Em períodos difíceis, como o que passa hoje a economia brasileira e o setor sucroenergético do País, as oportunidades de reverter a situação parecem se esconder, fugir do alcance dos olhos. A conjuntura exige muita coragem, determinação e eficácia para garantir resultados e uma sobrevivência ameaçada a todo instante. Nessa árdua missão, se as tais oportunidades não aparecem, é preciso correr atrás delas, muitas vezes criá-las, produzi-las, cavando novos espaços, preenchendo novas demandas.
Mas e se nos déssemos conta de que as chances de retomada têm passado por nossas mãos e não temos conseguido segurá-las, deixando escapá-las por entre os dedos? Não seria motivo para desespero perceber que estamos perdendo algo que deveria ser abraçado, agarrado com unhas e dentes? Pois bem. As respostas para essas duas questões bem que poderiam ser mais animadoras. Primeiro, porque a luz no fim do túnel que tanto esperamos acender já existe há tempos.
E segundo, porque tem capacidade para nos presentear com um brilho firme e forte. O problema é que vem sendo severamente ofuscada por decisões equivocadas do Governo Federal nos últimos anos. A energia elétrica gerada a partir da biomassa da cana-de-açúcar tem um excelente potencial para atender às mais urgentes necessidades para o crescimento do País, principalmente em épocas de baixo volume hídrico, mas, infelizmente, tem sido negligenciada, tratada de forma irresponsável, a exemplo de outros produtos do setor sucroenergético.
Basta lembrar o quanto o etanol, combustível que é um tesouro para o Brasil, por representar uma tecnologia sustentável, sofre as consequências de uma política mal planejada de preços para a gasolina. Diante desse cenário, apostar na bioeletricidade seria uma forma de a esfera pública federal assumir que está disposta, pelo menos, a atenuar os efeitos dos recentes desmandos cometidos com um setor que emprega diretamente 2,5 milhões de pessoas (mais de 1% da população nacional), reúne cerca de 400 usinas, 80 mil fornecedores de cana e 4 mil indústrias de base, distribuídos em 600 municípios.
Uma cadeia e tanto, que mereceria, no mínimo, um respeito proporcional, à altura de sua importância. Medidas como o retorno da Cide (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico) e o aumento do etanol misturado à gasolina foram ações paliativas diante das urgentes necessidades do segmento canavieiro. Não que as perspectivas para os próximos anos sejam estritamente pessimistas. Pelo contrário, há esperanças, como as previsões de enxugamento dos estoques internacionais de açúcar, que devem melhorar os preços, e o alto consumo de etanol no mercado interno – nos seis primeiros meses deste ano, as vendas subiram 38,3% na comparação com o mesmo período de 2014.
Valorizar as externalidades positivas dos subprodutos da cana-de-açúcar não seria, porém, uma forma de recompensar exclusivamente a história de desenvolvimento que o setor sucroenergético propiciou ao Brasil, mas um sinal de respeito com o próprio País, visando a uma nova guinada econômica e social. Os motivos que justificam uma aceleração da cogeração de energia são evidentes, por expressarem inúmeras vantagens. Vejamos:
1. A eletricidade produzida no Brasil a partir do bagaço e da palha da cana é de alta qualidade, tendo em vista que o Brasil é líder mundial em tecnologia de produção da matéria-prima, além do que essa alternativa complementa a sazonalidade do parque hídrico instalado, fator primordial diante da escassez de água que atravessamos. Em 2014, a eletricidade produzida nas usinas sucroenergéticas permitiu poupar 13% dos reservatórios espalhados pelo território nacional. Não fosse esse recurso, os efeitos da longa estiagem teriam sido ainda mais nocivos e preocupantes.
2. É muito mais barata em relação ao que o governo gasta, atualmente, com térmicas a energia fóssil, cujas tarifas variam de R$ 800,00 a R$ 1.700,00 o MWh. Nos leilões do último mês de agosto, com energia contratada para 2018, o preço teto para a eletricidade de biomassa foi de R$ 218,00 o MWh. Segundo a Datagro Consultoria, uma tarifa de pelo menos R$ 300,00 o MWh, se fosse autorizada, já seria suficiente para a cogeração se expandir rapidamente.
3. Investir na cogeração, por meio de um programa bem estruturado para o financiamento de caldeiras (retrofit), que é tão almejado pelo setor para que as usinas renovem seus parques industriais, faria com que mais unidades passassem a vender seus excedentes para a rede – hoje, são cerca de 170 usinas, o que corresponde a menos de 50% delas – e, de quebra, impulsionaria a recuperação de municípios que dependem da indústria de base, como Sertãozinho-SP, que tem feito demissões em grande número. Só de janeiro a agosto de 2015, foram mais de 1.500. Sem contar as vagas fechadas durante todo o ano passado, que somaram quase 2.300.
4. Aproveitar o potencial da cogeração evitaria desperdícios ao trazer energia de regiões distantes, já que as usinas sucroenergéticas estão próximas aos maiores centros de consumo. As perdas, em torno de 10% a 15%, se explicam porque a energia precisa, em muitos casos, viajar mais de dois mil quilômetros até chegar aos lugares onde será utilizada. Com um pequeno investimento de programas governamentais para fazer a conexão das usinas à rede, o Brasil seria capaz de economizar o que se gasta nessa transmissão de excedentes de sistemas isolados. Essa possibilidade poderia, ainda, ser aliada a novas tecnologias, como a biodigestão, que gera, a partir de resíduos da cana, gases como o biometano, que, de maneira eficiente, poderia substituir o diesel, tornando possível a geração de eletricidade com ainda mais ganhos.
O que mais impressiona, frente a esses fatores, é que, enquanto a maior parte do planeta, preocupada em encontrar soluções para adequar-se às exigências ambientais, financiam pesquisas para a obtenção de tecnologias capazes de levar a humanidade a um novo ciclo de desenvolvimento, com sustentabilidade, o Brasil parece retroagir. A falta de regras claras que posicionem o etanol e a energia elétrica da biomassa na matriz energética tem provocado a descontinuidade na contratação de eletricidade de biomassa nos leilões públicos, principal porta de entrada para o produto no mercado, e reduzido a capacidade instalada do setor sucroenergético.
Em 2010, de acordo com a Unica – União da Indústria da Cana-de-açúcar, ela era de 1.750 MW, correspondente a 12,5% da Usina Hidrelétrica de Itaipu, a segunda maior do mundo, atrás apenas da chinesa de Três Gargantas. Em 2011, o número caiu para 919 MW, em 2012, para 917 MW, subiu um pouco em 2013, para 1.431 MW, mas caiu novamente, para 1.022 MW, em 2014. Para este ano, a previsão é de 538 MW, e a média entre 2016 e 2020 deverá ficar apenas em 158 MW, índice ínfimo considerando que, com o crescimento brasileiro projetado para 5% ao ano nas próximas décadas, o País vai precisar de uma Itaipu a cada dois anos.
Fato é que, neste período de intensas dificuldades que estamos vivendo, não precisamos encontrar oportunidades mirabolantes. A cogeração de energia a partir do bagaço e da palha da cana está aí, pertinho dos nossos olhos, na palma da nossa mão. É preciso, no entanto, acreditar nela e na chance única de mudar, verdadeiramente, com medidas simples e vontade política, a história do nosso Brasil.