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Tarcilo Ricardo Rodrigues

Diretor da Bioagência

Op-AA-01

Convivendo com a oferta de um produto com uma produção de difícil controle

A comercialização de álcool ainda terá de enfrentar muitos desafios. Estamos muito distantes de um processo maduro de comercialização, com o equilíbrio desejado e necessário das relações comerciais. Estamos falando de um fato relativamente novo. O processo de desregulamentação do setor iniciou-se em 1.997 e foi concluída em fevereiro de 1.999, em meio a uma elevada oferta de produto no mercado.

No período anterior à finalização da desregulamentação, havia muitas divergências setoriais e o sistema de comercialização vigente, com a intervenção governamental estava totalmente desgastado e não mais atendia às necessidades das unidades produtoras. As novas distribuidoras eram uma novidade e buscavam seus espaços. A desregulamentação tornara-se inevitável, mesmo em um ambiente totalmente desfavorável.

O setor estava caminhando sozinho e havia muito a aprender. Os efeitos da crise ressaltaram o desequilíbrio econômico entre produtores e distribuidores, e as usinas tinham que suportar um estoque de álcool elevadíssimo, o que as faziam reféns de um sistema desigual, no qual os produtores não tinham o menor poder de impor preço para o seu produto.

O combustível estava em descrédito diante da população e fadado a desaparecer. As vendas de veículos a álcool recuavam de forma drástica, e os proprietários de veículos a álcool sentiam-se reféns dos efeitos das oscilações da oferta, alimentando a crise de credibilidade. Hoje estamos um pouco mais preparados para enfrentar um desequilíbrio entre oferta e demanda.

Aprendemos um pouco mais do jogo do mercado, a respeitar as suas regras, suas mudanças e expectativas, e tentamos antever os seus movimentos futuros. Estamos inseridos em um mercado de combustíveis que, no Brasil, ainda tem os seus principais produtos sob o monopólio de produção da Petrobrás, mantendo-os sob o seu controle. Assim também, as oscilações de preços no mercado internacional são amortecidas pela política comercial da Estatal brasileira.

Na nova realidade dos veículos de combustível flexível, a gasolina deve ser vista como um produto concorrente, ao qual o álcool deverá manter-se competitivo. Os consumidores nos darão as regras de convivência de todos os combustíveis, onde a relação de custo por quilômetro rodado é, sem dúvida, a de mais forte apelo, deixando os benefícios ao meio ambiente em segundo plano.

A complexidade da comercialização do álcool traz um ingrediente diferenciado, pois a maioria das unidades que produz álcool combustível também produz açúcar, e tem, na flexibilidade da produção, uma importante ferramenta para a maximização de seus resultados. A conseqüência desta flexibilidade é que temos dois produtos oriundos da mesma matéria-prima, concorrentes no processo, mutuamente dependentes, com destino a mercados distintos, com regras próprias e a complexidade inerente de cada um deles.

O açúcar é utilizado como matéria-prima da indústria alimentícia, com forte participação no mercado internacional. Hoje 2/3 da nossa produção de açúcar está sendo exportada. É um mercado dinâmico, sofisticado, com mecanismos de proteção de preços ditados por Bolsas de Mercadorias Nacionais e Internacionais. No mercado interno temos uma diversidade de clientes, desde as pequenas indústrias regionais, até as grandes multinacionais da indústria de alimentos, passando por uma forte rede de atacadistas.

Essa diversidade coloca o açúcar como um produto de maior liquidez, com possibilidade de arbitragem dos preços e canais de distribuição. Neste contexto enquadra-se o álcool combustível concorrendo com o açúcar, buscando a melhor rentabilidade para a cana-de-açúcar, utilizada na sua fabricação e, por outro lado, tendo que fazer frente aos preços na bomba, aos combustíveis concorrentes, com uma cadeia de preços complexa e elevado grau de tributação.

Nos últimos anos tivemos uma amplitude de variação de preços, deixando o consumidor sem a menor noção, de qual é o verdadeiro preço do álcool. Temos hoje relações de preços nas bombas, que só se viabilizam quando o produto é vendido abaixo do seu custo de produção. Corremos o risco de o consumidor exigir esta relação de competitividade e nela se basear na sua decisão pelo álcool.

Nem sempre o preço baixo, praticado na produção, chega ao consumidor, por diversas razões, seja por estoques elevados na cadeia, seja por regiões de baixa concorrência, caracterizando-se uma transferência de renda do setor produtivo. As oscilações são muitas vezes causadas pelo descompasso entre as receitas e despesas características do setor. Sendo um produto sazonal, com forte desencaixe de recursos antes das realizações das receitas, que sem mecanismos de financiamentos, fica à mercê da vontade e do poder econômico do mercado.

Esta disparidade faz com que o mercado reduza seus preços muito abaixo daquilo que seria o ponto de equilíbrio necessário à manutenção da demanda. Nestes momentos, o mercado intermediário, salvo em algumas regiões com forte concorrência, repõem as suas margens. Os produtores devem trabalhar com preços remuneradores e estáveis, mas, para isso, precisam fazer uso das armas para enfrentar o mercado. Devem elaborar um planejamento estratégico setorial, desenvolver mecanismos inteligentes de financiamentos que não sejam custosos e que inviabilizem a produção. O lastro para esta operação deve ser o próprio álcool.

Devem também incentivar as operações com mercados futuros, Cédulas de Produtor Rural (CPR), securitizações de contratos de fornecimento, precificação de contratos via Bolsa de Futuros, abandonando as regras de precificação de contratos referenciados em preços do passado, que só interessam ao comprador. Precisam também desenvolver parcerias como setor distribuidor, de forma equilibrada e transparente, visando atingir o consumidor final do álcool.

É necessário colocar o álcool em seu devido lugar, como um produto de fonte renovável, menos poluente, gerador de empregos e com forte apelo ecológico, permitindo que tenha uma tributação diferenciada dos demais combustíveis fósseis. É preciso lutar pelo espaço do álcool na matriz energética nacional para que não tenhamos concorrência predatória entre os combustíveis, como no caso do gás, pois de nada adianta substituir álcool por GNV.

O resultado para o país é totalmente negativo, se computados todos os custos sociais.Precisamos de uma política de estoques reguladores, com o apoio do Governo e em parceria com toda a cadeia comercial, onde cada agente deverá dar a sua contribuição. Estoques reguladores é uma necessidade para um produto agrícola, com responsabilidade de abastecimento em todo território nacional.

A vocação de crescer é inerente do setor sucroalcooleiro, pois formamos uma indústria competitiva. Os avanços tecnológicos estão presentes em todos os estágios do sistema produtivo e os ganhos de produtividade nos colocam em uma posição de liderança mundial. Entretanto, o descompasso entre oferta e demanda é característico desse setor e temos que aprender a conviver com esta realidade, equacionar a oferta de produto, pois a produção é uma variável de difícil controle. O sistema de comercialização requer aperfeiçoamentos para que possamos dar vazão a esta nossa imensa capacidade produtiva.