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Manoel Vicente Fernandes Bertone

Secretário de Produção e Agroenergia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Op-AA-14

A garantia de suprimento será a base da expansão do mercado mundial

Minha participação no Fórum Internacional sobre o Futuro do Álcool é para dar início a um processo de interlocução, que considero ser a principal pauta do meu trabalho. Como ponto principal da minha discussão, gostaria de destacar algumas informações, que têm relação direta com o desenvolvimento do mercado. Quando se fala do mercado de etanol e de agroenergia, para ser mais amplo, já se imagina um mercado ilimitado, por causa dos artigos elaborados pela mídia, das palestras realizadas sobre o setor e até pelo comportamento das pessoas.

Quando se fazem as contas do quanto de gasolina ou de diesel pode ser substituído por biodiesel, tem-se a impressão de que se terá muito trabalho viável pela frente. No entanto, a minha percepção, como uma pessoa que veio da iniciativa privada e entrou no governo neste momento, em que o setor de cana-de-açúcar passa por circunstâncias favoráveis, é de que temos uma visibilidade muito grande, mas uma lucratividade questionável.

O álcool está custando cerca de sessenta e poucos centavos na usina. Eu não acredito que isso esteja gerando grandes resultados. Por outro lado, eu saí da iniciativa privada e cheguei a um governo, onde vejo o álcool ser discutido no Ministério das Minas e Energia, no Ministério do Meio Ambiente, no Ministério do Trabalho, no Ministério do Desenvolvimento e do Comércio Exterior, no Ministério das Relações Exteriores, na Casa Civil e no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, onde me encontro.

Em minha opinião, o setor atravessa um momento que exige algo a mais do que tem sido feito e uma percepção de mercado diferente do simples fato de acharmos que o álcool, por ser um combustível limpo e por gerar benefícios inegáveis para o meio ambiente do planeta, será comprado, com facilidade, pelo mundo. Infelizmente, essa não é a realidade que eu enxergo.

Para mim, o mercado tem um tamanho ilimitado, desde que ele seja desenvolvido com muita competência e sempre se buscando derrubar barreiras que, em um primeiro momento, podem ser muito difíceis de ser vencidas. A cana-de-açúcar gera dois produtos principais, o açúcar e o álcool. O açúcar tem uma característica econômica de ser um produto inelástico no seu consumo, ou seja, mesmo se derrubando o seu preço, o seu mercado não cresce.

Ou melhor, cresce sim, mas apenas vegetativamente, porque ninguém consome mais açúcar, colocando-o em maior quantidade no cafezinho, por exemplo, só porque está barato. Já o álcool, tem uma característica econômica de ser um produto de consumo elástico, pois, com a queda de preços, é esperado que seu consumo aumente. Isto seria ótimo se o produtor ofertasse o produto diretamente ao consumidor, só que essa não é a realidade.

O que acontece é que as usinas vendem este produto às distribuidoras, em um mercado de competitividade questionável. Há uma grande tendência à carterização, basta observar-se o tempo que demora para que o preço do álcool caia nos postos de combustível, depois de ter abaixado nas usinas. Se os produtores, na unidade industrial, fizerem um produto competitivo, mais barato, mas esse benefício de preço não chegar ao consumidor, sua característica econômica de ser um produto de consumo elástico perde-se e o mercado não se desenvolve na mesma proporção.

Por outro lado, existem três princípios básicos para se desenvolver mercados, e isso vale para qualquer produto, até mesmo para o álcool, que se encontra no auge da mídia. Digo assim, porque não consigo ver o auge na rentabilidade das usinas, pois os preços não viabilizam os projetos que estão em andamento. Estes três fatores estão calcados em uma palavra mágica: estabilidade. O consumidor, ao comprar um produto, quer estabilidade de preço, de qualidade e de disponibilidade.

São três aspectos fundamentais, tanto para se vender margarina, sapato, café, como álcool também. Um produto com grande variação de preço não terá um desenvolvimento sustentável no mercado consumidor. No momento em que vier a faltar, o consumidor reagirá agressivamente contra o produto. Se este não tiver uma qualidade estável, bem especificada, e esse é um ponto que o setor de etanol ainda tem que evoluir, também não alcançará os mercados, da forma como poderia.

Da mesma maneira, se tivermos um produto que falta demais e, conseqüentemente, o preço oscila demais, o desenvolvimento do mercado também não se dará de uma forma segura. O álcool é um concorrente amigável da gasolina. Amigável por quê? Porque usa o mesmo motor, o mesmo sistema de distribuição, as mesmas empresas que ganham com a colocação de gasolina no mercado, ganham também com a colocação de álcool. Portanto, o setor produtivo do álcool tem um fator muito importante para conseguir boas parcerias ao desenvolvimento de seu mercado.

A necessidade de estabilidade, o fato de ser um produto que concorre amigavelmente com a gasolina, a questão da elasticidade ou inelasticidade de comportamento econômico do produto, em relação ao preço, e o fato de se ter no governo tantas fontes de decisão, que afetam o produto álcool, induzem a pensar que o setor de açúcar e álcool tem que trabalhar muito bem suas relações com o governo e com quem vai regular o setor.

Felizmente, o que se assiste hoje, dentro do governo, é um debate profícuo para o desenvolvimento do setor. Não há quem não queira, dentro do governo federal, obter do setor de açúcar e álcool uma parceria para um desenvolvimento sustentável. Em outros setores econômicos em que eu atuo, nas reuniões em que participo, observo o objetivo claro de se abrir mercado e desenvolvê-lo de uma forma sustentável, não apenas na propaganda. E digo mais, a agricultura brasileira é a mais sustentável dentre todas do planeta.

Só ela tem legislação ambiental e a cumpre em percentual elevadíssimo, além disso, convive com relações trabalhistas que implicam em sustentabilidade no trabalho, embora algumas críticas possam ser feitas. Mas, os agricultores brasileiros são penalizados com o custo de uma mão-de-obra muito superior ao custo dos principais países em desenvolvimento, que concorrem conosco.

A agricultura brasileira apresenta fatores de sustentabilidade que precisam ser adequadamente demonstrados ao mercado. O segredo do crescimento desse mercado, que julgo ilimitado, está em firmar parcerias sólidas entre o setor privado, os setores governamentais e os demais elos da cadeia produtiva. Muitas vezes, em conversas com empresários do setor de açúcar e álcool, observo que estes acreditam que o setor irá bem, se não houver limitação de liberdade.

Esta não é a minha opinião, pois esta liberdade precisa ser embalada com um nível de responsabilidade tal, que se permita que essas parcerias sejam feitas com todos os setores governamentais. Por outro lado, eu não sinto ainda, o governo do qual eu faço parte, tão organizado para o debate com o setor de açúcar e álcool, como seria desejável.

Temos iniciativas no Ministério da Agricultura, mesmo da Casa Civil, quando há propostas para se desenvolver determinada legislação, que precisa ser mais discutida, na busca de um ponto de aperfeiçoamento mais adequado, gerando, assim, a segurança necessária ao investimento e ao adequado desenvolvimento do mercado, principalmente, no âmbito internacional.

Não se pode formular um desenvolvimento do setor de açúcar e álcool, pensando apenas no desenvolvimento do mercado interno, que é grande e está se desenvolvendo, graças ao carro flex. É preciso alcançar mercados diferentes, como o dos Estados Unidos, da União Européia, da Ásia, etc. Cada um deles é diferente e exigirá estratégias diferentes.

Não se conseguirá estabelecer e determinar essas diferentes estratégias, que garantam, a estes mercados, estabilidade da oferta a preços razoáveis e em qualidades específicas, se não tivermos um sólido marco legal e parcerias com empresas aptas a formalizarem esses contratos internacionais, garantindo o fornecimento futuro, sem o desabastecimento interno.

Hoje, a cana-de-açúcar, pelo seu envolvimento com o setor de energia, deixou de ser, simplesmente, um produto agrícola, que pode oscilar e ter uns ciclos, como costumava ocorrer. Isso é bom para o setor e traz vantagens, mas também, maiores responsabilidades. Segurança energética é um dos pontos fundamentais de qualquer governo e o nosso tem toda a responsabilidade de prover um marco legal, que traga segurança energética.

Tendo-se um mercado interno, cujo comportamento seja imprevisível, dificilmente qualquer país comprará álcool nosso, porque sabem que em um momento de necessidade energética extrema, o Brasil vai procurar preservar a sua sociedade. Pensando nisso tudo, o Brasil está desenvolvendo um programa muito bem articulado, embora não ocorra em uma mesa única, de forma coordenada.

Mas, o país procura fazer com que outras nações introduzam o álcool na sua matriz energética e, principalmente, no seu sistema de produção de energia. Isso é fundamental para que, de forma geral, os grandes mercados não temam uma atitude unilateral de um único país produtor. A idéia do governo brasileiro de fomentar o desenvolvimento do setor de etanol em outros países, principalmente na América Latina e no Caribe, sem deixar de pensar na Ásia, na Índia, na África, deve ser aplaudida, porque é da produção de etanol lá fora que surgirá a garantia para que o mundo possa assumir um compromisso de introduzir o etanol na sua matriz energética.

A Secretaria de Produção e Agroenergia tem procurado desenvolver trabalhos, visando à segurança energética, com a pulverização das fontes de produção de energia no território nacional e diversificando essas fontes. O governo tem investido muito no programa de biodiesel, mesmo que, na ponta do lápis, seja pouco viável. Acredito que a segurança energética e os benefícios de logística advêm, justamente, da produção de agroenergia em todos os pontos do território nacional e de fontes adequadas a cada região.

O governo está desenvolvendo trabalhos e fomentando um consórcio de pesquisa na área de agroenergia, no sentido de difundir o etanol no mercado internacional. O México, por exemplo, é um país modelo para a introdução do etanol. Primeiro, porque cana-de-açúcar não é estranha a eles. Segundo, porque sua produção de petróleo vem decrescendo, acentuadamente.

Terceiro, porque a cidade do México é caótica, em termos de poluição, e quarto, porque ela é vizinha dos Estados Unidos e tem com eles um programa de livre mercado que, por si só, vai deixá-los muito confortáveis, no que se refere a exigir que não haja barreiras na exportação de etanol para os Estados Unidos. Assim, o México é uma cunha importante para o Brasil atingir o mercado americano.

O setor de açúcar e álcool está investindo muito na produção de cana e na construção de novas unidades, mas também precisa investir em dutos, estradas, portos e marketing, para mostrar ao mercado que nosso produto é sustentável. Não basta ser, tem que se mostrar ao mundo. A mensagem que quero que permaneça é a de que o Ministério da Agricultura está de portas abertas para uma parceria profícua, com o objetivo de colocar o Brasil na história do planeta, como tendo propiciado uma fonte de energia, que permita melhor qualidade de vida para toda humanidade.