Quando da crise de 2002, a melhor opção encontrada para completar a demanda, quando necessária, foi um sistema tampão de usinas termoelétricas que ficaria de sobreaviso para a eventualidade de os reservatórios baixarem a níveis críticos. A energia elétrica, contudo, continuaria a ser suprida em base no acaso. Isto é, durante os anos, com boa média de precipitação e bom acúmulo de água, a energia estaria disponível. Durante o período de estiagem, torcer para que chuvas extemporâneas mantivessem as hidroelétricas em níveis constantes e seguros de produção.
Como para tudo em que o planejamento é falho, em algum momento as deficiências são expostas. Aí, desde 2011, acentuando-se no final de 2012 e início de 2013, com a quantidade de água disponível para geração de energia elétrica indo a níveis de elevado risco, o que se viu foram os gestores políticos e os dirigentes do sistema de produção e distribuição de energia, do mais alto mandatário a ministro, diretores de empresas, instituições e agências indo ao desespero, por pouco não se repetindo em plena Esplanada o que é tão comum no semiárido: novenas e procissões.
Mas o fato é que o abastecimento dependia única e quase exclusivamente das chuvas que poderiam ocorrer durante o mês de janeiro, na região Centro-Sul do País, como ocorreram. E, mais uma vez, ficou-se com a sensação que Deus é, de fato, brasileiro.
Voltando às termoelétricas: paradas, são mais caras do que as hidroelétricas funcionando e não se planejando o uso; uma vez que as previsões sempre se basearam nos dados meteorológicos, não puderam entrar em operação a custos competitivos.
As aquisições de gás natural não foram realizadas e, quando, ao final do ano de 2012, o Brasil foi ao mercado para o funcionamento do sistema complementar, adquiriu no mercado spot a unidade de comércio de gás, um milhão de BTUs (Unidade Térmica Britânica) por R$ 34,00 (US$ 17,00), quando, nos Estados Unidos, essa mesma unidade está sendo comercializada, em fevereiro de 2013, entre R$ 7,00 e R$ 8,00 (US$ 3,50 e US$ 4,00).
É nesse ponto da discussão que entra o setor sucroenergético e a necessidade da ênfase à produção de energia a partir do bagaço. O Brasil conta com aproximadamente 420 unidades industriais potenciais produtoras de energia, além do açúcar e do álcool. Produz 600 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, o que resulta entre 100 e 120 milhões de toneladas de bagaço seco.
Essa matéria-prima, diferentemente de outras opções, apresenta uma vantagem competitiva importante, uma vez que se encontra ao pé da unidade produtora de energia, diminuindo significativamente o custo de logística e o preço do frete de uma matéria-prima de menor densidade.
O custo de transporte da matéria-prima, nesse caso o bagaço, foi amortecido quando do transporte da cana-de-açúcar para produzir o açúcar e o etanol. As usinas e destilarias encontram-se distribuídas em vários estados, em particular, na região Sudeste, que é a mais forte demandante por energia elétrica, devido ao seu parque industrial e a uma população crescente em várias cidades de médio e grande porte. Uma outra região com riscos de desabastecimento de energia e que pode ser suprida pela cogeração é a região Nordeste, que, apesar do relativo declínio da atividade sucroenergética, ainda conta com uma produção de aproximadamente 50 milhões de toneladas de cana, ou 8% da produção nacional.
O interessante é que, a priori, o bagaço de cana-de-açúcar havia sido especulado como uma das principais opções à produção do etanol de segunda geração. Entretanto, devido ao incompleto domínio da tecnologia que permita uma conversão economicamente viável e devido ao custo menor de se estabelecer uma unidade produtora de energia elétrica a partir da modernização das caldeiras e geradores, a cogeração tem se mostrado como a melhor opção do ponto de vista econômico para o setor sucroenergético.
Alguns impedimentos merecem ser removidos. O preço da energia adquirida pelas empresas distribuidoras é o principal deles, uma vez que não tem havido estímulo, em várias regiões, à produção de energia, a ser vendida a preço muito abaixo do que se tem adquirido, com forte subsídio governamental, a partir da produção térmica.
Nesse sentido, algumas razões que justificam uma política clara para o setor podem ser enumeradas:
1. Aproveitamento de uma matéria-prima disponível;
2. Tecnologia plenamente dominada pela indústria de equipamentos e do setor sucroenergético;
3. Custo
reduzido da matéria-prima por unidade de energia comparada com qualquer outra opção de uso de material lignocelulósico, resíduos sólidos ou outro coproduto agrícola ou industrial;
4. Consolidação da energia elétrica como o terceiro mais rentável produto de uma usina e destilaria, junto com o açúcar e o etanol;
5. O bagaço produzido no País equivale a uma hidro-
elétrica do porte de Itaipu, com a vantagem de ter uma produção geograficamente bem distribuída, em uma ampla área do território nacional, resultando na redução de perdas consideráveis, via transmissão;
6. Tal qual em usinas hidroelétricas, em sua maioria, e na indústria do etanol, trata-se de uma produção autóctone, cujos recursos serão eminentemente distribuídos entre os trabalhadores, industriais e consumidores do País;
7. Economia em escala comparada com o uso do gás natural, aos preços spot, do óleo ou do diesel.
Em resumo, mesmo sendo o País líder em produção de energia elétrica a partir de biomassa, atingindo 8,7 GWatts no ano de 2012, há como se adicionar um volume equivalente de produção, desde que uma política diferenciada e dirigida para o setor sucroenergético seja posta em prática.
Não há como um país nas dimensões do Brasil, que pretende consolidar-se como uma economia forte e capaz de atender aos compromissos do País para com as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, possa ficar, ano após ano, na dependência do acaso e das chuvas, que podem vir ou não a suprir seus reservatórios.
O tempo é ingrato para aqueles que não veem onde as chances ocorrem e madrasto para os lentos em tomada de decisões estratégicas. Em qualquer outra situação, e, na maioria dos países, todo o bagaço de cana-de-açúcar estaria sendo transformado em energia elétrica. Talvez o País seja tão bem aquinhoado com várias fontes de energia que se permite ver milhões de toneladas de matéria-prima que gerariam eletricidade para centenas de cidades e indústrias ser desperdiçados ou subutilizados.
Ainda bem que, com as secas, o bagaço passou a ser uma matéria-prima disputada como complemento à alimentação animal; mesmo assim, são vários os outros usos que ele pode ter, em particular, a produção da energia elétrica de que o País carece.